terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Combate a corrupção não pode destruir um país

A entrevista com o Procurador da República Eugênio Aragão é emblemática. Não que seja um primor jurídico, mas simplesmente porque mostra que aplicação cega de justiça não é justiça. A Lava-jato, em nome de um combate a corrupção vem causando muito mais prejuízos do que a corrupção que ela combate causou.

Os números dados por Aragão assombram. Mas é bom lembrar que a Lava-jato não é a única que vem causando prejuízos ao país. A sanha por poder, e por aplicar um projeto de país que sistematicamente foi recusado pelas urnas também tem grande parcela de culpa no que vem acontecendo. E é responsável por outros muitos bilhões de retração econômica, além da perda de competitividade, credibilidade e prejuízos transversos, o que aumenta bastante as contas conjugadas. Some-se a isso a conjuntura internacional, que até hoje não se recuperou da aventura neoliberal que explodiu em 2008, e você tem a crise brasileira.

Corrupção é migalha perto dos prejuízos que causaram, tanto a Lava-jato, quanto a irregular retirada de Dilma Roussef do Planalto.


Entrevista - Eugênio Aragão

"Essa garotada do MPF não tem a mínima noção de economia"

por Carlos Drummond  publicado 20/10/2016 05h23
O procurador e ex-ministro alerta para os efeitos destrutivos da Lava Jato na economia, inclusive em setores estratégicos
José Cruz/ABr
Eugênio Aragão
A Alemanha não acabaria com a Volkswagen por corrupção, mas o Brasil entrega ativos facilmente
O procurador da República Eugênio Aragão honra a sua categoria no mais alto nível cívico, técnico e acadêmico. É um dos poucos com conhecimento e vivência em assuntos econômicos, adquiridos na teoria e na prática no País e no mundo.
Ex-ministro da Justiça (de março de 2016 até o afastamento de Dilma) e professor do curso de Direito na Universidade de Brasília, graduou-se nessa instituição e é mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra.
Ao concluir o seu doutorado em Direito na Ruhr-Universität Bochum, da Alemanha, recebeu a distinção summa cum laude, a mais alta qualificação em uma titulação universitária. Nesta entrevista, fala da ignorância da maior parte dos procuradores federais em assuntos econômicos e suas consequências nefastas para o Brasil. 
CartaCapital: Qual é a sua familiaridade com economia?
Eugênio Aragão: Sempre li literatura de economia, desde estudante. Trabalhei no Instituto de Direito Internacional da Paz e dos Conflitos Armados em Bochum e um de meus campos de pesquisa eram os Estados falidos.
Trabalhei em reconstrução estatal no Timor-Leste, com o embaixador Sérgio Vieira de Mello, o que me faz pensar em termos econômicos o tempo todo. No MPF fui coordenador da 5ª Câmara, de defesa do patrimônio público, cuidando da cooperação com o governo federal em políticas públicas de eficiência da administração. 
CC: O senhor chamou a atenção, por diversas vezes, para os efeitos destrutivos da Lava Jato na economia, inclusive em setores estratégicos, e a falta de noção de muitos dos seus integrantes sobre o que é uma empresa e como funciona a economia.
EA: Quando alertei, em depoimento na Câmara dos Deputados, para os riscos à economia e ao País da inviabilização de inúmeras empresas pela Lava Jato, ouvi algo assustador de um representante monarquista: “Ah, isso é bobagem, mais importante é a gente acabar com esse cancro da sociedade, porque essas empresas depois se constituem em outras”.
Não é assim. A mão de obra que detém a tecnologia vai para o exterior na mesma hora, é capturada, não fica no Brasil. Para montar outra empresa com o mesmo ativo tecnológico, leva décadas. 
CC: Como vê especificamente o efeito negativo das ações da Lava Jato na economia? 
EA: O fato é o seguinte: a maioria das empresas envolvidas está sendo inabilitada para participar de concorrências públicas. Obras de infraestrutura só existem por meio de concorrência pública, não há de outro jeito. As grandes construtoras não são empresas que fazem Minha Casa Minha Vida.
Constroem viadutos, hidrelétricas, usinas, aeroportos. Se ficarem fora do mercado de concorrências públicas, elas quebram, pura e simplesmente. É ao que a Lava Jato está levando com a inabilitação das empreiteiras.
Além de desqualificá-las publicamente, com a prisão de sua liderança toda. Quem é que vai investir em uma empresa cuja liderança está na cadeia? Na situação atual desnecessariamente provocada pela Lava Jato, elas perdem investimentos, imagem no mercado, e tudo isso são ativos. 
CC: A Camargo Corrêa, uma das maiores, se desfez de ativos e pode vender o controle. O senhor conhece casos em outros países de suspensão durante anos de contratos de empresas com governos? 
EA: Não. Na Volkswagen alemã, houve escândalos enormes de distribuição de propina, inclusive com envolvimento do governador de Baden-Württemberg. A fabricante de aviões e helicópteros Messerschmitt-Bölkow-Blohm também está envolvida em distribuição de propina.
Os ministros e outras autoridades implicados caem, mas a empresa não é destruída. Ninguém vai acabar com empresas como a Messerschmitt-Bölkow-Blohm e a Volkswagen por causa disso. Aqui no Brasil, a gente entrega os nossos ativos com uma facilidade impressionante. Isso ocorre, principalmente, porque essa garotada do Ministério Público não tem a mínima noção de economia.
Não sabem como isso funciona. Simplesmente botaram na cabeça uma ideia falso-moralista de que o País tem de ser limpo. Corrupção existe em todas as partes do mundo. Não é um problema moral, é sobretudo um problema estrutural simples. 
CC: Quando há corrupção? 
EA: Quando os processos administrativos de decisão são engastalhados, bloqueados. Para desbloquear, a empresa distribui dinheiro. É assim que a coisa funciona no mundo inteiro. Por exemplo, se um empreendedor quer criar um frigorífico, em dois meses o constrói; mas para botar para funcionar, demora oito anos, porque são exigidas não sei quantas licenças.
Não é isso? Na hora em que ele diz: ‘Vou, então, molhar a mão dos fiscais para isso ir mais rápido’, do ponto de vista econômico, isso não é ruim não, porque significa que conseguirá mais rapidamente arrumar a empresa e entrar mais cedo como concorrente no mercado.
O que é ruim é aquela corrupção puramente predatória, no nível de um Saddam Hussein: não se importa comida no meu país sem passar um dinheirinho para a minha família. Isso é puramente predatório.
Mas a corrupção que, na verdade, serve como uma graxa na engrenagem da máquina, essa, do ponto de vista econômico, é tolerável. Veja bem, vamos pensar no seguinte: a Lava Jato gaba-se de ter devolvido ao País 2 bilhões de reais. E quantos bilhões a gente gastou para isso? Do ponto de vista econômico, essa conta não fecha. 
Aeroporto
A Odebrecht, 13ª maior empreiteira do mundo, construtora de terminais no aeroporto de Miami, pode fechar por causa da Lava Jato
CC: Algumas consultorias calculam em 120 bilhões de reais o prejuízo da Lava Jato à economia. Isso por baixo, porque há efeitos encadeados de longo prazo quase impossíveis de estimar. 
EA: Fora a perda de competitividade no mercado internacional, imensurável. Essa mania de o Ministério Público achar que resolve os problemas do País apontando um culpado, isso está superado. É claro que não significa que a pessoa física que fez a coisa errada vai se sair bem.
O Direito Penal tem de servir também para mandar sinais para a sociedade de que aquilo que é errado, a gente pune, o que é certo, premiamos. Há também um problema de proporcionalidade. Condenar um almirante como Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o pai da tecnologia nuclear no Brasil, a 43 anos de cadeia, mais do que os 39 de prisão de Suzane Richthofen, cúmplice do assassinato dos pais, é de uma falta de proporcionalidade gritante. 
CC: Seria preferível uma solução que não o impedisse de contribuir com o País.
EA: Se fosse por aí, Wernher von Braun teria sido levado ao pelotão de fuzilamento pelos americanos por crimes contra a humanidade e de guerra, e não para dirigir a Agência Espacial Americana, a Nasa. Bem ou mal, ele foi responsável pelas centenas de bombas jogadas em Londres e outras cidades inglesas, matando milhares de pessoas. Os países não funcionam assim como muitos procuradores imaginam, na base exclusivamente moral. 
CC: De onde vem a pena de 43 anos para o almirante? Qual é o diapasão? 
EA: Eu me lembro da dona da Daslu, Eliana Tranchesi, condenada pela Justiça Federal a 94 anos e meio de prisão, em 2009, por burlar o Fisco, entre outros crimes. Quando foi presa, estava com câncer e morreu três anos depois. Mostra outro absurdo. A mulher estava com uma doença terminal. 
CC: A obsessão moralizante, ao que parece, não é exclusiva da Lava Jato.
EA: O Ministério Público não tem noção das coisas. É uma completa falta de medida. Pegar bem, pega, na sociedade atual, uma pena tão elevada, mas o MP precisa atuar mais como bombeiro, para ver se a sociedade se reencontra.
CC: Como resolver o problema das empresas pegas em corrupção?
EA: Com um sistema de regras de compliance (regras da empresa para fazer cumprir as normas legais e regulamentos, políticas e diretrizes estabelecidas para os negócios e mecanismos para evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade) e modernização administrativa, que torna as coisas mais transparentes.
É isso que tem de ser feito, impedir a repetição do fato no futuro com um plano rigoroso para eliminação das práticas inidôneas, não matar nossas empresas por causa de fatos do passado. A multa não pode quebrar a empresa.
Pode-se aplicar multas revertidas em programas de compliance de melhoria dos processos de trabalho ou programas sociais e educativos, fazer acordos para elas assumirem certos investimentos do Estado. Isso não liquida as empresas, dá-lhes um selo de qualidade, muda a sua imagem e elas continuam funcionando. 
*Entrevista publicada originalmente na edição 923 de CartaCapital, com o título "Em voo cego"

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