Pessoal, as ações de Trump, ainda que girem em torno do mesmo tema, ou seja, a taxação de comércio exterior, elas são erráticas, desproporcionais, mal pensadas, e tal qual as mais de 15 mil sanções que já impuseram à Rússia, tendiam a ser completamente inúteis contra a China, além de refletirem muito negativamente no próprio EUA. Vamos entender o porquê disso.
Bem, precisamos começar nosso argumento conhecendo e entendendo alguns dados e fundamentos. Começamos dizendo que as ações do governo estadunidense têm sido erráticas, absolutamente sem critério e têm dado um retorno muito inferior àquele que os atuais detentores do poder político do gigante norte-americano imaginavam. De início não imaginavam que teriam tantas reações, principalmente de alguns locais de onde não esperavam, como Canadá e alguns países europeus. Na continuação não esperavam tantas reações adversas internas, incluindo no próprio governo. Para se ter ideia, o próprio Elon Musk já criticou as tarifas indiscriminadas de Trump e como eu disse quando analisei as possibilidades do governo que começava, alguns deputados e senadores do próprio partido do governo já se posicionam contra este, inclusive votando contra algumas propostas do governo no congresso.
Começamos falando como se usam tarifas de importação e exportação, para que servem e se devem ou não serem usadas. Tarifas podem e devem ser usadas, mas são usadas para proteger, desenvolver e melhorar a competitividade de determinados setores de seu país quando estes estão iniciando a jornada rumo ao domínio de mercado e tecnologia de ponta deste setor, não de forma indiscriminada como tem sido feito pelos estadunidenses neste momento. E para se aplicar estas tarifas é necessário haver um plano de ação. Algo desenvolvido, pensado, estudado, com alternativas e metas intermediárias e finais bem definidas. O EUA está longe de ter qualquer coisa nesse sentido. Enquanto isso, todas essas coisas sobram na China.
Mas entre as idas e vindas das tarifas estadunidenses, e que na última volta estava em uma “moratória” de 90 dias para o mundo, enquanto chegava a 145% à China, e com ação imediata. Já a China, que vem aplicando a reciprocidade e amentando suas tarifas aos estadunidenses à medida que estes aumentam à China, chegou aos 125%. Autoridades chinesas, ao anunciarem o último aumento, disseram que essa guerra tarifária já virou piada, e que o país irá ignorar qualquer outro aumento por parte do EUA. Disse que o atual nível das tarifas já tornou totalmente impraticável a comercialização na China dos produtos americanos afetados por elas, e que o país segue aberto a negociações, desde que sejam feitas de forma respeitosa e em igualdade de condições. O país também passou a buscar outros fornecedores.
Outro ponto que precisamos observar é a importância das exportações chinesas para cada um dos países. Aqui os números divergem um pouco entre várias fontes, então vou apresentar uma média, porque o importante é como os números variam, não o volume exato deles. Em 2005 as exportações chinesas para o EUA significava cerca de 9% do PIB da nação asiática. No ano passado essas exportações significaram cerca de 4%. Ambos podem ser um pouco acima ou abaixo, mas o fundamental é que esse comércio perdeu peso, perdeu importância no PIB chinês, ainda que em termos absolutos de valor tenham aumentado, ou seja, são mais dólares envolvidos, mas com menos importância geral na composição do PIB chinês. Isso se dá por dois motivos principais. O primeiro é um crescimento do mercado interno chinês, e o segundo é uma ampliação dos parceiros comerciais dos chineses.
Alguns outros pontos importantes a serem analisados são que a China já trabalha para aumentar ainda mais seu mercado interno e aprofundar e aumentar as relações comerciais com os atuais parceiros e também com novos. Isso já objetivando substituir as exportações ao EUA por novas fontes de demanda por seus produtos, e também para dar mais solidez à própria economia chinesa. Como os chineses disseram em seu anúncio do último aumento de suas tarifas, quem se isola com isso é o EUA, que ataca o mundo inteiro numa ação midiática, mas nem por isso menos danosa, tanto à própria economia, quanto à própria imagem. Cito por último a declaração do vicepresidente chinês, Han Zheng, que afirmou que se o EUA quiser, que siga com essa política destrutiva. Se quiser não importe mais dos chineses. Os chineses estão aí há cerca de 5.000 anos, viram muitas civilizações surgirem e acabarem, na maior parte do tempo não existia EUA, mas eles continuam por aqui, e esperam permanecer, com ou sem EUA.
Esse é o quadro da guerra tarifária iniciada por Trump. Seu recuo, talvez apenas temporário, foi principalmente por pressões internas, inclusive do próprio governo e de colaboradores bem próximos como falei no início. Mas não podemos abortar pressões externas, já que Trump anuncia uma enxurrada de países implorando por negociações bilaterais, só que isso não ocorreu exatamente assim. Dos cerca de 190 países do mundo, apenas cerca de 20 já haviam solicitado negociações, enquanto muitos estudavam e preparavam ações de reciprocidade, alguns preparam entrada na moribunda Organização Mundial do Comércio, e muitos simplesmente ignoram as iniciativas de Trump, já que suas relações com os americanos não são tão importantes assim. A própria posição chinesa foi bem clara da situação. O nível das tarifas já impostas ao EUA já tornou totalmente proibitiva as importações vindas do país norte-americano, e justamente por isso não há sentido nenhum em seguir com aumentos.
No EUA, as ações truculentas mal pensadas e intepestivas de Trump devem, ao final, ter exatamente o mesmo efeito que as sanções impostas à Rússia tiveram na UE. Inflação, perda de poder aquisitivo da população e queda no padrão de vida que já está bem abaixo do esperado em um país que diz ter a maior economia do mundo.
Enquanto isso, quanto as ações que os estadunidenses deveriam tomar para voltar a se industrializar e crescer, seguem fazendo ao contrário. A infraestrutura do EUA está, de modo geral, sucateada, e sua mão de obra está absolutamente defasada em relação a outros países do mundo. Das grandes potências é seguramente o pior deles. Tudo isso se reflete em custos de produção, e justamente por isso as grandes empresas pensam em várias opções para driblar as ações de Trump, mas produzir em solo estadunidense não é uma delas. Lembrando que exceção não é regra. Podemos também citar o fato de que o EUA depende muito de produtos chineses, e terão certa dificuldade em substituí-los em curto prazo e mesmo em médio prazo, e ainda mais no custo em que os conseguem, enquanto os chineses terão muito menos dificuldades em substituir o que importam do EUA. Não a toa houve uma corrida de estadunidenses a substituir uma série de utensílios e objetos de suas casas.
A verdade é que as ações de Trump foram absolutamente antipáticas ao mundo, têm baixíssima possibilidade de dar certo, alta probabilidade de dar errado e ainda trazer problemas agregados que rapidamente minariam o atual governo, como inflação, desabastecimento, piora das condições de vida e agravamento das dificuldades econômicas em si, além de acelerar a queda da hegemonia do país.
Mas mesmo que houvesse uma reviravolta total e o EUA começasse a investir pesado em educação e infraestrutura levaria muito tempo para se recuperar. Bem, eles estão ao menos 35 anos atrasados. Em meados dos anos 90 do Séc. XX já se falava do erro da globalização indiscriminada, e da transferência de indústrias, tecnologias e empregos para a Ásia. O resultado foi a decadência geral do Ocidente e a incapacidade de uma reação em curto ou médio prazo. Vejam, não é impossível uma reação, mas isso exigiria erros sucessivos dos antagonistas da hegemonia do EUA e nenhum erro dos Ianques, mas nenhum erro relevante ocorreu até o momento e nem os Ianques pararam de errar. Ao contrário, acertos importantíssimos vieram de seus concorrentes.
Com mais esse erro enorme, o governo Trump caminha para acabar prematuramente. Não, ele não deve cair, mas perder governabilidade e capacidade de ditar os rumos do EUA. Sim, porque a questão das tarifas se soma a alguns outros equívocos, como as dificuldades enfrentadas nas negociações sobre o conflito russo-ucraniano, reações de alguns países europeus sobre suas ações em relação a interesses desses países, dificuldades com os Houtis, e mesmo alguns países menores que mostram ações rumo a mais soberania.
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