A grande verdade é que o Sr. Sérgio Moro vem dividindo opiniões. Muita gente acha que presta um inestimável serviço à Nação, conduzindo a Lava-jato de forma dura e implacável, e colocando os ladrões do erário público na cadeia. Outro tanto pensa no juiz como um inapto a assumir a condução dos processos da Lava-jato, por ser tendencioso e por não respeitar as Leis e a Constituição durante os processos por ele conduzidos.
Talvez a verdade esteja no meio termo entre as duas vertentes.
A Lava-jato, assim como outras operações anticorrupção são importantíssimas para o país. Mas há que se levar em conta muita coisa que estão deixando de lado na condução das investigações, e mesmo dos processos. A distribuição arbitrária e desmedida de conduções coercitivas; a manutenção de prisões sem fundamento jurídico; exposição excessiva na mídia e ausência constante do país; entre outras, fazem com que muito do que vem sendo feito pelas operações e investigações se percam, e acabem por diminuir o alcance, a eficácia, e a própria credibilidade da Lava-jato, e de outras operações semelhantes.
A observação da Lei é um dos imperativos do Estado de Direito, e não pode ser negligenciada em nome de um objetivo, tendo como punição a perda desse mesmo objetivo.
Assim como também não podem ser negligenciadas algumas das características necessárias a um Juiz de Direito, agora sob pena de que este perca sua credibilidade.
É verdade que Moro, e aqueles que trabalham com ele, vêm prestando um grande serviço à Nação. Mas também é verdade que vêm cometendo excessos e parecem estar se perdendo em alguns momentos.
Melhor seria para todos, que se ativessem às normas da Lei, e cumprissem simplesmente com suas obrigações, sem exacerbar, ou sem buscar os holofotes.
O combate à corrupção deve ser um objetivo de toda e qualquer sociedade que viva sob o Estado de Direito, mas esse combate não pode pôr em risco o próprio Estado de Direito.
EUGÊNIO ARAGÃO
SAB, 04/02/2017 - 11:25
Por Eugênio José Guilherme de Aragão*
Li hoje que o Sr. Sérgio Moro, juiz federal de piso no Estado do Paraná, fez distribuir nota com um elogio público do sorteio do Ministro Edson Fachin para a relatoria dos feitos relacionados com a chamada "Operação Lava-Jato".
Eis o teor da nota, chocante pelo estilo burocrático e canhestro, indigno de um magistrado e surpreendente num professor com doutorado:
"Diante do sorteio do eminente Ministro Edson Fachin como Relator dos processos no Supremo Tribunal Federal da assim chamada Operação Lava Jato e diante de solicitações da imprensa para manifestação, tomo a liberdade, diante do contexto e com humildade, de expressar que o Ministro Edson Fachin é um jurista de elevada qualidade e, como magistrado, tem se destacado por sua atuação eficiente e independente. Curitiba, 02 de fevereiro de 2017. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal”.
O juiz de piso escreveu uma carta de recomendação. Como o destinatário declarado, o Ministro Fachin, dela não carece, conclui-se que o verdadeiro destinatário é o próprio Sérgio Moro. Tal impressão não é desfeita pelas referências às "solicitações da imprensa" ou ao autoproclamado caráter "humilde" da iniciativa, desculpas esfarrapadas para seu autor aparecer. Nem é preciso dizer que o juiz desconhece seu lugar. Inebriou-o a celebridade construída às custas da presunção de inocência dos seus arguidos e da demonstração pública de justiceirismo populista.
Com a simplicidade e sabedoria do sertanejo do Pajeú, meu pai, de saudosa memória, ensinou-me que não se elogia um superior na hierarquia funcional. Fazê-lo pode parecer sabujice ou soberba. Elogio se faz a subalterno ou, quando muito, a colega. Um elogio do Sr. Sérgio Moro ao Ministro Fachin nada acrescenta à condição dest'último, que é, ou não, um “jurista de elevada qualidade” independentemente da opinião do juiz singular, pois o Sr. Moro não é igual nem superior ao Ministro por ele elogiado.
Quanto às "solicitações da imprensa", melhor seria que o juiz singular não as tornasse públicas, pois se já é feio um juiz receber tais solicitações - tecer juízos sobre ministros do STF -, muito mais feia é a sua avidez em atendê-las. Um magistrado de piso não existe para julgar, para a mídia, os magistrados de instância superior. Ainda que lhe perguntem, não convém que responda. Suponhamos, só para argumentar, que o Sr. Moro considere o Ministro Fachin um desqualificado; será que "toma a liberdade" e dirá isso à imprensa? Claro que não, a não ser que seja doido varrido. Logo, dizer que o Ministro Fachin é qualificado sempre levantará a dúvida sobre a sinceridade do juízo, carente de alternativa assertiva. Por isso, dizem os antigos: em boca fechada não entra mosca!
Quanto à humildade, quem deve qualificar nossas atitudes como tais são os outros. Autoqualificá-las é, por excelência, uma auto-exaltação e, portanto, a negação da humildade.
Segundo disseminada sabedoria popular, conselho bom é para ser vendido, não dado. Mas este ofereço de graça ao Sr. Moro: fale menos e trabalhe mais discretamente. Fale nos autos. Evite notinhas. Não jogue para a platéia. Não faça má política, mas administre a boa e cabal justiça. Defenda a autonomia do Judiciário e não aceite ser pautado pela imprensa, que não o ama, apenas o usa e o descartará quando não for mais útil. Se não acreditar em mim, pergunte ao colega Luiz Francisco Fernandes de Souza, aquele procurador tão assíduo nas páginas de jornais durante o governo FHC, hoje relegado ao ostracismo de um parecerista em instância de apelação.
Um juiz não deve ser um pop star. Na esteira do velho Foucault, o Judiciário deve cultivar a timidez e o recato atribuídos pela revista VEJA à Sra. Marcela Temer. Isso vale a fortiori para a justiça penal. Seu objetivo pós-iluminista não é a exposição de um bife humano esquartejável em praça pública, mas a suposta “recuperação” do cidadão que cai em sua malha. No Brasil, mui distante da Noruega, isso é uma quimera, mas é também a meta, sem a qual nunca poderemos sonhar com a redução do elevado grau de criminalidade. O imputado exposto é um imputado destruído, sem nada a perder e, portanto, de difícil reacolhimento social, com ou sem culpa. Conduzido "de baraço e pregão pelas ruas da vila", exposto à execração pública no pelourinho, é mais provável que se considere injustiçado e não consiga ver legitimidade na atuação do seu juiz. Dê-se o respeito, Sr. Moro, para que todos possam respeitá-lo (e não apenas os membros do seu fã-clube, com a cachola detonada pelo ódio persecutório). Juízos ostensivos sobre magistrados de instâncias superiores não contribuem para tanto.
É bom lembrar, por último, ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que sobra tempo ao juiz Moro. Dedica-se o magistrado de piso a tertúlias com a imprensa, redação de notinhas, palestras no Brasil e no exterior, verdadeiras tournées de um artista buscando aplauso. Para tudo isso, recebeu, afora passagens e, quiçá, cachês ou diárias, o direito reconhecido pela corte regional, de funcionar, com exclusividade, nos processos da “Lava-Jato”, sem qualquer outra distribuição. Em outras palavras, nós contribuintes estamos pagando por esse exibicionismo, sem que sejamos compensados com serviço em monta equivalente. No mais, fere-se, com essa prática de privilégio, o princípio do juízo natural, ao dispensar-se, esse juiz, da distribuição geral da matéria de competência de seu ofício. O excesso de trabalho, com certeza, não é motivo crível para tratamento tão excepcional. Antes pelo contrário: como, a todo tempo, parece se confirmar, no seu caso, o aforismo “cabeça vazia é oficina do Diabo”, melhor seria devolver-lhe urgentemente a jurisdição plena por distribuição aleatória, para que se abstenha de notinhas tão degradantes para a magistratura.
* Ex-ministro da Justiça da Presidenta Dilma Rousseff, advogado e Professor Adjunto da Universidade de Brasília.
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