sexta-feira, 29 de junho de 2012

Críticas aos cruzeiros marítimos são iguais no Brasil e nos Estados Unidos



Ilustração site PortoGente


Não é de hoje que o Blog dos Mercantes vem denunciando problemas causados pelos cruzeiros marítimos, sejam eles de âmbito trabalhista, econômicos, ambientais, ou mesmo aos clientes que se utilizam dos luxuosos hotéis flutuantes que as empresas (todas estrangeiras) oferecem.

Não, nem o blog, nem o blogueiro são xenofóbicos. Ao contrário, apoiamos a presença de empresas estrangeiras em nosso país. Mas há uma diferença claríssima entre apoiar a presença destas empresas aqui e aceitar qualquer condição para tê-las aqui.

Se alguém tem dúvidas quanto ao fato de essas empresas não nos trazerem nenhum benefício palpável, vejam abaixo as conclusões da Marad dos Estados Unidos, divulgadas no site Net Marinha.

Críticas aos cruzeiros marítimos no Brasil e nos EUA são idênticas

Muito se fala no glamour dos cruzeiros marítimos, mas os problemas que essa atividade causa, por falta de adequada regulamentação, começam a chamar a atenção de entidades ligadas à navegação em várias partes do mundo.

Nos Estados Unidos, a agência marítima nacional (a Marad), chegou à conclusão de que os cruzeiros são uma atividade marginal, no sentido que não geram empregos e não contribuem para o desenvolvimento do turismo e do comércio interno, além de utilizar navios construídos em outros países, em detrimento da indústria norte-americana.

O interessante é que os problemas agora apontados nos Estados Unidos há muito vem sendo identificados, no Brasil, pelo Sindmar (Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante).
As conclusões levaram a Marad a proibir o financiamento público de operações relacionadas aos cruzeiros marítimos, sob o argumento de que, se não geram benefícios diretos para a economia americana, e ainda representam uma concorrência desleal para empresas locais, não há qualquer razão para manter o apoio à atividade.

Calcula-se que a “indústria dos cruzeiros” transportou 72 milhões de passageiros nos Estados Unidos (a maioria de americanos) em 2011, com lucro de US$ 40 bilhões (Ver matéria que segue abaixo). Esses recursos, no entanto, não tiveram impacto positivo no recolhimento de tributos, na geração de empregos para cidadãos norte-americanos ou para a indústria naval daquele país. Os passageiros consomem a bordo, o que implica perda de mercado para o comércio local.

Como ocorre no Brasil, os cruzeiros pertencem em sua maioria a empresas européias, que geralmente empregam tripulantes de países asiáticos, como as Filipinas, onde a mão de obra é mais barata. Embora os cruzeiros se beneficiem da economia (consumidores locais) dos países que visitam, não recolhem tributos, o que gera fuga de divisas.

Mas, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, o problema não é apenas econômico. Para o Sindmar, o fato de os cruzeiros operarem sem regulação ou regulamentação, potencializa o desrespeito a regras de navegação e a normas ambientais e sanitárias.

Problemas como despejo de dejetos por esses navios em águas costeiras de balneários famosos, como Angra e Búzios, no Estado do Rio de Janeiro, tem sido frequentes. Os problemas sanitários têm causado frequentes intoxicações a bordo a cada temporada, conforme noticia a imprensa, inclusive com mortes de passageiros.

Outra questão apontada pelo Sindmar é o despreparo das tripulações para lidar com emergências, o que ficou patente na recente colisão seguida de naufrágio do Costa Concórdia, no Mediterrâneo.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Seres humanos são insubstituíveis.Respeitem nossas leis e nossa cultura

Deu na revista Exame: "Denúncias na Fábrica". E o subtítulo: "Tapas, gritos, jornadas extenuantes. Nunca houve tantas acusações trabalhistas contra empresas asiáticas no Brasil e a onda de investimentos da Ásia no país apenas começou".


Há alguns meses o Blog dos Mercantes comentou um artigo que vinha relatando uma série de problemas em empresas asiáticas, notadamente coreanas. Tais problemas já foram relatados em outras reportagens também, e incluem empresas chinesas, tailandesas, filipinas etc.

Sabemos que nesse processo há um grande componente de diferenças culturais, que colocam um grande abismo nas formas em que ambas as culturas vêm os relacionamentos entre chefes e empregados, e como organizam sua produção.

Também sabemos que boa parte de nossa elite ainda é extremamente reacionária, e historicamente, na lide com funcionários hierarquicamente inferiores, vem ocorrendo problemas. Isso hoje é agravado pela pressão quase sobre humana a que muitos são colocados, pelo cumprimento das “cotas”.

Mas não é choque cultural o que está havendo. O próprio texto da revista exemplifica a China (mas alguns desses problemas ocorrem em outros países também), aonde é relatado o fato de trabalhadores ameaçarem suicídio coletivo, devido aos maus tratos que sofrem; ou aos relatos de fábricas que são consideradas prisões, onde guardas de segurança são postados para evitarem a fuga de trabalhadores (ou seriam escravos) confinados, e redes postadas para evitarem o suicídio dos mesmos.

O Brasil vem dando seguidas chances a estas empresas para que se adaptem às nossas leis e cultura; a questão não é essa. A questão é que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso, que vá visitar outro país, se informa minimamente sobre as leis e costumes desse país, para evitar problemas. Alguém realmente acredita que uma empresa multinacional, com filiais e representações em inúmeros países, e que já mantinha negócios em território brasileiro há anos, não conhecia, ou não se informou dessas leis e costumes?

Em verdade isso está muito mais para o total desrespeito a nossas leis e costumes que a um conflito de costumes.  A tentativa conflituosa de impor sua cultura sobre a nossa, suas leis sobre as nossas, e isso em nosso país, é ultrajante, para não dizer algo pior. Fôssemos nós lá tentar fazer algo desse tipo e o resultado não seria diplomático como aqui.

Triste ver uma revista brasileira tentar minimizar um assunto tão sério. Pior, fazer comparações descabidas com empresas brasileiras, como as que contem o texto abaixo. Porque não estamos falando de demissões e cobranças de metas, estamos falando, sim, de agressões físicas e desrespeito às leis de um país. Comparam um problema pontual de um lado, com um problema generalizado de outro. Lamentável!

De forma alguma somos contra a presença de empresas estrangeiras no Brasil. Ao contrário somos a favor: que venham! Mas que respeitem nossas leis e nossa cultura.

Máquinas são postas a trabalhar ininterruptamente, e quebram, e quando quebram são concertadas, quando possível, ou substituídas, quando não há concerto. Nós também quebramos, mas muitas vezes não temos concerto, a diferença é que nunca podemos ser substituídos, porque somos humanos, e seres humanos são insubstituíveis. Todos!

A reportagem é grande, mas vale a pena ler a íntegra:

Denúncias na Fábrica
Tapas, gritos, jornadas extenuantes. Nunca houve tantas acusações trabalhistas contra empresas asiáticas no Brasil e a onda de investimentos da Ásia no país apenas começou

Às 13 horas e 25 minutos do dia 10 de maio de 2011, foi ouvida a testemunha (...) Graziele Botelho Silva, (...) metalúrgica, (_) que trabalhou para a Samsung (. .) até sua demissão em 4 de janeiro de 201L (,..) Via pessoas passarem chorando, além de ouvir gritos por parte de superiores, inclusive de origem coreana. Tinha um coreano chamado Kim que ficava o tempo todo atrás das trabalhadoras (...) falando PALÓ PALÓ PALÓ (sic), o que significa rápido, rápido, rápido em coreano. Além dessa ordem, levavam tapas nas costas como forma de atender (aumentar) a produção.

 O depoimento acima, concedido à Procuradoria Geral do Trabalho da 15a Região, em Campinas, no interior de São Paulo, foi obtido com exclusividade por EXAME. Graziele, de 30 anos, está processando a Samsung por assédio moral. Seu relato descreve um ambiente opressivo, em que o cumprimento de metas é colocado acima de qualquer regra de convivência - ou mesmo da lei brasileira. Segundo Graziele, os berros e os tapas eram as armas de seus chefes para atingir os objetivos de produção traçados pela matriz. Poderia ser apenas uma das milhares de acusações que chegam todo ano à Justiça do Trabalho - mas o depoimento de Graziele repete um padrão que vem despertando a atenção das autoridades brasileiras: como ela, uma centena de funcionários de empresas asiáticas, como as coreanas LG, Samsung e Hyundai, a taiwanesa Foxconn e a japonesa Toyota, procurou o Ministério Público do Trabalho (MPT) para relatar maus-tratos e assédio moral em suas linhas de produção instaladas no Brasil. "Nunca houve tantas denúncias contra empresas asiáticas", diz Catarina von Zuben, procuradora do MPT responsável por fiscalizar cerca de 600 municípios no interior de São Paulo, região onde está localizada a maior parte dessas companhias.
"Algumas delas têm ignorado solenemente a legislação trabalhista brasileira.

 Nas últimas semanas, EXAME teve acesso a mais de 300 páginas de depoimentos de funcionários dessas empresas e entrevistou 15 deles. As acusações vão desde empregados que teriam apanhado durante o expediente porque conversavam na linha de montagem até jovens que apresentariam desgastes ósseos típicos da terceira idade devido a jornadas extenuantes. Não é possível saber o que há de verdade e o que há de exagero nas acusações, algo que cabe à Justiça determinar. As empresas se defendem das acusações.

Até agora o caso mais notório envolveu a unidade da Samsung em Campinas - a mesma onde trabalhava Graziele. Em 2010, após receber uma série de denúncias de agressões físicas e verbais, o MPT ouviu cerca de 40 funcionários da empresa para checar a veracidade das acusações. Em seguida, determinou que o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, órgão ligado ao Ministério da Saúde, examinasse os denunciantes. O laudo médico revelou que mais da metade deles apresentava algum tipo de distúrbio mental ou problemas ósseos e musculares em razão do excesso de trabalho. No inquérito, consta uma série de depoimentos de pessoas que afirmaram ter sido agredidas e obrigadas a trabalhar15 horas por dia para cumprir as metas de produção. Segundo o depoimento da funcionária Vanessa correia da Silva, os chefes da fábrica afirmavam que quem não quisesse trabalhar as 15 horas poderia ser demitido porque "havia muita gente desempregada querendo seus lugares". "Todo mundo tinha medo do "Mr. Park", o responsável pela fábrica", diz Walter Manoel, operador de produção da Samsung em Campinas. "Ele xingava as pessoas de inúteis quando alguma coisa dava errado." (Manoel é membro do sindicato e tem estabilidade de emprego, por isso fala abertamente sobre o assunto ) Para encerrar a investigação, em setembro do ano passado a Samsung assinou um acordo com o MPT para pagar uma multa de 500 000 reais, destinados a entidades assistenciais. Além disso, comprometeu-se a cumprir a legislação trabalhista brasileira.

 Oficialmente, a Samsung reconhece que houve problemas na fábrica e afirma que vem adotando medidas para melhorar seu relacionamento com os empregados. Além de afastar, no fim do ano passado, o funcionário responsável pela fábrica, Byung Eun Park, a empresa criou o programa One Samsung na tentativa de desenhar uma cultura única no Brasil. "Temos um comitê que avalia denúncias de assédio moral", diz o presidente da Samsung no Brasil, Jeong Wook Kim.

 Dos casos descritos a EXAME, os que mais chamam a atenção são aqueles em que a acusação sai do insulto e da pressão para a agressão pura e simples (eles são, é bem verdade, a minoria). A metalúrgica Simone Cristiane Rosa, que trabalhava no departamento de monitores na fábrica da LG em Taubaté, no interior de São Paulo, alega ter sido agredida com um tapa pelo chefe coreano porque conversava durante o trabalho. "O pessoal do departamento de recursos humanos me trancou em uma sala de reuniões e disse que eu só sairia dali quando assinasse um contrato dizendo que não havia sido agredida" afirma Simone, que diz ter se recusado a assinar o tal contrato. "Tive de me tratar com um psiquiatra. Toda vez que passava em frente à LG, começava a chorar" Uma funcionária ouvida por EXAME (e que pediu para não ser identificada por ainda trabalhar na LG, em São Paulo) diz que seu chefe coreano lançou uma caneta em sua cara quando descumpriu um prazo. A empresa recorre da decisão judicial que a condenou a pagar uma multa de 450 000 reais ao Fundo de Amparo ao Trabalhador e 50000 reais a Simone em razão de suas denúncias. A LG afirma ainda que segue o conceito de suas iniciais ("Life is good", ou "A vida é boa") e, por isso, valoriza o bem-estar de seus funcionários.

 NOVA INVESTIGAÇÃO

O histórico de denúncias fez com que o Ministério Público do Trabalho da região de Campinas decidisse investigar até mesmo uma empresa coreana que acabou de chegar ao Brasil, a montadora Hyundai. Nem bem começou a produzir seu novo compacto no país, a empresa tornou-se alvo de investigação. Segundo EXAME apurou, desde janeiro os promotores receberam denúncias de cerca de dez pessoas reclamando de berros de superiores na fábrica em Piracicaba, no interior de São Paulo, chamando-as de ignorantes e incapazes de realizar tarefas básicas. Além disso, elas se dizem obrigadas a desempenhar mais de uma tarefa na linha, o que é proibido. Procurada, a Hyundai confirma ter sido notificada pelo Ministério Público, diz que está colaborando com a investigação e que aguarda uma definição do caso para se pronunciar.

 Se o que acontece no interior de São Paulo hoje é um caso de choque cultural, o debate tende a se acentuar daqui em diante. O investimento direto anual de Japão, China e Coreia do Sul no Brasil aumentou 5 400% de 2006 para cá. Somou 11 bilhões de dólares no ano passado e já representa 16% do total de dinheiro estrangeiro injetado no país (veja quadro). Nesse período, 110 companhias orientais se instalaram por aqui, como é o caso de Hyundai e Foxconn. Até o início do ano que vem, outras 60 devem inaugurar um escritório ou uma fábrica no país - só a Foxconn, famosa por produzir iPhones e iPads para a Apple, pretende abrir outras cinco linhas de produção no Brasil. Além de crescerem em número. as subsidiárias brasileiras dessas companhias vêm ganhando importância no faturamento global. No ano passado, o Brasil se tornou o segundo maior mercado da LG no mundo (atrás dos Estados Unidos e à frente da própria Coreia). No caso da Samsung, o Brasil ocupa a quinta posição entre os 68 países em que a empresa está presente.

 A rotina de trabalho em empresas asiáticas se tornou uma fonte de polêmica mundial - um debate motivado, sobretudo, pela crescente importância da China como base de produção para empresas ocidentais. A cada relato de maus-tratos ou suicídios nas fábricas, o tema volta à tona. Em janeiro deste ano, cerca de 300 funcionários da Foxconn na província de Wuhan, no interior da China, ameaçaram se suicidar em protesto contra o excesso de sujeira nos alojamentos, a falta de treinamento para operar as máquinas e o parcelamento de salários que, em tese, deveriam ser pagos à vista. O escândalo tomou proporções mundiais e fez com que a Apple, maior cliente da Foxconn, interviesse. A empresa contratou a entidade americana Fair Labour Association (Associação do Trabalho Justo, numa tradução livre) para inspecionar a saúde, a segurança, os salários, a jornada de trabalho e a moradia dos trabalhadores da Foxconn na China. Para aliviar a pressão criada pela Apple, a Foxconn anunciou em fevereiro um reajuste salarial de 16% a 25% para seus funcionários. Em escala muito menor, a empresa também vem enfrentando problemas em suas linhas de produção no Brasil. Um executivo da companhia no país que pediu para não ter seu nome revelado disse que não é raro receber ligações durante a madrugada, nas quais o chefe do outro lado do mundo cobra, aos gritos, a solução de algum problema que tenha atrapalhado o ritmo de produção. Em fevereiro deste ano, um grupo de funcionários brasileiros da Foxconn se reuniu em frente à fábrica de Indaiatuba, no interior de São Paulo, vestindo fantasias de animais para protestar contra os supostos maus tratos. O movimento foi desencadeado por uma declaração do presidente mundial da empresa, o taiwanês Terry Gou, para quem "gerenciar 1 milhão de animais dava dores de cabeça". Procurada, a Foxconn, que tem 1 milhão de funcionários no mundo, preferiu não se manifestar. Gou, que anunciou a intenção de abrir mais fábricas no Brasil, disse em fevereiro que os brasileiros "não gostam de trabalhar" HIERARQUIA Embora seja simplista - e errado pressupor a existência de uma "cultura asiática" homogênea, os especialistas apontam traços comuns que ajudam a explicar a origem dos choques culturais que envolvem essas empresas. "De maneira geral, os asiáticos têm uma cultura extremamente voltada para o trabalho", diz Yi Shin Tang, professor de relacões internacionais da Universidade de São Paulo. "E eles esperam encontrar esse mesmo grau de comprometimento em outros países. Os choques são inevitáveis."

 Uma pesquisa realizada pela Universidade de Nottingham, na Inglaterra, entre 2009 e 2010 com 570 trabalhadores coreanos e britânicos dá uma ideia dessa diferença de cultura. Para os coreanos, o bullying praticado no ambiente de trabalho era considerado aceitável. desde que aumentasse a eficiência da equipe. Entre os britânicos, a prática foi tida como inadmissível, não importando se a pressão melhora ou piora os resultados. "Os coreanos chegaram a afirmar que as vítimas de assédio eram as reais culpadas, porque não tinham o desempenho desejado por seus chefes", diz Yoojeong Nadine Seo, pesquisador coreano responsável pelo estudo. No livro Fora de Série, o jornalista nova-iorquino Malcolm Gladwell usa um desastre para exemplificar o valor que os coreanos dão à hierarquia. No capítulo Teoria Étnica dos Acidentes de Avião, ele teoriza que a colisão de um avião da Korean Airlines em 1997 com uma montanha poderia ter sido evitada se a equipe tivesse avisado o comandante dos erros que estava cometendo. Não o fizeram, afirma Gladwell, por um respeito irracional à hierarquia. O acidente deixou 228 mortos.

 ASSÉDIO TAMBÉM É COISA NOSSA

Apesar de causarem espanto, insultos, agressões físicas e uma rotina extenuante de trabalho são mais comuns nos dias de hoje do que se imagina. A constante pressão por resultados tem feito com que executivos extrapolem os limites das boas práticas de gestão. Só no interior de São Paulo, na mesma região onde estão instaladas as companhias asiáticas, que são alvo de investigação, foram denunciados 242 casos de assédio moral no ano passado em empresas não asiáticas, um recorde histórico. Claro, há acusações no país inteiro. A fabricante de bebidas Ambev, por exemplo, foi condenada em fevereiro do ano passado a pagar uma indenização de 25.000 reais a um ex-vendedor potiguar.

 Segundo o processo, ele foi obrigado por seu superior a se deitar em um caixão para ter a sensação de ser um "profissional morto", já que não havia batido as metas. Procurada, a Ambev diz que os problemas são pontuais e não refletem o dia a dia da empresa. O exemplo da Ambev, com sua notória obsessão por crescimento e lucros, dá bem a medida de como o choque de culturas é algo até esperado quando grandes empresas abrem unidades ou fazem aquisições em outros países. Logo após a Inbev (empresa resultante da fusão da Ambev com a belga Interbrew) assumir o controle da cervejaria americana Anheuser-Busch em novembro de 2008, os executivos brasileiros iniciaram um drástico corte de custos na operação americana. Além disso, criaram uma lista com o nome dos executivos que mais gastavam e o dos que não batiam as metas, numa espécie de ranking às avessas. Nos Estados Unidos, pegou muito mal - mas até que ponto se pode dizer o que é certo e o que é errado nesse caso? A Anheuser-Busch estava parada no tempo, carcomida após anos de escalada em seus custos. O mesmo havia acontecido na Bélgica após a fusão com a Interbrew. O certo é que os brasileiros que mandam na Inbev têm um jeito de ver as coisas, e seus subordinados americanos, outra. Na França, três funcionários da Renault se suicidaram entre 2006 e 2007 - deixaram cartas em que se diziam incapazes de executar o plano de crescimento desenhado pelo executivo Carlos Ghosn, presidente da Renault-Nissan. De novo, é impossível medir a relação entre uma coisa e outra. O benefício da dúvida, que vale para Renault e Ambev, não deveria valer também para empresas asiáticas? Só a Justiça poderá responder.

 Até agora, no entanto, há sinais concretos de que as empresas asiáticas começam a se preocupar com o embate cultural que vem se desenhando no Brasil. No início de abril, a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Coreia enviou a acadêmicos e executivos um questionário para avaliar a atuação dessas empresas no Brasil. No questionário, constavam perguntas sobre as relações de trabalho nas companhias. Um exemplo: "O Brasil possui uma legislação trabalhista rígida e com normas diferentes da coreana. Estas influenciam jornada de trabalho, formas de tratamento, remuneração, entre outros. (...) As metas impostas pela matriz coreana a esta filial levam em consideração estas restrições?" A ideia é que as respostas sirvam de guia para as empresas coreanas no Brasil. Os representantes das companhias parecem ter concordado que aqui é de um jeito, na Coreia é de outro. É meio caminho andado para que haja um choque cultural. É também meio caminho andado para que as coisas melhorem daqui em diante.

Os maus-tratos são considerados aceitáveis pelos executivos coreanos desde que aumentem a eficiência da equipe, diz um estudo britânico

O assédio moral não é um problema exclusivo das empresas asiáticas. Em 2OR a Ambev foi condenada por colocar um vendedor em um caixão.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Navegar é preciso, e interligar os modais de transportes é fundamental para a melhor utilização da navegação

Deu no "Diário de Mogi":  SP construirá barragens no Tietê.

Ótima a iniciativa do governo paulista em incluir eclusas nas barragens do rio Tietê. Certo que boa parte dos projetos de barragens no país prevê a construção de eclusas, mas por questões orçamentárias normalmente são excluídas das obras, e acabam ficando para algum dia...

O fato de que elas serão feitas juntas com as barragens é um avanço, e as ligações com estradas de ferro e de rodagem uma demonstração de visão estratégica.

Que a intensão realmente se concretize, e outros governos copiem os bons exemplos. Navegar é preciso, e interligar os modais de transportes é fundamental para a melhor utilização da navegação.

O texto na íntegra:

SP construirá barragens no Tietê
Um projeto do governo estadual vai alterar drasticamente a geografia do Rio Tietê, em uma região em que o leito ainda não sofreu interferências. O Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo vai construir cinco barragens para tornar o rio navegável da zona rural de Anhembi, a 232 km de São Paulo, até o município de Salto, a 98 km da capital.

Uma sexta barragem está projetada para o Piracicaba, afluente do Tietê, levando a via navegável até Artemis, em Piracicaba. O Sistema Tietê-Paraná passará a ter mais 255 km navegáveis e a hidrovia vai ficar próxima da Região Metropolitana. O Tietê tem, hoje, oito barragens, três delas na Grande São Paulo: Edgard de Souza, em Santana de Parnaíba; Pirapora e do Rasgão, em Pirapora do Bom Jesus.
 Esse novo projeto contempla a construção de barragens nos municípios de Anhembi, Conchas, Laranjal Paulista, Tietê e Porto Feliz, segundo o Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo O diretor, Casemiro Tércio Carvalho, destaca que as primeiras licitações estão previstas para este ano e as obras devem alcançar um patamar bem avançado já em 2015.

Todas as barragens terão eclusas para a passagem de barcos. As de Anhembi e Conchas, com 5 e 8 metros de altura, terão a função de regular o nível dos reservatórios. As barragens de Santa Maria da Serra, Tietê, Porto Feliz e Laranjal Paulista terão ainda centrais para aproveitamento energético - a última ainda está em estudo de viabilidade. Os projetos mais adiantados são os de Santa Maria da Serra, Conchas e Anhembi.
 Estão previstas ainda integrações com o corredor ferroviário de exportação Campinas-Santos em Piracicaba (Porto de Artemis) e Salto. Além disso, haverá conexão com a Rodovia Marechal Rondon em Anhembi, Conchas, Laranjal Paulista e Tietê, e com a Rodovia SP-79, ligação entre a Castelo e o Sistema Anhanguera-Bandeirantes, em Salto.

Ambientalistas já querem que o estudo de impacto para a construção de barragens no Tietê seja feito de forma integrada e não individual. "É preciso analisar o impacto no rio como um todo", afirmou Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

A Cabotagem é realmente uma opção de transporte de longo curso no Brasil. Mas a Imprensa precisa ficar de olho nas notícias tendenciosas

Deu no site da Reuters e faço questão de comentar aqui no Blogueiro Mercante: "Cabotagem vira opção em transporte de longo curso no país".

A Cabotagem no Brasil é realmente uma opção muito interessante para o transporte de cargas a longas distâncias, e, além das vantagens relacionadas abaixo, podemos acrescentar com absoluta certeza a pontualidade do transporte marítimo, muito melhor que o do rodoviário.

E com certeza podemos dizer que o setor ainda apresenta alguns entraves, não exatamente a seus usuários, mas, sobretudo, ao crescimento do mesmo. Mas são entraves administráveis, que, com um pouco de vontade política, podem ser facilmente transpostos.

E mais uma vez o Blog dos Mercantes tem que fazer a triste constatação da posição tendenciosa, e porque não dizer enganosa, de uma notícia veiculada na imprensa: a suposta falta de tripulantes para as embarcações brasileiras.

Ora, mesmo que tal fato fosse verdade, e não é, como o próprio texto informa no final, a Marinha do Brasil tem tomado providências para aumentar significativamente o número de tripulantes treinados.

Mas tirando a observação acima, o Blog fecha com a necessidade de incentivarmos nossa navegação de cabotagem, de melhorarmos nossa infraestrutura portuária (o que inclui o acesso aos portos), e principalmente de mantermos e aprimorarmos os vieses de transportes que possam baratear nossa produção para o consumo interno e exportação.

A navegação marítima é uma das principais.

O texto na íntegra:

Cabotagem vira opção em transporte de longo curso no país

SÃO PAULO - A cabotagem, segmento de transporte de produtos entre portos de um mesmo país, está despontando no Brasil como uma opção viável para viagens de longa distância pela segurança e preço do frete. Entretanto, a escassez de mão de obra, preço do combustível para os navios e a necessidade de que o meio de transporte tenha bandeira brasileira são vistos como entraves para uma expansão mais acelerada do modal no país.

Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), de 2002 a 2011 a movimentação de cargas pelo segmento de cabotagem cresceu 38,3 por cento. Atualmente, as principais cargas movimentadas são combustíveis, óleos minerais e bauxita.

"A perspectiva de crescimento e diversificação da movimentação de cargas neste modal é grande", disse o superintendente de navegação marítima e apoio da Antaq, André Arruda, citando como fatores renovação da frota mercante nacional, aumento da competitividade das empresas e desburocratização portuária.

O Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT) prevê que o modal de transporte aquaviário, que em 2005 correspondia a 13 por cento do total de transportes, buscará atingir índice de 29 por cento de toda a carga transportada
no Brasil em 2025.

De acordo com a Antaq, empresas da zona franca de Manaus, usam cada vez mais a cabotagem para o transporte de seus produtos para São Paulo, principal centro consumidor do país. "Um frete de caminhão, carregado com eletroeletrônicos, fica em torno de 90 reais por metro quadrado; na cabotagem, no mesmo trecho, 76 reais por metro quadrado, uma redução de 15 por cento e que pode ser maior, dependendo do volume embarcado", afirma o superintendente.

Para Roberto Rodrigues, presidente da Mercosul Line, empresa do grupo Maersk para cabotagem no Brasil, no último ano houve "interesse e abertura" das empresas em relação à cabotagem.

"São três aspectos importantes: a oportunidade do frete reduzido em relação a outros modais, a questão de menor avaria de carga e a segurança", afirmou o executivo.

De acordo com ele, o frete por meio de cabotagem é 20 a 30 por cento menor que no modal rodoviário. "Além disso, na cabotagem o índice de avarias é muito pequeno. No rodoviário é muito maior, em eletroeletrônicos as avarias chegam a 2, 3 por cento (da carga)", afirma.

A questão de segurança também têm sido levada em conta. Isso porque no modal rodoviário existe o risco de roubo de carga, enquanto em navios o risco é mínimo no Brasil.

De acordo com o coordenador do núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, o crescimento da cabotagem no Brasil também pode ser explicado pela expansão e desenvolvimento das regiões norte e nordeste.

"Essas regiões não tinham demanda muito grande, mas com o crescimento, a cabotagem de longa distância ganhou espaço", afirmou.

Além disso, Resende lembra que, enquanto a demanda interna no Brasil avança, os investimentos em ferrovias e rodovias não acompanham essa evolução. "As ferrovias são muito dedicadas ao minério de ferro. A cabotagem transporta cargas com maior valor agregado, então a concorrência é mesmo com a rodovia", explica.

GRANDES ENTRAVES

Apesar do potencial de crescimento, o segmento de cabotagem no Brasil ainda possui fatores que limitam o avanço.

"Os principais estão relacionados à falta de embarcações apropriadas, capacidade insuficiente de terminais de contêineres e de infra-estrutura de acesso e profundidades limitadas nos canais de acesso", afirma Arruda, da Antaq.

As empresas do setor ouvidas pela Reuters citam ainda o preço dos combustíveis como um limitador para o segmento.

"O principal entrave é o bunker, o combustível de navegação. Armadores estrangeiros abastecem no Brasil sem pagar imposto", disse Fernando Real, presidente da Maestra, empresa de cabotagem controlada pela Triunfo Participações. De acordo com ele, as empresas brasileiras pagam PIS/Cofins de 9,25 por cento e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos Estados. "O setor quer isonomia no longo curso", afirmou.

Além disso, Rodrigues, da Mercosul Line, disse que o preço do bunker, fornecido pela Petrobras, segue os padrões internacionais. "Isso é um desafio, porque o combustível representa de 20 a 30 por cento do nosso custo operacional."

O presidente da Maestra afirmou ainda que o setor encontra dificuldades para crescer também porque a cabotagem requer navios de bandeira brasileira, e os atuais estaleiros estão mais focados na produção de embarcações para o setor de petróleo e gás do pré-sal brasileiro.

"Além disso, é preciso abrir novas escolas para a formação de mão de obra marítima", afirmou Real.

De acordo com a Antaq, o Ensino Profissional Marítimo (EPM) é de responsabilidade da Marinha, que está "tomando providências para aumentar significativamente o número de profissionais marítimos a cada ano".

terça-feira, 12 de junho de 2012

Enfim uma boa notícia, mas é bom tomar cuidado

Ótima a notícia que recebemos no artigo abaixo, publicado no site "Portos e Navios". O setor de petróleo vem realmente impulsionando o crescimento do país, e notadamente do estado do Rio de Janeiro.

E temos que ver tais notícias com otimismo, mas também com muito cuidado. Todos os números apresentados são uma projeção, ou seja, uma previsão de investimentos, que podem se concretizar ou não dentro do prazo estipulado, dependendo de uma série de fatores.

Um exemplo claro são os inúmeros atrasos que vimos constatando nas entregas de embarcações e plataformas, e que acabam por postergar a aplicação efetiva de recursos.

Não seria esse o motivo do aumento, ou é realmente capital novo entrando em nossa economia?

O artigo na íntegra:

Firjan: Rio terá investimentos de R$ 15,4 bi no setor naval

O setor naval e offshore do Rio de Janeiro terá R$ 15,4 bilhões em investimentos entre 2012 e 2014, um crescimento de 17% em relação ao triênio 2011-2013. O anúncio foi feito pelo presidente do Sistema FIRJAN, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, durante a abertura do II Balanço do Setor Naval e Offshore do Rio de Janeiro, evento promovido pelo Governo do Rio e entidades do setor ontem,terça-feira, dia 24, na sede da federação.

O número consta da nova edição do Decisão Rio, estudo do Sistema FIRJAN que calcula os investimentos no estado para cada período de três anos, a ser lançado em maio. Eduardo Eugenio antecipou também que, desses R$ 15,4 bilhões, R$ 6 bilhões se referem à construção de novos estaleiros, um aumento de 37% em relação ao período anterior. “E aqui não estão incluídos ainda as discussões sobre os investimentos em Inhaúma e também dos diversos estaleiros em Barra do Furado”, afirmou o presidente.

A previsão é de que sejam gerados 11 mil empregos na construção dos novos estaleiros e 16 mil na operação. “Hoje já temos 42% dos 60 mil empregos diretos no setor no Brasil, isso sem falar nos indiretos. Esse número vai crescer 60% nos próximos três anos”, calculou Eduardo Eugenio.

O presidente do Sistema FIRJAN lembrou o papel do SENAI do Rio na formação de mão de obra para cadeia naval e offshore. “Somos peça-chave na qualificação desses trabalhadores. O setor tem importância estratégica não só para o Rio, mas para o Brasil em termos de emprego, tamanho e uma cadeia produtiva gigantesca”, concluiu.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Quando as leis brasileiras chegarão e serão aplicadas no Porto de Suape?

Deu no "Jornal do Commercio": "Crescimento e conflito no Porto de Suape".
Que o porto de Suape é importante para o desenvolvimento da região Nordeste, e do estado de Pernambuco em particular, isso é claro. Mas que é um projeto mal elaborado, e principalmente mal executado, isso também é claro.
Aparentemente o projeto previu de forma muito pouco séria os conflitos trabalhista, sociais e ecológicos que ocorreriam com a implantação e desenvolvimento do complexo portuário.
Ecologistas afirmam que os ataques de tubarões nas praias de Recife se devem à destruição de manguezais, que eram sua área de caça inicial.
Em meados da década passada, este blogueiro acompanhou relativamente de perto os conflitos com os trabalhadores portuários avulsos, que exerciam as atividades de operação no porto, e contrariamente à legislação brasileira, foram substituídos em suas funções por trabalhadores mais baratos e não registrado, criando um conflito trabalhista e judicial que se arrasta até os dias de hoje.
Agora conflitos com posseiros, há anos estabelecidos no local, que são resolvidos de forma truculenta e totalmente inaceitável para os dias de hoje. E no mínimo podemos dizer que há a parcimônia de autoridades estaduais, quando não se coíbem a formação de verdadeira milícia para a implantação dos interesses da empresa que administra o complexo portuário.
Se milícias não podem agir em comunidades carentes do Rio de Janeiro, também não o podem em nome de grandes empresas. A situação piora se nos lembramos de que é uma empresa estrangeira. Agindo contra brasileiros.
Quando as leis brasileiras chegarão e serão aplicadas nessa área? Ou a região do porto foi desnacionalizada?
A matéria publicada no Jornal do Commercio:
Crescimento e conflito no Porto de Suape
Do alto, a pujança dos grandes empreendimentos. Em terra firme, os desafios sociais de um porto-cidade. São dois olhares sobre o Complexo de Suape que abriga, num mesmo território, 115 empresas e uma população de 25 mil moradores. A convivência improvável causa conflitos entre posseiros e a diretoria do porto. De um lado do front, o governo do Estado tem pressa em desapropriar as terras e conter a escalada das invasões. Do outro, os moradores se queixam dos baixos valores pagos pelas indenizações e da truculência no processo de retirada das casas.
Posseiros e representantes do Sindicato dos Vigilantes de Pernambuco denunciam que funcionários de Suape e da empresa de vigilância Servi San executam a derrubada de casas, portando arma de fogo. A diretoria do porto utiliza o serviço para demolir residências construídas sem a autorização de Suape por invasores ou por moradores nativos.
“A direção de Suape está atribuindo aos vigilantes um trabalho de jagunço. Não cabe a eles executar essas derrubadas. Isso é ilegal. Temos informação de que pelo menos 20 profissionais da Servi San foram demitidos porque se recusaram a cumprir ordens de demolição”, diz Luiz Carlos Barbosa, diretor do departamento jurídico do Sindicato dos Vigilantes. O assunto foi denunciado na Assembleia Legislativa do Estado, no último dia 18, durante audiência pública que discutiu condições de trabalho em Suape.
O advogado Eduardo Paurá, do escritório Matos, Paurá e Beltrão, explica que o trabalho dos vigilantes deveria ser apenas de apoio aos profissionais responsáveis pela demolição, como forma de garantir sua segurança e integridade. Barbosa complementa dizendo que os vigilantes não devem estar armados nesse acompanhamento das derrubadas. Contratado da Servi San há 4 anos, o vigilante Ivaldo José dos Santos, de 32 anos, conta que pediu demissão de Suape depois que foi deslocado para o trabalho de campo.
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“Fui escalado para demolir uma casa junto com outros seis colegas armados. Quando cheguei lá a residência era de um posseiro conhecido meu. Ele pediu pelo amor de Deus para não fazerem aquilo. Quando eu vi os tijolos no chão doeu dentro de mim. Meu pai é posseiro também. Nasci e me criei aqui nas terras de Suape. Foi nesse dia que pedi para sair”, lembra, dizendo que a Servi San o deslocou para trabalhar em outra empresa do porto. Com 23 anos de mercado, a empresa piauiense Servi San presta serviço a Suape desde 2009, com um efetivo de 160 vigilantes.
É o maior contrato da companhia no Estado. “Há 6 ou 8 meses recebemos a denúncia de que nossos vigilantes estavam atuando em ações de demolição. Procuramos a diretoria de Suape e esclarecemos que o contrato não previa esse procedimento. Somos uma empresa que segue à risca as leis da Polícia Federal e cumpridora das nossas obrigações. Quando o vigilante é contratado ele assina uma ordem de serviço detalhando quais são suas atribuições”, afirma o gerente da filial da empresa em Pernambuco, Genildo da Fonte Filho.
O gestor também assegura que não teve informação de que os vigilantes foram devolvidos por não cumprirem as ordens de derrubada das casas por Suape. “O que chegava pra gente é que ocorreram problemas de conduta”. O advogado Eduardo Paurá esclarece que apesar de não ser adequada a utilização dos serviços dos vigilantes nas demolições, Suape tem amparo legal para executar a derrubada das casas. O Código Civil prevê que nos casos de invasões ou má-fé dos posseiros, o proprietário das terras poderá realizar demolições a força, inclusive sem mandado judicial.
“Já nos casos em que houve processo na Justiça, com ordem de despejo e demolição, o mandado judicial será cumprido por Oficial de Justiça, com apoio da Polícia Militar, caso necessário”, diz. O advogado alerta para a necessidade de conter a “indústria da invasão” e evitar prejuízo aos cofres públicos com esses pagamentos. O presidente da Associação de Moradores do Engenho Serraria, José Luiz dos Santos, que pertence a 3ª geração de posseiros da família, conta que teve sua casa derrubada pela vigilância de Suape em janeiro deste ano. “Saí para trabalhar e quando voltei tinham demolido. Pedi a meu filho que fotografasse e filmasse a ação e ele foi ameaçado pelos funcionários de Suape, que tentaram tomar o celular”, conta.
Segundo o morador, os funcionários de Suape conhecidos como Costa (Amaro Rodrigues da Costa Filho) e Romero (Correia da Fonseca) andam armados dentro do porto e se dizem autoridade. “Eles coagem os moradores nativos, criando um clima de medo e insegurança”, completa. O relato de que existe uma “milícia armada” (termo usado pelos posseiros) em Suape foi denunciado ao Ministério Público Estadual, no dia 10 de fevereiro deste ano. Na Delegacia do Cabo de Santo Agostinho existem registros de dois boletins de ocorrência contra o funcionário Romero, que é policial civil. “Os nativos vivem com medo aqui em Suape”, diz o morador de Serraria José Romero.
No dia 18 de maio, o posseiro e sua esposa Vilma foram trabalhar e quando voltaram encontraram sua casa queimada, com todos os móveis, eletrodomésticos, roupas e documentos dentro. Os vizinhos, que não quiseram se identificar, disseram que viram a vigilância de Suape rondando a casa. A diretoria do porto afirmou desconhecer o caso. A posseira Raquel Minervino, do Engenho Algodoais, diz que evita sair de casa, com medo de uma incerta de Suape. Em processo de reintegração de posse, a agricultora seria despejada em fevereiro, mas a diretoria do porto admitiu rever o valor de sua indenização.
Suape tem uma extensão de 13,5 mil hectares, entre os municípios do Cabo e Ipojuca. A área foi comprada ao Incra no final dos anos 70 para a construção do porto. O acordo com os posseiros é desapropriar à medida que o governo necessite dos terrenos.