terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Bresser Pereira solta o verbo

O texto de Bresser Pereira é ótimo, e vou acrescentar algo que ele não disse. Nenhuma das ações propostas e tomadas pelo governo até o presente momento irá resolver os problemas de nossa economia, nem a médio ou longo prazo, e muito menos a curto prazo. Isso porque todas elas são de caráter recessivo, ou seja, apenas irão aprofundar a crise e a recessão que arrasam o país, depois de, esse mesmo grupo que se aboletou de forma irregular no poder, ter paralisado e levado a economia nacional a esse caos.


Atropelar? Por que não? É a nova regra do jogo.

Há muitos anos, no final de 1962, depois de estudar dezoito meses nos Estados Unidos, ao voltar a São Paulo, fiquei impressionadíssimo com a selvageria do nosso trânsito, quando comparado com o do Meio-Oeste americano. Por que tamanha diferença? Porque a sinalização de trânsito era melhor, porque as multas eram maiores, porque a fiscalização estava mais presente – essas eram razões óbvias. Mas, em artigo na imprensa, naquela época, sugeri que havia uma razão mais profunda. Enquanto nos Estados Unidos todos tinham carro, de forma que havia apenas uma “classe” de cidadãos, os motoristas, que em alguns momentos se tornavam pedestres, e os respeitavam, no Brasil havia duas classes bem distintas – os motoristas e os pedestres. Em consequência, enquanto nos Estados Unidos havia uma solidariedade entre os motoristas, aqui havia uma “luta de classes” entre os motoristas, todo-poderosos, que dirigiam como se quisessem atropelar quem estivesse pela frente, e os pedestres “que atrapalhavam o trânsito”.

Passaram-se os anos, e o trânsito tornou-se mais civilizado em São Paulo. A sinalização tornou-se excelente, o Código Nacional de Trânsito definiu penas mais elevadas, as fiscalização melhorou. Mas nas marginais os motoristas continuavam a atropelar os pedestres. Em julho de 2015, depois de ouvir longamente os técnicos, que lhe diziam que a redução da velocidade reduziria o número de acidentes e não prejudicaria o fluxo, porque a diminuição da velocidade seria compensada pelo diminuição das brecadas, o prefeito Fernando Haddad introduziu a mudança sugerida.

Inicialmente levantou-se um vozerio dos motoristas. Indignados. OK, eles não sabiam dos benefícios da mudança. Mas aos poucos foi ficando claro que o conselho dos técnicos e a decisão do prefeito haviam sido corretíssimos. O número de atropelamentos caiu verticalmente, e o número de acidentes envolvendo outro veículo também diminuiu. Maravilha!

Maravilha por que? O prefeito eleito, João Dória, já determinou o gradual aumento da velocidade nas marginais para os níveis anteriores. Por que? Porque esta é a nova regra do jogo no Brasil: a luta de classes, de cima para baixo, dos ricos contra os pobres, dos motoristas contra os pedestres. Se os acidentes com outros veículos houvessem caído tanto quanto caiu o número de atropelamentos, ainda seria o caso de pensar duas vezes...

Mas é realmente essa a nova regra do jogo? Basta ver os raios e trovões que o Palácio do Planalto lança todos os dias. Foi a emenda do teto de gastos, necessária, mas não da forma irracional em que foi aprovada; é a emenda da previdência, novamente necessária, mas não a emenda draconiana proposta; são as medidas provisórias hoje anunciadas que simplesmente derrogam a Consolidação das Leis do Trabalho ao permitir que sindicatos sem representatividade façam acordos coletivos de trabalho contra a CLT.

Sim, esta é a nova regra do jogo. É a regra do jogo de uma elite liberal e cosmopolita e de uma classe média tradicional cheia de ódio, que lograram substituir no poder uma presidente honesta e comprometida com interesse público, mas pouco competente, por um bando de políticos oportunistas ainda mais incompetentes, sem compromisso com o interesse público. Estes, para se “legitimarem” perante as elites neoliberais e seu partido, o PSDB, traíram seus compromissos com os eleitores que elegeram vice-presidente da República seu líder, Michel Temer, e adotaram a nova regra do jogo: a luta de classes de cima para baixa, com o argumento que todo o problema brasileiro é fiscal, nada tem a ver com os juros exorbitantes pagos pelo Estado, nem com os elevado deficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabiliza a indústria; a clássica culpabilização das vítimas através da qual os ricos e os poderosos tranquilizam sua consciência.

Enquanto isso a recessão não dá trégua, as delações e agora a abertura do acordo da Odebrecht com os Estados Unidos revelam que todo o grupo governante está enredado até a cabeça não apenas em doações caixa dois, mas na corrupção em sentido estrito – em propinas. Em uma República as leis são sagradas – são as normas que a sociedade adota para resolver seus conflitos e permitir o avanço econômico e social. Ora, vemos horrorizados que as propinas não foram recebidas apenas em troca de obras; foram também recebidas em troca de emendas às leis – o que representa uma corrupção ainda maior, porque envolve mais do que dinheiro: envolve as instituições do país.

Mas a operação Lava Jato não está aí para acabar com a corrupção? Sim, mas, por enquanto, o Judiciário está voltado apenas contra uma velha, muito velha, regra do jogo: a corrupção de alguns políticos. Quanto à nova regra do jogo – a da luta dos ricos contra os pobres, a da culpabilização das vítimas – o Judiciário não tem poder. Quem tem poder para exercê-la é um Executivo e um Legislativo desmoralizados. Poder no curto prazo, poder decorrente de um impeachment que desestabilizou as instituições maiores do país. Poder que lhe será cobrado nas eleições.

A serem realizadas quando? Não daqui a dois anos. O país não suportará tanta violência e tanta ilegitimidade. Precisamos de eleições diretas já. O grito dos brasileiros não deve ser “Fora Temer”, porque poderemos ter alguém tão ruim ou pior do que ele o substituindo. Precisamos de “Diretas Já”.

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