quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Ótima entrevista

A Lava-Jato poderia ter sido, mas não foi e não é. Entenda o porquê disso na entrevista abaixo.


“Verdades delirantes: a Lava Jato serve a uma minoria”, diz promotora de Justiça ao DCM


Lúcia Helena Barbosa de Oliveira

No último dia 10 de outubro, a Comissão de Direitos Humanos do Senado realizou audiência pública para debater o sistema de justiça brasileiro.
Uma das convidadas, a promotora de justiça Lúcia Helena Barbosa de Oliveira, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), criticou de forma contundente a Lava Jato e seus integrantes, apontando diversos abusos da operação.
A fala de Lúcia Helena viralizou (veja abaixo). “Se um juiz é fotografado conversando no ouvido do opositor político do seu réu ou se o juiz vai aos jornais, como o presidente do TRF-4 o fez, para fazer apreciação de valor da sentença que ele vai julgar dizendo que a sentença do Moro é irrepreensível, ele já é suspeito”, falou. 
O DCM conversou com Lúcia Helena Barbosa de Oliveira.
DCM – Em recente audiência pública no Senado sobre o sistema de justiça brasileiro e a busca de uma imparcialidade  nos julgamentos, você disse que as vendas que representam a Justiça cega não existem…
Lúcia Helena Barbosa de Oliveira – A Justiça enxerga muitíssimo bem quem são os amigos e quem são os inimigos. Blinda os amigos e persegue os inimigos.
Você também falou na audiência que estava perplexa com o tema, “imparcialidade do juiz”. Por quê?
Minha perplexidade foi em ter que falar de uma coisa que eu sei que não existe. Porque a gente sempre julga com as opções que faz na vida. Então, é impossível apreciar um fato sem considerar, por exemplo, que você é branco, homem, membro de uma oligarquia, ou que foi ligado ao PSDB, ou que você é muçulmano, cristão etc.
É impossível se desvencilhar disso tudo. A minha perplexidade é, então, falar de uma coisa que, como teórica do direito, não existe. Não existe uma neutralidade.
Como avalia o comportamento de alguns integrantes da Lava Jato?
Essa pergunta remete a temas diversos dentro do direito. Num primeiro ponto, vou me limitar a aspectos mais gerais: o acesso à Justiça e o julgamento por um juízo imparcial. Ambos são direitos constitucionais fundamentais do homem, do cidadão, abordados também em diversas convenções internacionais. O Brasil assinou uma delas e se submete à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Num outro ponto já é a própria consideração sobre esses dois direitos, considerados fundamentais, que interessa. Eu abordo isso a partir de três linhas: uma sociopolítica, uma jurídica e uma terceira psiquiátrico-psicanalítica, que influencia as outras duas.
Na primeira vertente, eu diria que – levando-se em conta a extrema desigualdade social, a disparidade entre o que ganha um juiz, ou um membro do MP, e o salário mínimo – esses direitos parecem mais formalidade. Esse suposto acesso à Justiça parece gerar classes mais desassistidas.
Os membros do Judiciário e do MP usam uma linguagem rebuscada, em que tudo parece distante, misterioso, kafkiano. A própria postura, em si, é de alguém que se impregnou de uma falsa meritocracia, de um falso conhecimento: “eu estou nesta posição porque sou melhor do que fulano, beltrano e, provavelmente, melhor do que a pessoa que está sob meu julgamento”. Isso começa a revelar problemas entre a pessoa que exerce poder e autoridade e a pessoa que vai buscar justiça e, no meu entender, sai carregando injustiça.
No meu entendimento, a justiça não mora com o juiz. Buscar justiça num juiz é uma ilusão, porque a justiça mora no centro do injustiçado. É o injustiçado que guarda o sentido de justiça. O juiz é legitimado para dizer o direito. Dizendo o direito, nem sempre se alcança a justiça.
E a segunda?
A segunda vertente nota em recentes decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos a formação da chamada doutrina da aparência, que trata de juízo imparcial. Segundo essa doutrina, o juiz não deve apenas ser imparcial, ele precisa parecer imparcial.
Então, tornam-se muito importantes e delicadas as aparições públicas de juízes e outros operadores do direito. As entrevistas que dão, as declarações a respeito de envolvidos nos processos e de casos levados a eles. A Corte Europeia de Direitos Humanos não tem jurisdição no Brasil, mas poderíamos dizer que ordens nacionais europeias já começam a absorver, integrar, em suas decisões essa doutrina da aparência, que poderíamos chamar de exceção de parcialidade.
O Transforma MP, Coletivo de membros do Ministério Público do qual faço parte, apresentou duas ideias para absorver a Teoria da Aparência: primeiramente, poderia se alargar o rol de situações de impedimento para a declaração de parcialidade do juiz, acrescentando a exceção de parcialidade às exceções de suspeição e de impedimento, já previstas no Brasil.
Por exemplo, o Tribunal Constitucional da Espanha, que está submetida à Corte Europeia, decidiu afastar um juiz porque ele deu uma declaração pública, rápida, em que ele nem apreciou os fatos, foi uma declaração lacônica, mas que o tribunal entendeu que o juiz, com isso, deixou de parecer imparcial, determinando seu afastamento do caso.
E a terceira vertente?
Na vertente psiquiátrico-psicanalítica, eu chamo a atenção para um estudo de 1950, do filósofo Theodor Adorno que, com outros pesquisadores, tenta encontrar que tipo de personalidade política há na sociedade americana, e acaba detectando o que chama de personalidade antidemocrática ou fascista. Isto em 1950, logo após a Segunda Guerra.
Esse filósofo alinha catorze pontos em que caberia dizer que a pessoa, operadora do direito, tem uma postura antidemocrática e/ou fascista.
Escrevi há pouco um artigo, onde coloco essa referência, e as pessoas poderão identificar ali o que está acontecendo hoje no Brasil.
Resumindo, observa-se um quadro de perturbação emocional, levando a uma perturbação mental, quando o operador do direito, diante de uma hipótese, transforma essa hipótese em uma verdade, certeza, que se converte em uma verdade delirante, para em seguida, verem qualquer coisa, qualquer fato serve, para confirmar a certeza delirante da qual partiu.

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/verdades-delirantes-a-lava-jato-serve-a-uma-minoria-diz-promotora-de-justica-ao-dcm/

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