Vamos lá, após cerca de 3 anos desde a última reunião entre russos e ucranianos na Turquia, os lados beligerantes voltaram a se encontrar. Mais uma vez os turcos agiram como “mediadores” na busca por um entendimento entre eles, e quando falamos de mediadores, falamos de facilitar o encontro, de dar segurança aos grupos de negociadores, de dar suporte para que as conversas tenham andamento de forma a chegar a um termo acordado entre os dois lados, sem pressão, sem interferências diretas externas.
Outro ponto que precisamos entender é que quando se fala em conversas sem pré-condições isso não significa que os lados não tenham objetivos e interesses a serem discutidos, mas simplesmente que não há condições para que a conversa ocorra. Exemplos. Os ucranianos não aceitavam conversar enquanto não houvesse um cessar-fogo de ao menos 30 dias, ou os russos não aceitavam conversar enquanto a NATO estivesse enviando armas. Essas conversas ocorrem sem pré-condições, mas elas já tiveram vários temas debatidos. Começaremos a expô-los aqui, até porque tudo começou antes do encontro propriamente dito.
E começou com o trio de ferro europeu baixando em Kiev e fazendo pressão sobre Zelensky, primeiro para que não entrasse em negociações com os russos, segundo para que não cheguem a um acordo. O problema é que corre um vídeo em que, aparentemente, os 3 foram flagrados tentando esconder os restos do que pareceu ser uma sessão de uso de drogas. Se o vídeo é real, se usaram ou não entorpecentes, isso não tenho como afirmar, até porque há inúmeros recursos para geração de vídeos hoje em dia. Mas o fato não é o uso de entorpecentes, mas a divulgação do vídeo, não vi um desmentido oficial de nenhum dos governos, e caiu para a sarcástica e ferina Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo para comentar o assunto. Ela não perdeu tempo, acusou a Europa de tomar decisões através de líderes dependentes e temporários (em todos os sentidos). Disse que isso embaça as decisões, e completou dizendo que perguntou a um diplomata ocidental como podiam colocar dinheiro e armas nas mãos de um viciado. A resposta teria sido que o uso de substâncias é comum entre lideranças ocidentais.
A mesma Zakharova manteve os holofotes no lado russo, porque aparentemente movido pela visita dos líderes europeus, Zelensky criticou duramente a comissão para negociar com os ucranianos nomeada por Putin, chamando o ato de teatral e um esboço de comissão. Zakharova foi dura, exaltou os predicados dos russos, incluindo seus títulos acadêmicos e experiência, chamou Zelensky de palhaço, de falhado, e disse que não se sabe qual sua formação escolar. Por último voltou a colocar a culpa da atual situação no ucraniano, já que, segundo ela, a mesmíssima delegação chegou a um acordo com os ucranianos há três anos, mas Zelensky abortou o acordo de paz e o conflito segue como sabemos hoje em dia.
Mas aos trancos e barrancos chegamos ao dia da reunião. Zelensky esteve presente, como havia indicado, mas não participou da reunião, já que Putin, como eu tinha adiantado, não foi, ainda que desafiado pelo ucraniano. Putin não tem o que fazer lá. Na verdade ele aparecerá quando for realmente necessária sua presença. No momento as conversações estão no começo, e os ucranianos insistem no retorno a uma geografia anterior à fase atual do conflito, quando a Rússia ainda não tinha entrado diretamente no confronto entre os ucranianos e os russos étnicos da região em disputa. Essa posição traz um desdobramento, que é a solicitação aos russos que deixem as regiões em disputa.
A resposta russa é que as regiões foram formalmente incluídas na Federação Russa, e portanto o invasor passou a ser a Ucrânia, e solicita que os ucranianos deixem todo o território em disputa. Esse impasse deverá permanecer por algum tempo, e não havia no primeiro acordo negociado, já que os russos aceitaram deixar as regiões, elas ainda não tinham sido incorporadas à sua Federação, e a Ucrânia sairia do conflito com poucas perdas, a maioria política.
Mesmo assim os russos consideraram esse primeiro encontro satisfatório. Foi acertada uma troca de mil prisioneiros de cada lado. Kiev insistiu num encontro de lideranças, ou seja, Zelensky e Putin na mesma mesa e os russos anotaram a solicitação. Os dois lados também acordaram apresentar propostas para um cessar-fogo, ou seja, deveremos ter ao menos uma segunda rodada de negociações. Mas já digo que não acredito que Putin esteja presente, salvo se a situação no campo de batalha evolua muito, seja para um lado, seja para o outro.
Já as negociações devem se arrastar por algum tempo. Se há 3 anos eles chegaram a um acordo relativamente rápido, agora nada indica que isso ocorra, salvo se os ucranianos percam o apoio que recebem do Ocidente. Trump, ainda que tenha incentivado as negociações bilaterais, segue enviando armas para a Ucrânia. Sim tinha diminuído – nunca parou – e agora voltou ao nível normal, incluindo assistência técnica e de inteligência. Os europeus, além de armas, seguem enviando dinheiro aos ucranianos. Só que os europeus parecem estar perdendo o fôlego. Macron já indicou que os franceses estão no limite; os ingleses, apesar de muito apoio de inteligência, já reduziram envio de armas por não tê-las, mesmo que sigam enviando dinheiro. Os únicos que seguem tentando manter o nível, e talvez até aumentar o envio de armas, se não em quantidade em qualidade, são os alemães, que também seguem enviando dinheiro. Os italianos já reduziram muito sua participação no esforço de luta ucraniano.
Por isso que volto a repetir, os ucranianos ainda têm fôlego, mas ele tende a diminuir a medida que a ajuda ocidental também diminua. Em relação ao recrutamento os ucranianos têm apresentado imensa dificuldade. As redes sociais fervilham de vídeos de homens sendo raptados nas ruas para serem enviados aos campos de batalha. Ao mesmo tempo já vemos a reação de civis contra essas arbitrariedades, principalmente por parte de mulheres e homens mais velhos, e também tornam-se comuns o resgate desses sequestrados por grupos de transeuntes.
Por isso disse no vídeo curto que soltei ontem que Putin aumenta a pressão no campo de batalha para encontrar a paz. A paz será encontrada ao se exaurir a capacidade ocidental de apoiar os ucranianos, as próprias capacidades ucranianas de se armar, incluindo a capacidade de conseguir soldados para lutarem por sua causa, ao exaurir as capacidades econômicas dos ucranianas, assim como as capacidades europeias já estão muito debilitadas. Os russos estão conseguindo tudo isso no campo de batalha. Poderia ter sido na conversa, na diplomacia, mas os ucranianos optaram por buscar enfrentar os russos no campo de batalha, e estão muito próximos de perderem. As negociações tendem a expressar essa condição.
É isso pessoal, a situação deve se arrastar por mais alguns meses, e salvo alterações muito intensas nas relações do campo de batalha, a vitória tende a ser russa, e os russos poderão impor suas condições, e elas não mudaram desde o início do conflito, apenas se intensificaram, justamente devido o conflito.
o.
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