O conflito entre russos e ucranianos, que no fundo se dá entre os
russos e a NATO com os ucranianos dando apenas o pessoal para a linha
de frente, parece estar chegando ao fim. Sim, a Rússia vem avançando
dia a dia, e nem lançou ainda sua grande ofensiva de primavera, que
vários analistas militares dizem que está sendo preparada. Ao mesmo
tempo há um nítido confronto entre os dois grandes nomes da NATO, a
UE e o EUA, para saber quem ficará com os espólios restantes das
riquezas ucranianas. Isso porque os dois juntos investiram cerca de
450 bilhões de euros (ou mil milhões) e agora querem recuperar o
investido. Só que as principais riquezas do território que a
Ucrânia ocupava agora estão em mãos russas, e ainda que a Rússia
esteja disposta a negociar, ela não está nada disposta a abrir mão
de suas pretensões mínimas em nome de um acordo, ainda mais porque
ela vem vencendo no campo de batalha, e nada indica que os inimigos
conseguirão uma virada nesta área.
Aí
o problema que se apresenta e dificulta bastante os avanços de
qualquer negociação é a disputa entre os principais membros da
NATO. Claro, as condições internas na Ucrânia também são um
entrave, e elas vêm sendo utilizadas pelos europeus para dificultar
essas negociações, mas essa resistência ucraniana deverá ser
rapidamente ultrapassada a partir do momento em que os principais
participantes do conflito cheguem a um acordo. Acontece que a própria
Europa se vê em condições bastante díspares no momento, não
apenas entre membros da NATO, mas também da UE, lembrando que a
lista é bem semelhante, mas não é igual.
As
idas e vindas nas posições, declarações e decisões colocam
muitas dúvidas do futuro do Continente, e das próprias existências,
tanto da NATO quanto da própria União Européia. Fissuras e
interesses muito diversos, quando não diametralmente opostos, vêm
fazendo estragos na amalgama criada para a união do continente e que
mantém o status quo expresso em Bruxelas.
“Vamos
rearmar a Europa”. 800€ bilhões (ou mil milhões) para tal
tarefa. 500€ bilhões (ou mil milhões) na Alemanha para o mesmo
fim. Mas ninguém diz exatamente de onde virá o dinheiro. Na cúpula
política de Bruxelas os ataques às duas maiores entusiastas de tal
projeto, Ursula Von der Leyen e Caja Callas. São eurodeputados,
principalmente de países do Leste Europeu, mas também alguns
eurodeputados escandinavos e de outros partes da União. Se a
princípio tal ideia teve boa aceitação entre os membros da NATO e
da União Europeia, agora alguns Estados já começam a demonstrar
reticências a um plano armamentista tão ambicioso, e às
contradições que tais valores aplicados em armas criarão com os
anseios sociais de suas populações.
“Vamos
enviar tropas de paz à Ucrânia”. Os maiores estimuladores de tal
procedimento são Macron, da França e Starmer, do Reino Unido. Mas
mesmo os alemães têm ressalvas quanto ao envio de tropas europeias
à Ucrânia, a Itália disse que enviaria apenas com anuência russa,
e vários Estados afirmaram que não enviariam tropa alguma ao Leste
europeu. O próprio Starmer já reviu sua posição, após as claras
ameaças de Putin a essas ideias. Mesmo os poloneses, tão
verborrágicos quando a ideia de se contrapor aos russos já
mostraram aversão a essa ideia. Apenas Macron (que desfila em
revista às tropas com ares de um Napoleão moderno e alguns Estados
menores seguem defendendo tal ação. E não sabemos se teremos ou
não tropas oficiais da NATO na Ucrânia, mas sabemos que as teremos
na Lituânia, já que a Alemanha anunciou que manterá uma brigada
com 5.000 homens no país para a “proteção” do país.
Esses
são os maiores pontos de tensão entre os membros europeus de ambas
as alianças, mas essas tensões não param por aí. Fontes de
energia e de recursos naturais também são fontes de discussões
acaloradas entre os membros. Aonde e como conseguir tais recursos, já
que o continente europeu é bastante carente deles, é a maior
discussão. A Rússia, desde a época Soviética, fornecia muitos
desses recursos a preços bastante interessantes para os europeus,
mas as sanções e o afastamento total da Rússia que Bruxelas e a
NATO tentam impor aos Estados membros vêm gerando grandes rachas
entre eles. Se os grandes Estados já enfrentam dificuldades com tais
medidas, com grande quantidade de indústrias fechando e procurando
outros locais para produzir (normalmente a China, mas o EUA também
se beneficia em muito menor escala com isso). Essa perda de empresas
e consequentemente de empregos, não se limita ao setor industrial,
mas também já afeta algumas empresas do comércio e serviços.
É
aqui que entramos na situação da Europa. Desde a reconstrução
advinda com o Plano Marshall após o final da Segunda Guerra Mundial,
a Alemanha conquistou e consolidou uma liderança na Europa. Ela
vinha principalmente de sua economia extremamente industrializada,
dinâmica e que se projetava por todos os países do continente e
várias partes do mundo. Não a toa ela era chamada de Locomotiva da
Europa, mas com a crise a economia alemã descarrilou, sua liderança
já não é mais tão clara, e isso abriu espaço para que o Reino
Unido, e principalmente a França, venham desafiar mais uma vez essa
liderança, que nunca foi muito bem aceita por esses parceiros de
União Europeia. Sim, o Reino Unido já saiu do acordo, mas segue
tentando influenciar Bruxelas, e a França também sempre desafiou
essa liderança.
Ao
mesmo tempo temos o problema da NATO, que vem tendo dificuldades para
produzir armamentos e munições para abastecer a Ucrânia, e ainda
mais para repor seus estoques esvaziados pelo conflito no Leste
europeu. As cobranças por investimentos cada vez mais altos para a
segurança tem levado vários países da Aliança a se manifestarem
contra essa posição armamentista e a indicarem que não têm
condições de entregar os percentuais de PIB que a NATO, e também
Bruxelas, cobram para o rearmamento da Aliança. Ao mesmo tempo volta
à cena a possibilidade de um exército europeu, algo que também é
contestado por vários Estados membros.
Com
esse quadro vários analistas vêm vaticinando o final da aliança
atlântica e o final do sonho de união europeia. Eu acho que é
muito cedo para afirmar suas quedas iminentes. Claro que ambas as
organizações apresentam fissuras e discordâncias internas
importantes; se durante décadas a liderança europeia foi contestada
de forma relativamente sutil, hoje há uma disputa aberta por
liderança, tanto pela parte europeia da NATO, quanto da União
Europeia; as decisões sobre o futuro de ambas as organizações
estão em disputa aberta também.
Com
isso uma série de perguntas precisarão ser respondidas. O que fazer
com a NATO e a União Europeia? Para qual fim, e como organizá-las?
Quanto e como investir nelas ? Quem tomará as decisões executivas,
e como elas serão cobradas dos e pelos membros? Todas são questões
que estão em discussão no momento, além de outras. Essa discussão
ocorre devido a derrota que ocorreu nas planícies do Leste Europeu e
a debacle econômica que veio com ela, mas são questões que já
estavam latentes há pelo menos três décadas, ou seja, desde que o
Império Soviético ruiu e as relações internacionais tomaram uma
nova dinâmica. As respostas a essas perguntas é que definirão o
futuro de ambas as organizações. Se os interesses que unem esses
Estados em ambas as organizações no momento serão maiores ou
menores que as dissidências e diferenças de visão de mundo e
interesses na participação nesses organismos é o que irá decidir
o futuro delas. Quanto a tropas na Ucrânia, a escalada contra a
Rússia, ou um confronto direto com eles, isso acredito que não
veremos, mas as movimentações que alguns Estados europeus estão
tomando é de um conflito direto no futuro, e não é um futuro tão
distante assim. Mas sós esses Estados não serão capazes de
enfrentar os russos, mas outros Estados não querem entrar por este
caminho tortuoso. A verdade é que no momento o que aparecem são
essas fissuras e dissidências, mas isso não significa que esses
Estados não serão capazes de suplantá-las e manterem-se unidos. Se
haverá acerto ou se haverá cisão, a ver.