"Cruzeiros:
uma tragédia de alerta
Severino Almeida Filho
A colisão seguida de naufrágio do
navio de cruzeiro Costa Concordia está completando um ano. A tragédia, ocorrida
junto aos rochedos da Ilha de Giglio, na costa da Itália, provocou a morte de
34 pessoas e deve nos servir de alerta. As circunstâncias que determinaram o
acidente são as mesmas que envolvem essas embarcações no Brasil.
De acordo com a Abramar, a associação
que representa as companhias estrangeiras que exploram esse serviço no país, o
número de cruzeiros no litoral brasileiro bateu recorde na temporada de
2011/2012, totalizando 17 navios e cerca de 4,9 mil passageiros transportados.
Números muito próximos a esses devem
ser alcançados no atual verão, sem que, contudo, medidas que poderiam garantir
a efetiva segurança na operação desses cruzeiros tenham sido tomadas. A falta
de uma legislação específica para regulamentar a atividade potencializa os
problemas.
Negligência com o meio ambiente e com
as normas de navegação, despreparo da tripulação - recrutada aleatoriamente e
sem qualquer treinamento - bem como descaso com passageiros têm sido o pano de
fundo da série de incidentes e acidentes que ocorrem a cada temporada com os
cruzeiros marítimos em águas brasileiras – ingredientes, aliás, presentes no
acidente do Costa Concordia.
Somente no verão 2008/2009 quatro
brasileiros morreram a bordo de mais de um cruzeiro em águas nacionais. Ainda
em 2009, mais de 300 passageiros do MSC Sinfonia sofreram intoxicação
alimentar. De lá para cá, como o noticiário tem mostrado, os incidentes se
repetem, incluindo desde manobras arriscadas junto à costa a incêndios mal
explicados, passando por descargas de dejetos nas águas de famosos balneários.
Essas embarcações navegam por águas
territoriais brasileiras, escalam nossos portos, fundeiam em nossas baías e
enseadas e transportam brasileiros, sem que nenhuma autoridade ou órgão do governo
tenha conhecimento prévio de suas rotas. Atuam livre de qualquer regulação
porque a Lei 9.432/97, que disciplina o transporte aquaviário no país, por uma
inexplicável omissão do legislador, não disciplinou os cruzeiros marítimos.
A questão torna-se ainda mais urgente
se considerarmos que, em realidade, esses cruzeiros quase nada acrescentam à
atividade turística brasileira, podendo-se dizer, na verdade, que constituem
uma concorrência desleal à rede hoteleira das cidades pelas quais passam.
Cabe lembrar que a maioria dos
passageiros é de brasileiros que gastam seus dólares a bordo, ao invés de
fazê-lo em balneários e destinos turísticos nacionais. Os dólares gastos nos
transatlânticos não são tributáveis, o que caracteriza dupla desvantagem para a
nossa economia: perda de movimento do comércio nas cidades turísticas e a
consequente perda de arrecadação.
Não precisamos de um novo Costa
Concórdia nem de outros incidentes em nossas águas como alerta para tomarmos
medidas que tornem a atividade dos cruzeiros no Brasil mais segura. Além da
segurança, devemos igualmente adotar mecanismos que façam dos cruzeiros uma
atividade econômica complementar ao turismo doméstico, que não merece enfrentar
uma concorrência desleal."
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