Pois é, há alguns anos, quando aprovaram o Brexit, profetizei que o "poderoso" Reino Unido entraria em crise profunda. Aos poucos ela foi se instalando, mas não tão lentamente que o sapo fosse cozido sem sentir. Ao contrário, ele sentiu e agora se debate e tenta fugir. Não sabe como, então acaba por criar ainda mais feridas, enquanto o "cozinheiro" segue com a tampa da panela fechada. Mas essa panela é de pressão, e pode explodir na cara desse "cozinheiro".
A ver.
Conflito no Reino Unido
Ricardo Nuno Costa
A crise estalou no Reino Unido, em particular nas regiões desindustrializadas do Norte. É o regresso dos anos 70, sem o IRA, mas com um potencial de conflito intracomunitário ainda maior, derivado do crescimento de sociedades paralelas, fruto de meio século de políticas de imigração imprudentes, consentâneas com o paradigma económico vigente, orientado unicamente para o lucro rápido e a concentração da riqueza.
O mesmo se passará previsivelmente um pouco por toda a Europa ocidental, toda ela a braços com os mesmos problemas em algum grau. O pior é que não se vislumbra uma solução para um problema para o qual se oferecem somente receitas superficiais, demagógicas e barricadas em dois polos radicalizados. Aqui, mais que nunca faz falta a responsabilidade e o discernimento da terceira posição.
O que se viu este fim de semana no RU é só a ponta do véu daquilo que podemos vir a ver. O rastilho foi a morte de três crianças esfaqueadas por um menor (17 anos), de nacionalidade britânica, filho de imigrantes do Ruanda. Não era muçulmano, como se veiculou profusamente no Twitter, mas também não era britânico segundo a percepção da maioria da população do país. O assassino é da categoria B2 (negro africano), segundo a lista de 19 definições étnicas do Home Office, o Ministério do Interior britânico.
Cenas de confrontos entre a polícia e centenas jovens britânicos de raiz (categoria W1) e de irlandeses do Norte (categoria W2), com comércios a serem pilhados, esquadras da polícia incendiadas, e tentativas de incêndio de mesquitas e residências de imigrantes, corresponderam a ajuntamentos de muçulmanos igualmente radicalizados, aos gritos de “Takbir, Allahu akbar!”, prontos para a guerra nas ruas da Inglaterra. Quem leu sobre as operações secretas da rede Gládio da NATO desde os anos 70, pode facilmente imaginar que por de trás disto se escondam os serviços de inteligência, com intenções terceiras.
O episódio destapa uma crise económica, política e social profunda, com o país em recessão e quatro governos no espaço de dois anos e meio. No caso da UE, o potencial de problemas relacionados com a imigração e a crise que já se sente, agrava-se pela exclusão metodicamente organizada da Rússia do concerto europeu e da arquitetura de segurança do continente. Sem mais, a pedido de Washington, a Europa ocidental decidiu retirar das suas relações o país do qual dependia em grande medida, não só da energia, fertilizantes, grão e minério, como das exportações e turismo para e de um mercado de 150 milhões de pessoas.
As origens geopolíticas da crise que acaba de se manifestar no RU é outro assunto, porquanto à imigração, que se tornou num problema, corresponde também a política neocolonial de Londres com os países de onde provêm essas massas populacionais. A irrupção destas tensões não acontece sem aviso: já em 2011, o país tinha conhecido problemas de desordem civil graves, com epicentro nas populações de origem imigrante, tal como a França em 2007 e no ano passado.
Tanto Londres como Paris, logo após a Segunda Guerra Mundial, fingiram que deixaram de explorar as suas ex-colónias, concedendo-lhes as independências formais, ao mesmo tempo que se desfaziam de uma dispendiosa presença militar e administrativa, delegando nas novas elites – por vezes violentamente enfrentadas em terríveis guerras civis –, o futuro daquelas terras da Ásia e sobretudo da África, sem jamais abandonarem a extração das suas matérias-primas. Esta relação mutuamente corrupta garantia às indústrias de transformação europeias mais meio século de vantagem competitiva sobre o Sul através de uma serie de mecanismos de controle e manipulação de preços das matérias-primas. A industrializadíssima Alemanha também se beneficiou deste tipo de esquemas, mais ou menos nos mesmos moldes. Tudo isto obedeceu a uma lógica, primeiro enquadrada no âmbito dos acordos de Bretton Woods, e depois com a revogação do padrão dólar-ouro no princípio dos anos 70 e o advento do modelo neoliberal.
A contrapartida para este predomínio do Norte sobre as economias de um terceiro mundo que desejava prosperar fora dos grilhões do Ocidente e das suas instituições globais, das quais dependia, foi a abertura das portas da Europa a milhões de refugiados de conflitos e crises no terceiro mundo nas quais as elites europeias tinham claras responsabilidades. Nos EUA sucedeu um processo análogo.
A quantidade de imigrados para Norte é mínima em relação à totalidade daqueles que aspiram ainda hoje a alcançar o sonho europeu, mas suficiente para gerar tensões sociais nas terras de acolhida. Mesmo que muitos imigrantes se tivessem integrado ao longo das décadas e alguns até voltado às suas terras, as comunidades extraeuropeias em geral reproduziram-se a níveis notavelmente mais altos que os europeus nativos, fazendo desequilibrar a demografia, os usos e valores e a vida quotidiana do continente de acolhida. A isto, acrescente-se a abertura deliberada das fronteiras da Alemanha dos governos Merkel, com o seu apogeu em 2015-17, coincidente com a guerra na Síria para a qual Londres, Paris e Berlim apostaram fortemente pela retirada do governo legítimo.
A presente crise só vem se agravando desde a crise financeira de 2007-08, depois com a crise das dívidas soberanas, e mais tarde com a Covid-19 e com os atuais conflitos na Ucrânia e Médio Oriente. A facilmente previsível proletarização, empobrecimento e desemprego de vastas fasquias da população, prevê também o aumento da delinquência e a criminalidade violenta. Nestas condições a culpabilização mútua entre comunidades que coexistem, mas que não se misturam, como são o caso de várias no continente europeu, é um caldo de cultura fértil.
Este episódio de confrontação entre comunidades, toscamente divididas entre “autóctones-cristãs” e “exógenas-muçulmanas”, vem na sequência da guerra de Israel em Gaza, que destapou a cara mais brutal do regime sionista aos olhos do mundo. As classes políticas europeias não souberam ou não quiseram exigir o cumprimento da lei internacional e preferiram alinhar de forma bastante clara mas desajeitada com um governo particularmente extremista e com um genocídio transmitido em direto para todo o mundo.
A União Europeia, e em particular a Alemanha, perderam quase todos os créditos de seriedade angariados ao longo de décadas aos olhos da maioria global. Também as populações muçulmanas na Europa, mas não só elas, viram o papel malicioso das elites europeias.
Aliás foi aí que começaram os problemas nas ruas, com a repressão das autoridades alemães e da desinformação da grande imprensa sobre os atos de simpatia com a causa palestiniana, frequentemente classificados com má fé como “antissemitas”. A estas demonstrações, já começaram a aparecer outras, de signo contrário, empunhando bandeiras de Israel, confundindo o público numa dicotomia errónea que importa para a Europa um conflito que não é dos europeus.
A situação de crise atual revela a falência do modelo neoliberal em que a Europa, e primeiro o Reino Unido, apostaram durante décadas, enquanto continuam a insistir nos jogos geopolíticos para a forçar a prevalência do dólar em redor do qual as suas economias especulativas orbitam. O atual quadro ameaça ruir completamente, se o Ocidente (os EUA, admita-se) não entender que o mundo mudou e que não vale a pena enfrentar-se à nova realidade, mas sim encarar os seus desafios.
Querem estes erros das elites europeias dizer que os seus povos têm de tolerar ver os seus bairros a mudarem a sua essência por alguma forma de caridade com povos fugidos de zonas de conflitos? Antes pelo contrário, os europeus têm direito a escolher quem admitem em casa e a atual situação da imigração deve ser revertida, sob pena de os europeus perderem o controlo do seu futuro e verem as suas sociedades descaraterizadas para sempre. Os europeus, ingleses incluídos, independentemente dos erros do passado, têm direito de mandar nas suas terras, da mesma forma que os palestinos ou qualquer ouro povo autóctone no seu território.
É uma época de grande angústia, em que estamos a ver coisas que julgávamos impossíveis chegarmos a ver, mas também de grandes possibilidades para um futuro melhor. Num mundo mais justo e equilibrado, os conflitos, as perseguições, e, portanto, as grandes migrações nem sequer terão de existir.