É impressionante como as pessoas têm dificuldades de aceitar situações e tomar ações antes que o caldo entorne. Da mesma forma que em 2008, os sinais de problemas aparecem, mas quem tem o poder de tomar decisões parece ter medo de fazê-lo.
O problema é que a economia americana pode, agora, 10 anos depois, ter finalmente se recuperado da pancada que tomou no histórico 2008, mas o resto do mundo não. A Europa ainda patina, a América Latina regride, impulsionada por uma onda neoliberal e reacionária, que se não conquistou o poder nas urnas o fez por golpes de Estado disfarçados. O Oriente Médio é, mais do que nunca um enorme barril de pólvora pronto a explodir além de suas frágeis fronteiras.
O mundo não aguenta outra crise de proporções tão grandes.
Quatro trilhões de dólaressumiram das bolsas de
valores no mundo todo na última segunda. A queda do Dow Jones foi a
pior em seis anos. O índice que reúne as 100 principais empresas da
bolsa de Londres não via números tão ruins em dez meses. Mesmo a
resiliente Bovespa, que sobe até depois da nota de crédito do Brasil ser
rebaixada, caiu 2,5%. Nesta quinta-feira, nova porrada, com quedas
expressivas – chamadas de mini-crash – nas principais bolsas do mundo.
Em apenas dois pregões, a prática se mostrou muito diferente do que foi
dito no frio de Davos, duas semanas atrás, quando a elite financeira
mundial proclamou 2018 o ano do otimismo. Os mercados deram um sinal de que não é bem assim.
Como definir o que virá quando tudo virar de pernas pro ar? “Vai ser agonizante”, aposta Forester.
A queda é um indicativo do que parece cada vez mais inevitável,
estamos próximos de um crash nas bolsas mundiais, de proporções ainda
não mensuráveis. Na terça-feira, analistas passaram o dia tentando entender o derretimento dos mercados com seus humores confusos e não parecem ter chegado a conclusão nenhuma.
Há pelo menos dois anos, não só os pessimistas de sempre, mas também
os menos alarmistas como o gestor suíço Marc Faber e o americano Tom
Forester, alertam que uma nova crise vem aí. Michael Burry,
que adivinhou o estouro da bolha imobiliária americana em 2008 e é
interpretado por Christian Bale no filme “A Grande Aposta”, é outro.
Como definir o que virá quando tudo virar de pernas pro ar? “Vai ser agonizante”, aposta Forester.
Questionado sobre o que acontecerá, o mega investidor Jim
Rogers disse: “quando as coisas começam a ficar realmente ruins, as
pessoas vão ligar e dizer: ‘Você deve me salvar. É civilização
ocidental. Ele vai entrar em colapso’. E o banco central americano,
formado por burocratas e políticos, dirá: ‘Bem, é melhor fazer alguma
coisa’. E eles vão tentar, mas não vai funcionar dessa vez”.
Os profetas de bolhas
Há dois tipos de profetas das bolhas, os que, como um relógio
quebrado, apostam o tempo todo que as coisas vão piorar e acertam de vez
em quando e aqueles com menos previsões, mas um índice maior de
acertos. Todos os nomes citados acima estão no segundo grupo, mas, para
alegria de quem ganha dinheiro, os mercados evitam até agora armadilhas
como a crise das bolsas chinesas de 2015-2016, mantendo a alta. O problema está em como isso vem se sustentando.
É como dopar um camundongo. É lógico que ele vai correr mais rápido, mas uma hora o coração explode.
Desde a quebra do banco americano Lehman Brothers, em 2008, com todo o
sistema em perigo, os governos de George W. Bush e Barack Obama e
também de outros países injetaram 9 trilhões de dólares de dinheiro público na economia mundial,
assumindo os riscos do sistema bancário enquanto os bancos centrais em
toda parte jogavam as taxas de juros no chão. Deu certo – dinheiro
barato e sem risco, como não? Os Estados Unidos saíram do coma em 2009. A
recuperação foi lenta, mas chegou.
O mercado? O índice Dow Jones mais que dobrou.
Nasdaq subiu 50% só nos últimos três anos. Quando a bolha imobiliária
estourou, Netflix, Spotify, AirBnb e Uber (pode botar nesse grupo o
Facebook) sequer existiam ou eram empresas das quais quase ninguém tinha
ouvido falar, mas contaram com o dinheiro fácil e juros baixos para
crescer. Alphabet (dona do Google), Apple, Microsoft e Amazon se
tornaram as empresas mais valiosas da história.
Enquanto isso, os juros continuam baixos e notícias como o corte de impostos, aprovado em dezembro por Donald Trump, além de beneficiar os mais ricos, dobram a aposta do estímulo para as empresas. Nessa turma não tem ninguém defendendo disciplina. Em Davos, o FMI elogiou a renúncia fiscal,
assim como o organizador do Fórum, Klaus Schwab, alegando que ela vai
impulsionar a economia mundial. E não importa quanta bobagem Trump faça
na Casa Branca ou diga no Twitter: as bolsas sobem forte desde sua
posse.
Brasileiros conhecem bem essa situação.
As economias crescem e a alta das bolsas do mundo todo – a exemplo
dos últimos PIBs da ex-presidente Dilma Rousseff – são sustentadas no
dinheiro farto e numa taxa de juros ultra baixa, e não numa boa gestão. É
como dopar um camundongo. É lógico que ele vai correr mais rápido, mas
uma hora o coração explode. Mesmo assim, tudo o que políticos e
investidores não querem é parar com o doping.
Sobe, desce, sobe, despenca
Então começam as instabilidades. Em 2006, eu era um dos milhares de
pequenos investidores que surfavam com as poucas economias que tinham na
bolha das commodities. A Bovespa não parava de subir. Lá pela metade do
ano, começaram do nada uns pregões muito tensos e isso esmigalhava os
nervos de todo mundo. Os fóruns de discussões enlouqueciam. Abundavam as
teses, mas ninguém tinha respostas pra nada. Aí o frisson passava e
parecia que tudo voltava ao normal, como foi o caso do começo dessa
semana. A Bovespa recuperou na terça quase tudo o que perdeu na segunda.
Olhando para trás, foram os primeiros sinais de que algo que todo
mundo tentava ignorar – uma bolha imobiliária nos Estados Unidos – não
era brincadeira. Vinha nova alta, tudo era mais ou menos esquecido,
então a próxima queda era mais forte. Quando ficou claro que a bolha
estourou, o mundo inteiro estava em ponto de pânico.
É assim que funciona
Robert Schiller, professor da Universidade de Yale e ganhador do
prêmio Nobel de Economia, estudou a “segunda-feira negra” de outubro de
1987, quando a bolsa americana caiu 20% em um dia. Milhares de
questionários foram enviados a investidores dias depois do pânico
perguntando a eles o que aconteceu.
Basicamente, como agora, a economia não passava confiança e se espalhou a certeza de que uma hora a bolsa ia cair. Na hora certa, todo mundo saiu correndo. Schiller acha que por enquanto a bolha é pequena, mas tem alertado sem parar que o risco se compara ao de 1929, quando a bolsa quebrou.
O problema de adivinhar quando uma bolha estoura é que – como a bolha de sabão – as financeiras nem sempre se comportam como deveriam. Mas nada nos impede de especular (é o que se faz nas bolsas, afinal). Os cálculos vão de uma queda de 18%, considerada normal, à previsão de que as ações vão perder metade ou mesmo 80%
do valor. E há as catástrofes limítrofes do caos, como um crash igual
ao da segunda-feira negra de Schiller até a quebra da bolsa como em
1929.
Não deve chegar a tanto, hoje o mercado é muito mais regulado. Mas,
olhando o tamanho das quedas dessa semana, um recuo de 50% basta para
evaporar mais de 40 trilhões de dólares e jogar o mundo inteiro no caos.
Por enquanto, apenas confetes
Em Davos, com uma ou outra voz discordante, não teve discurso para
alertar que as economias estão indefesas. Enquanto se joga confete, as
taxas de juros estão no chão e numa nova crise não haverá onde cortar.
No caso do Brasil, em 2008, quando o efeito do estouro da bolha
imobiliária chegou aqui, a dívida pública era de 53% do PIB. Lula entrou
gastando e a crise recuou. Esse ano, chegará a quase 75% e subindo…
Aqui e lá fora os mercados sabem de tudo, mas jogam com o medo
alheio. A explicação oficial é que os países ainda estão frágeis para se
cortar os estímulos, e há certa razão nisso. Com os bancos centrais
enfronhados nas economias, a hora de sair é uma aposta incerta. E, se
algo der errado, a economia americana hoje tem no comando pessoas que ninguém sabe se são capazes para enfrentar crises.
Um recuo de 50% basta para evaporar mais de 40 trilhões de dólares e jogar o mundo inteiro no caos.
Mas agora, pelo menos nos Estados Unidos, o mercado vê o Fed, o BC local, obrigado a agir. Pela primeira vez em dez anos os salários aumentaram. Boa notícia. Até pouco tempo a recuperação não tinha tocado na desigualdade americana.
O país já vive o pleno emprego, fazendo as empresas precisarem pagar
mais para contratar e permitindo que as pessoas possam ir para vagas
melhores.
Com salários mais altos, mais dinheiro circula, o consumo aumenta e
vem a inflação. O processo natural é aumentar a taxa de juros e conter o
crescimento agora, mas evitar a crise pior depois, o que Dilma não fez e
olha onde viemos parar. Desde 2015, o Fed aumenta os juros americanos,
mas devagar, para não atrapalhar a economia. O previsto é que os EUA vão
crescer 1,5% ao ano nos próximos dez anos. A metade do que é hoje.
Os últimos dados indicam que, com salários maiores, o processo deve
se acelerar, o que aumentará o rendimento dos títulos do governo
americano, cotado pela taxa de juros, roubando dinheiro do mercado de
ações.
Em geral, é o fim da festa nas bolsas e a razão por que vamos ver muitos dias de ânimos sensíveis. Segurem-se nas poltronas.
O Economista Nelson Marconi seria o homem forte da economia de Ciro Gomes, e o que ele diz é difícil para muito entenderem, ainda mais em tempos onde, há tempos, a propaganda é de que o Estado deve desaparecer.
Pois bem, o que ele diz é que o Estado não pode desaparecer, por dois motivos principais. Primeiro porque a iniciativa privada não irá jamais proporcionar o bem-estar de uma população, porque ela não existe para isso, mas para o contrário, ou seja, proporcionar o bem-estar dos donos do capital, e apenas deles. Qualquer outro bem-estar proporcionado é efeito colateral, não algo desejado e intencional.
O segundo motivo é que não existe empresa de alta tecnologia no mundo que não patrocinada direta ou indiretamente por governos. As Americanas absorvem bilhões e bilhões de dólares dos contribuintes americanos a pretexto de pesquisas para o complexo militar-medicinal. As europeias, sempre têm participações importantes de seus governos como acionistas, ou são incentivadas de forma parecida com as americanas. Na Rússia, no Japão, na China é o mesmo.
Mercado consumidor robusto e tecnologia para participar como player global. Qualquer Estado que abra mão dessas duas coisas se conforma em ser neocolônia.
Economista Nelson Marconi afirma que plano é fortalecer indústria para exportar
Alexa Salomão
SÃO PAULO
Tendo ao seu lado Roberto Mangabeira Unger e Mauro Benevides Filho, o economista Nelson Marconi foi oficialmente anunciado como responsável pela coordenação do programa de campanha de Ciro Gomes, pré-candidato à presidência pelo PDT.
Marconi é, "sem medo de ser feliz", desenvolvimentista. Acredita que o Estado deve atuar na economia e que a produção industrial e o consumo geram crescimento.
Nelson Marconi, professor de economia da FGV - Reinaldo Canato / Folhapress
Tem restrições a privatizações em setores que considera estratégicos, como energia. Não venderia a Eletrobras e pode rever o marco do setor petróleo. Mas diz que as reformas são essenciais e que não há divisão entre Estado e mercado: "eles são complementares", afirma.
Folha - Como ocorreu a aproximação com Ciro Gomes?
Nelson Marconi - Começou há uns dois anos, na Fundação Getulio Vargas, num seminário sobre novo desenvolvimentismo. Eu sou um desenvolvimentista sem medo de ser feliz. Nós convidamos, Ciro veio e gostou. Mas ficamos próximos no final do ano passado quando achei que ele seria um bom candidato. Organizei reuniões em casa com 30, 40 pessoas para falarem as suas ideias para ele.
Quem participava?
Acadêmicos da FGV, UFRJ, da UnB, USP, PUC. Alguns empresários, gente do mercado financeiro –e não me pergunte os nomes. Me comprometi a não citar ninguém.
O plano de governo já teria alguma direção?
Temos um princípio geral importante: não existe divisão entre Estado e mercado. Eles são complementares. Nos últimos anos, o mercado foi negligenciado. Não pode isso, porque é ele que traz soluções de eficiência. Mas também não podemos agora ir para o extremo oposto.
No que se refere as medidas, o programa está em um estágio inicial, mas posso adiantar algumas coisas que eu pessoalmente tenho em vista. Primeiro, é preciso desenvolver a indústria e dos serviços que fazem parte desse setor, como design, engenharia, automação e boa parte da pesquisa que gera inovação.
Para muitos economistas, Dilma Rousseff errou ao ampliar subsídios e fazer nacionalização artificial de algumas áreas para fortalecer a indústria. Vocês vão nessa linha?
Não, é diferente. Dilma cometeu muitos erros. Ciro e eu já discutimos isso. Temos de defender o interesse da empresa nacional, mas isso não significa não ter empresa internacional aqui ou fechar o mercado. Significa defender a participação do Brasil no mercado externo, promovendo a exportação de industrializados. A prioridade é a indústria 4.0. Aí a associação entre capital privado, via venture capital, universidades e institutos de pesquisa, é fundamental.
Qual a posição em relação a privatizações?
Entendemos que existem setores estratégicos –energia elétrica, petróleo– que não podem ser privatizados. No que se refere a concessões, ora, por favor: é ótimo privatizar estradas, aeroportos.
Mas energia é a área que mais atrai investimentos privados hoje, especialmente chinês.
Pois então, como é que vamos dar uma usina hidrelétrica para um estrangeiro? E se tivermos um problema de fornecimento? Vamos ter de negociar com os chineses? Empresas chinesas são financiadas pelo governo chinês. Não tem muita lógica entregar uma riqueza nacional para ser gerenciada por empresas ligada a um governo estrangeiro.
Então, no programa não haveria privatização da Eletrobras?
Até podemos conversar sobre a vende projetos menores na área, mas a Eletrobras, não.
As regras no setor de petróleo foram alteradas para uma maior participação de empresas privadas. Vocês manteriam a mudança ou iriam rever?
Esse setor gera muita pesquisa e inovação para o resto da economia. A gente entende que o país tem uma reserva importante, o pré-sal. Não faz sentido vender petróleo por um preço muito menor do que a receita que ele vai gerar no futuro, como vimos acontecer recentemente. Acho complicado um modelo que leve a esse tipo de abertura.
Mudariam as regras outra vez?
Isso não está fechado, mas vamos avaliar, sim.
As reformas são consideradas prioridades para muitos pré-candidatos. E para vocês?
Isso sim! Somos a favor de todas: fiscal, da Previdência, tributária. A tributária é uma prioridade. Bernard Appy [economista especializado em tributação] tem uma proposta muito interessante e estamos olhando. Mas avaliamos também mexer na tributação sobre herança, sobre lucros e dividendo –desde que não haja bitributação. Enfim, passar o ônus mais para a renda do que para a produção.
O senhor era crítico da reforma da Previdência que vinha sendo feita. Qual seria a proposta de vocês?
Como o próprio Ciro já falou, ter uma idade mínima é importante. Uma ideia que estamos amadurecendo é ampliar o regime de capitalização [o beneficiário é responsável por fazer sua poupança].
Já discutiram a questão da segurança?
Esse tema é central. Nós já vínhamos preocupados com a questão antes da intervenção no Rio. Melhorar a segurança passa necessariamente por uma política de combate ao tráfico de drogas e investimentos em inteligência.
E na educação?
O Ciro tem uma experiência muito boa no Ceará, em especial na educação básica, que tem hoje os melhores indicadores de educação do país. Temos a preocupação de conseguir replicar essa experiência em todo o Brasil. Ampliar a experiência de Sobral.
Qual a posição em relação ao Bolsa Família?
O nosso ideal seria ter um programa social que atingisse todos até uma determinada faixa de renda, como um salário mínimo, mas do ponto de vista fiscal, a gente não sabe se isso é possível.
Para muitos economistas, a prioridade é resolver o déficit fiscal porque ele está pressionando a dívida. Como o senhor vê a questão?
De imediato, precisa mexer nos privilégios do setor público, fazer um pente fino para tornar o Estado eficiente. Olhar para os muitos subsídios que estão aí, custam bilhões, e avaliar quais devem ser mantidos. A questão fiscal é importantíssima para mim e para o Ciro. Ele nunca governou com déficit. É experiente. É o melhor candidato –mas eu sou suspeito para falar.
Muitos dizem que ele é uma pessoa difícil?
Ciro é absurdamente capacitado e inteligente. Tem visão de país e um projeto para o Brasil. Mas tem um estilo político próprio. Fala forte. Mas o Brasil está passando por uma fase que precisa disso mesmo, de coragem para mudar. E ele é um cara corajoso.
As similitudes entre o plano implantado na Alemanha (e que hoje já mostra sinais de essgotamento), e esse idealizado pelos golpistas, é muito nítido. Redução e adequação de direitos sociais, flexibilização e adequação das leis trabalhistas (sem reduzir direitos), adequação e melhorias dos auxílios dados pelo governo ao treinamento e busca de postos de trabaho, etc. Certamente produziu alguns avanços, numa economia que detinha alta tecnologia, que se encontrava de certa forma asfixiada, que tinha margem para permitir um "arrocho", numa economia que apresentava estagnação, mas com fartura.
Não conheço outra nação onde esse receituãrio tenha dado certo. Na Inglaterra e EUA isso criou pobreza e trouxe a tona problemas que já não tinham há muitos anos. A França agora tentará reformas que fiquem entre o excesso de zelo do Estado, sem criar problemas à parte mais frágil da equação social. Nos países em desenvolvimento tivemos concentração absurda de renda, aumento da pobreza, e acirramento das tensões sociais.
O Brasil, ainda que em muitos aspectos pareça-se com nações avançadas, na verdade se posiciona entre as atrasadas (ou como se convencionou modernamente, em desenvolvimento). Mas o Brasil é singular. Em determinadas áreas possui expertise de ponta, ao mesmo tempo que se complica em setores como o agronegócio, onde é líder mundial, mas necessita da expertise de outros.
O golpe de 2016 trouxe um elemento novo a esse tabuleiro brasileiro, que é a entrega da pouca expertrise que domina a capitais estrangeiros, e das idem para as poucas vantagens competitivas que mantinha.
A curto e médio prazo o resultado disso pode ser visto nas ruas, com o aumento da criminalidade, desemprego, informalidade, expetativas da população etc. A longo prazo pode gerar a destruição da própria elite tacanha do país, que não consegue enchergar que toma veneno. Talvez doce, mas veneno.
O Brasil não é a Alemanha para ter esse receituário aplicado em sua política econômico-social. Nosso bolo já cresceu (e muito), mas é absurdamente mal repartido. temos agora que reparti-lo, consolidar a retirada de milhões de pessoas da miséria. Isso não se faz pela iniciativa privada solta. Por princípio ela existe para concentrar renda, não reparti-la. Quem promove essa repartição é o Estado, através de suas políticas econômico-sociais de renda, saúde, educação, precisamos reduzir drasticamente a violência que oprime as classes médias e operárias e constrange empresas, consolidar e universalizar essas conquistas, fazendo delas avanços.
Enquanto fazemos isso, pensamos nos próximos passos, e depois decidimos de novo o que devemos fazer.
‘Plano Hartz foi o pilar de uma ampla reforma na Alemanha’
JAMIL CHADE - CORRESPONDENTE - O ESTADO DE S.PAULO
26 Setembro 2016 | 05h00
Segundo economista, ele não foi uma só lei, mas uma estratégia completa para lidar com as leis sociais alemãs
GENEBRA - Eficiência do Estado e incentivos corretos para que a população possa encontrar empregos sem que seja abandonada por garantias sociais. Essa foi a receita do Plano Hartz que, há pouco mais de uma década, mudaria o sistema trabalhista da Alemanha. Vivendo uma de suas piores crises no fim dos anos 90, o país europeu passou a ser considerada como a “Velha Senhora Doente” do continente. A resposta veio em uma ampla reforma de sua economia, que incluiu mudanças nas regras trabalhistas. Hoje, a Alemanha tem uma das menores taxas de desemprego do mundo.
Ao Estado, o alemão Daniel Samaan, economista sênior da Organização Internacional do Trabalho (OIT), avaliou o impacto do Plano Hartz. Ainda que admita que dificilmente o modelo possa ser simplesmente replicado em outra economia, ele aponta que a “eficiência do Estado é algo que precisa ser olhado sempre”. Além disso, ter a “estrutura correta de incentivos estabelecida” também pode ser decisivo. A seguir, principais trechos da entrevista.
Como foi construído o Plano Hartz?
Foi um pacote enorme. Não foi uma só lei. Mas uma estratégia completa de lidar com as leis sociais da Alemanha. Outra coisa que precisa ser entendida é que, enquanto o Plano Hartz era debatido, o ex-chanceler Gerhard Schroeder, também levava adiante seu plano Agenda 2010 para a Alemanha. Isso incluía reformas nos planos de saúde, na aposentadoria, nos seguros. Tudo foi uma grande transformação e o Plano Hartz foi, no fundo, o pilar trabalhista dessa mudança no país. Mais tarde, quando olhamos os impactos dessa lei, temos de levar em conta esse contexto maior. Muita coisa mudou ao mesmo tempo.
E como isso foi aprovado?
O Plano Hartz foi dividido em quatro pilares. Cada trecho deles foi aprovado no Parlamento em diferentes projetos de lei. A reforma era tão grande que foram necessárias quatro leis separadas. Isso tudo começou em 2002 e a cada tantos meses foram aprovados o Hartz 1, Hartz 2, Hartz 3 e, finalmente, o Hartz 4.
Quais foram as principais mudanças?
No primeiro pilar, a lei tratava de padrões trabalhistas não convencionais. Isso significa contratos não permanentes, trabalhadores de curto prazo, empregados que eram contratados por agências e terceirizados para empresas. O que ocorreu é que a lei passou a permitir que esses contratos fossem simplificados. Antes, a lei era muito estrita. Se você quisesse empregar uma pessoa, teria basicamente de ser um contrato permanente. Isso foi facilitado e os contratos temporários foram acelerados. Mas, ao mesmo tempo, ficou estabelecido que os contratados teriam remuneração igual à dos empregados permanentes e teriam o mesmo tratamento dentro da empresa. Os mesmos salários e os mesmos benefícios teriam de ser dados. Outro aspecto importante dessa primeira fase é que ficou claro que empregadores, sindicatos e o governo trabalharam juntos para chegar a um acordo.
E como essa coordenação teve um impacto positivo?
Ela evitou, por exemplo, que os empresários usassem a lei para substituir trabalhadores permanentes por trabalhadores temporários, com salários mais baixos e sem benefícios sociais. Peter Hartz, que dá o nome ao plano, veio do setor privado – da Volkswagen – e liderou a comissão que avaliou a reforma. Mas havia uma comissão inteira, com as grandes empresas e sindicatos. Além disso, ele teve seu passado relacionado com sindicatos. O que garantiu o resultado foi o diálogo social.˜
E como esse diálogo social foi aplicado?
O segundo Plano Hartz lidou com o que chamamos de “miniempregos”. Esses são os empregos para pessoas que trabalham menos de 15 horas por semana. Estudantes, aposentados ou alguém em busca de uma renda extra. Como o sistema de proteção social na Alemanha era muito oneroso, toda vez que contratasse alguém a empresa era obrigada a fazer contribuições importantes ao sistema. Em muitos casos, a empresa chegava à conclusão de que não valia a pena economicamente contratar alguém nessas condições. O Plano Hartz 2 encarou essa realidade, dando mais viabilidade para esses empregos e é prova desse diálogo social capaz de rever as regras.
Considera-se que o papel do Estado e pagamentos de seguros-desemprego também passaram por mudanças profundas. Como ocorreu isso?
Sim, esse foi o Hartz 3. A ideia básica foi a criação de uma agência federal de contratação de funcionários e algumas no nível comunitário. Antes, quem buscava um emprego teria de lidar com diferentes agências. Essa estrutura também foi simplificada. Mas, acima de tudo, o sistema de contratação teve de se tornar também mais eficiente. Hoje, essa agência é quem registra o desempregado e o ajuda a procurar um trabalho. Esse sistema é muito mais eficiente. Antes, uma pessoa desempregada recebia seguro-desemprego de uma agência e treinamento de outra. Para completar, havia uma terceira agência que colocava a pessoa em contato com um futuro empregador. Descobrimos que ajudar as pessoas a achar emprego de forma eficiente é algo que pode contribuir muito para o mercado de trabalho.
Mas também houve contestação em relação aos cortes dos benefícios para desempregados.
Esse foi o foco da Hartz 4, certamente a parte mais problemática da aprovação de todo o plano. O principal impacto dessa aprovação foi reunir em um só pagamento os diferentes benefícios que as pessoas recebiam. Antes, existiam diferentes tipos de seguro-desemprego. Ao final, não era fácil determinar se uma pessoa precisava de todo aquele dinheiro, já que os critérios eram diferentes. Isso foi simplificado. Mas o período em que uma pessoa passou a receber o seguro também foi encurtado. A lei anterior previa que, por até 24 meses, uma pessoa receberia seguros bastante generosos. Hoje, isso foi reduzido para 12 meses. Pode-se dizer que os benefícios continuam a ser relativamente adequados. Mas, depois disso, os valores são significativamente reduzidos se você não voltar ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, as exigências para que essas pessoas recebam esses benefícios ficaram mais rígidas.
Quais são as novas exigências?
O desempregado precisa provar que está efetivamente procurando trabalho e reportar isso à agência. Outra mudança é a consideração de seu patrimônio. Antes, a lei não previa uma análise de qual era o patrimônio do desempregado. Apenas o prazo que ela estava sem trabalho. Agora, após os 12 meses iniciais, esse corte pode ser mais profundo se ficar provado que sua situação econômica é confortável. Essa parte do plano colocou pressão sobre o desemprego de longo prazo.
Com tudo isso implementado, qual foi o impacto da reforma?
A meu ver, o pacote completo teve um efeito positivo. Não foi um impacto mágico responsável por mudar tudo da noite para o dia. Existem riscos e pode empobrecer uma parte da população. Mas, para um país que tinha um sistema de proteção social inflado, foi correto investigar quem estava de fato usando o sistema por falta de alternativa. A reforma não foi perfeita. Mas foi o remédio certo para a situação que a Alemanha enfrentava. Isso não quer dizer que não haja um debate. A maioria dos economistas e empresas pensa que a Alemanha se beneficiou muito da reforma. Mas uma parte importante da população acredita que o Hartz 4, com cortes de benefícios, resultou em uma pauperização dos mais vulneráveis, marginalizando aqueles que não tinham capacidade de se reciclar por meio de treinamento. Mas, claro, temos também de lembrar que no fim dos anos 90, a situação do desemprego era muito complicada e hoje vemos o oposto na situação do mercado de trabalho.
É clara a relação entre o bom momento da Alemanha hoje e o Plano Hartz
É difícil ver o plano como o único responsável. A demografia do país mudou e o mercado de trabalho hoje é muito favorável a taxas baixas de desemprego. A população alemã está ficando mais velha e há um número menor de jovens entrando no mercado de trabalho. Portanto, mesmo se nada fosse feito, a estimativa é de que a taxa de desemprego teria caído. Mas, ao mesmo tempo, o setor exportador da Alemanha está tendo um ótimo desempenho, por fatores que não estiveram sob o controle do governo alemão. Um exemplo é a quantidade de exportações do país para China e Índia. O impacto positivo ocorreu. Mas precisa ser colocado em um contexto.
O que dizem as avaliações econômicas sobre os resultados?
São resultados mistos. Um estudo olhou para o Plano Hartz 3 e 4 e estimou que dois terços do impacto da reforma vêm da maior eficiência das agências do Estado. Outros estudos apontam que, desde 2000, o desemprego de longo prazo caiu. Mas não da forma que se esperava. Nos últimos cinco anos, as estimativas são de que o plano já não consegue reduzir o desemprego de longo prazo. De certa forma, o governo achava que bastava pedir às pessoas que se esforçassem em buscar trabalho e seria suficiente para que o encontrassem. Hoje, na Alemanha, o desemprego de longo prazo continua sendo o problema.
De que forma o Plano Hartz influenciou o debate europeu diante da crise de 2009?
Ele foi amplamente discutido na Europa. Mas ficou claro que foi construído para atender à situação da Alemanha. Não se pode apenas importá-lo. Em Portugal, Espanha e Grécia houve debates sobre o uso do Hartz 4. Os benefícios sociais na Alemanha são muito generosos e a saúde continua sendo coberta, o que não ocorre com os países do sul da Europa. Não se pode simplesmente transplantar o Plano Hartz a lugares onde as pessoas têm bem menos benefícios. Na Alemanha, parte do problema era que havia empregos, mas não se conseguia encontrar as pessoas certas.
Existe alguma lição que países emergentes, como o Brasil, podem tirar do Plano Hartz?
Numa reforma como essa, há elementos que merecem ser considerados. Eficiência do Estado é algo que precisa ser olhado, além da estrutura correta de incentivos. Na Alemanha, dizemos que o Estado precisa ajudar, mas também pressionar os desempregados. O que o plano não tem resposta é para o trabalho informal. No Brasil, há uma alta taxa de emprego informal. Isso você não vai resolver com um Plano Hartz. Esse modelo é para os que já estão no sistema.
Excelente entrevista com o professor de Comunicação Wilson Ferreira. Nela são abordados temas que vão desde a campanha midiática que apoiou o impeachment, passando por controle de outras nações, cultura, respostas e até mesmo sobre o desfile da Tuiuti. Vale a pena ver e entender.
Muito interessante o artigo abaixo, escrito por Manuela D'Ávila. Vejam bem, a questão transcende a venda da Embraer, embora ela seja absolutamente inaceitável. Nenhum governo sério do mundo permitiria que uma empresa de altíssima tecnologia, e estratégica para o desenvolvimento da nação, fosse vendida para uma potência estrangeira, e essa era a ideia das chamadas golden share, quando da também absurda privatização que a empresa sofreu nos anos 90.
Mas até aí a coisa vai. Mas se você ler o artigo todo, a disputa inicial é entre uma empresa canadense, a Bombardier, e uma americana, a Boeing. O que fazem os governos americanos, canadense e britânico metidos na disputa. Denúncias de subsídios de um lado, ameaças de sobretaxar as importações de outro, mas o discurso desses 3 governos é o do livre comércio, da livre iniciativa, e do neoliberalismo. Como explicam então tantas intromissões de seus governos em negócios privados?
Enquanto isso o governo usurpador entrega a Embraer, incluindo seus segredos tecnológicos, de mão beijada para uma empresa estratégica no complexo de ataque dos EUA. E o representante dos bancos ainda diz que quer acabar com as golden share do governo brasileiro, para evitar qualquer chance de alguém no futuro barrar qualquer tipo de uso da Embraer contra o Brasil.
Dizer que os países desenvolvidos deixam o mercado agir livremente não passa de uma mentira mal-intencionada
MANUELA D’ÁVILA
O jornal britânico "The Guardian" trouxe em
janeiro reportagem sobre uma queda de braço entre os Estados Unidos e o
Canadá a respeito da importação de aeronaves. De um lado, estava a
norte-americana Boeing. Do outro, a canadense Bombardier.
A Boeing acusou a Bombardier de vender jatos abaixo do preço de custo
para a companhia norte-americana Delta Airlines e disse que o dumping
teria sido financiado por subsídios ilegais dos governos do Canadá e do
Reino Unido (este último esta interessado no tema porque uma das
principais fábricas da Bombardier fica na Irlanda do Norte).
Por conta disso, o presidente dos EUA, Donald Trump, chegou a ameaçar subir os impostos de importação da Bombardier em 292%.
A deputada estadual Manuela D'Ávila (PC do B-RS), pré-candidata à Presidência da República
- Folhapress
No dia 25, no entanto, a Comissão de Comércio Internacional dos
EUA votou por unanimidade em favor da companhia canadense, o que deve
salvar milhares de empregos na Irlanda do Norte.
O que eu pretendo realçar não diz respeito a essa disputa em si, por
mais que seja instigante dada a importância econômica e geopolítica da
fabricação de aviões.
Chamo a atenção para um fato que pode ter passado despercebido por
aqui: os protagonistas da contenda não foram os presidentes das
empresas, nem seus respectivos departamentos jurídicos, mas os
principais líderes políticos dos três países envolvidos. A luta entre
Boeing e Bombardier foi, na verdade, uma importante queda de braço entre
Theresa May e Justin Trudeau, de um lado, e Trump, de outro.
Foram eles que usaram sua força para pressionar a Comissão de
Comércio Internacional dos EUA em favor dos interesses de seus
respectivos países.
A história começou quando Trump, preocupado com o avanço da empresa
canadense sobre o mercado da Boeing, decidiu estabelecer taxas que
preservassem o mercado americano para a empresa de seu país,
dificultando a entrada de aeronaves fabricadas pela concorrente.
A justificativa para estabelecer a taxação? Os governos do Canadá e
do Reino Unido teriam oferecido subsídios pesados para a Bombardier, de
modo que não haveria livre concorrência no caso.
Trump lutando pela Boeing. Trudeau, pelos interesses geopolíticos e tecnológicos do Canadá. May, pelos empregos em Belfast.
Enquanto esses governos lutam com unhas e dentes pelos interesses de
suas empresas estratégicas e pelo emprego qualificado de seus
trabalhadores, o que o Brasil faz?
Promove uma política econômica que desindustrializa o país, aceita e
patrocina um processo violento de desnacionalização e, justamente na
aviação, apesar do jogo de cena, permite que a Embraer seja comprada pela Boeing.
Esse caso da disputa que citamos é muito representativo. Dizer que os
países desenvolvidos deixam o mercado agir livremente é uma mentira
mal-intencionada.
Prova ainda a importância estratégica da indústria de ponta,
especialmente em um setor decisivo, inclusive para assuntos de defesa,
como o da fabricação de aviões.
E, por último, demonstra que qualquer governo comprometido com o
desenvolvimento tem a obrigação de proteger, incentivar e fomentar sua
indústria
Essas são as regras do jogo geopolítico internacional. Diante delas,
só há duas opções: lutar pelos interesses do país ou traí-lo,
transformando-o em um quintal neo-extrativista habitado por um povo pobre
e sem perspectiva.
Manuela D'Ávila é deputada estadual pelo PCdoB no Rio Grande do Sul e pré-candidata do partido à Presidência da República
No último final de semana vimos uma das situações mais surreais que possamos imaginar no país, quando a Presidenta do STF recebeu em sua casa o usurpador. O encontro aconteceu poucos dias após o usurpador ter tido seu sigilo bancário quebrado pelo ministro Luis Roberto Barroso, do stf.
O assunto tratado é irrelevante, pois poderia ter sido qualquer coisa, desde a troca de receitas, passando pela crise na Síria, e até mesmo o alegado problema da segurança pública no Brasil. A questão aqui não é o tema da conversa, mas o fato em si. Pesam sobre o usurpador várias denúncias, e ele é investigado por várias denúncias, no próprio stf. Não cabe, de forma alguma, que a presidenta do tribunal que investiga, e talvez venha a julgar o investigado, o receba em encontros íntimos. Se o assunto era oficial, então que marcassse uma reunião na agenda, com tema deeefinido, e a presença de testemunhas. O que ocorreu é inaceitável numa democracia.
Daqui a pouco a presidenta do stf fará outro discurso, dizendo que é preciso respeitar a Justiça, e que ninguém acredita Nela.
Tá aí, o tenor Andrea Bocelli nunca esteve aqui no nosso Blog. E ele aparece na primeira vez com um grande sucesso que ninguém menos que Elvis Presley gravou.
Interessantíssimo o artigo abaixo. Pascal Lima faz um resumo de como a Alemanha saiu de sua estagnação dos anos 90, e como Portugal fogiu de sua depressão dos anos 90. A estagnação alemã causada por excesso de apoio a um organismo vigoroso e formado, a depressão portuguesa causada pela falta de ajuda a um organismo débil e claudicante.
Na verdade não há surpresas na constatação feita no artigo. Para qualquer um que consiga ter uma visão mais ampla irá perceber que sociedades são distintas entre si. Cultura, recursos, expectativas, dinamismo, dependência, possibilidades, enfim, muitas coisas diferem entre as diferentes sociedades. Muitas vezes em países pequenos, como Portugal mesmo, regiões apresentam diferenças significativas entre si.
Como tratar os diferentes da mesma forma?
O que a Alemanha fez foi aperceber-se de suas dificuldades e suas possibilidades, e agir de acordo com elas. Voltou a ser a grande locomotiva europeia. A França, por exemplo, está hoje num estágio próximo de estagnação em que já esteve a Alemanha. Talvez a solução não seja a mesma. Há que estudar profundamente sua situação, e talvez aplicar soluções próprias para seus problemas.
Portugal, tal qual a Alemanha soube ler seus problemas a agir de acordo com eles. Assim como Portugal, outros países também precisam entender o que se passa, e encontrar soluções próprias.
O Brasil é um desses países, que precisam entender o que se passa com sua sociedade. Nem na época de Lula essa leitura foi correta o suficiente. Mas uma coisa é certa, a leitura neoliberal e entreguista que está sendo feita pelo usurpados, certamente nos levará ainda mais para trás, e à estagnação.
Durante muito tempo, o modelo de referência na Europa foi o modelo alemão. Bruxelas cansou de fazer sua apologia, particularmente devido ao excepcional excedente orçamentário alemão, à dinâmica de sua dívida, e às reformas que permitiram uma excepcional competitividade. A Comissão Europeia se apoiou com frequência neste modelo para pressionar os outros países.
Historicamente, este modelo baseia-se nas reformas heterogêneas da epopeia do chanceler Schröder para superar a crise da década de 1990 na Alemanha. As reformas do sistema de saúde, as famosas leis Hartz e os acordos de competitividade nas empresas impulsionaram a Alemanha em direção ao ideal da economia de oferta. A redução das taxas sobre a produção e o aumento do imposto sobre consumo deslocaram a carga tributária. Paralelamente, o peso do Estado foi significativamente reduzido. Este modelo, cujos pilares são, basicamente, as empresas, é encontrado na Áustria, Holanda e também no norte da Itália. Essas políticas pró-empresas tiveram seu apogeu na Europa entre 2005 e 2011, quando o crescimento alemão, em particular, atingiu seu pico.
De todo modo, a Alemanha perdeu fôlego em 2013-2014, mesmo com um crescimento ainda positivo. Um fato notável e longe de banal é que a taxa de crescimento de Portugal ultrapassou a da Alemanha em 2015-2016, como será provavelmente o caso em 2017. Ao mesmo tempo, os excedentes comerciais da Alemanha que preocupam cada vez mais a União Europeia.
A influência da Alemanha sobre as políticas de austeridade na Europa atingiu seu limite. A locomotiva europeia, imaginem, avança hoje a um ritmo mais lento, em termos de crescimento e exportação.
Enquanto isso, o pequeno polegar da Europa, durante muito tempo criticado por Bruxelas, vem perturbar as grandes certezas sobre as boas políticas amargas a serem implementadas na Europa. Estamos falando de Portugal. Pouco mais de um ano atrás, em julho de 2016, a Comissão Europeia iniciou um procedimento contra o governo de Lisboa por "déficit excessivo". Mas desde então, Portugal reduziu o déficit para 2,1% em 2016 e deve reduzi-lo para 1,5% este ano, quando a França, por exemplo, pena para deixar o seu abaixo da marca de 4%.
Depois de um período histórico de privatizações forçadas em troca dos empréstimos da Troika, foi finalmente a coalizão de esquerda, no poder desde 2015, que veio transformar as coisas, deixando Bruxelas em situação de grande mal-estar.
O modelo econômico português é totalmente oposto ao defendido por Bruxelas. Desde 2015, o crescimento real em Portugal recuperou-se de forma incontestável após os anos sombrios da Troika, durante os quais as taxas de crescimento chegaram a ser negativas, entre 2011 e 2013. Hoje, as taxas de crescimento de Portugal excedem as da Alemanha. Se a taxa de desemprego estava próxima de 17% em 2013, com as políticas de austeridade, desde 2015 diminuiu de forma acentuada, com toda a probabilidade de chegar a 8% em 2017. Uma queda notável, nunca vista. Portugal também se beneficia de uma forte recuperação do consumo nos últimos dois anos, juntamente com um excedente na balança de bens e serviços. Os investimentos produtivos em percentagem do PIB estão próximos dos da Alemanha, ou seja, 16,5% contra 20% da Alemanha. Com a melhoria contínua do capital humano, há também uma queda acentuada nos empréstimos ao setor privado, enquanto a poupança cresce de forma constante há dois anos. A inflação, por sua vez, está controlada, sendo menor (1,3%) que na Alemanha (1,6% em 2016). É verdade que a dívida portuguesa é de cerca de 146% contra 68% na Alemanha, mas está em declínio há dois anos. As políticas de demanda não são, portanto, políticas que aumentam sistematicamente o endividamento. Além disso, as taxas de juros de longo prazo situaram-se em 3,2% em 2016, em comparação com 0,09% na Alemanha. Em 2015-2016, já com a nova aliança de esquerda que assumiu em 2015, foram as menores taxas que o país conheceu desde 2010.
O sucesso do modelo português na verdade não resulta das políticas pelo lado da oferta, mas sim de políticas pelo lado da demanda: nada de reforma estrutural do mercado de trabalho para cortar direitos trabalhistas, nenhuma de redução da proteção social, nenhum programa de austeridade como o do governo anterior, de direita, que havia, por exemplo, congelado o salário mínimo e as aposentadorias e aumentado os impostos, tudo isso sem nenhum efeito notável sobre a economia. Pelo contrário, o que testemunhamos naquele período foi um aumento da pobreza.
Dessa vez, não houve nada disso: o salário mínimo teve aumentos em 2016 e em 2017. Ao mesmo tempo, vimos uma queda nas contribuições dos empregadores de 23% para 22%. Finalmente, o governo não hesitou em seu plano de revitalização do poder de compra: houve aumento das aposentadorias e dos subsídios familiares, reforço das leis trabalhistas, queda nos impostos sobre os salários mais baixos, suspensão das privatizações... Para completar, Portugal entendeu que não adiantava tentar competir em custo com os países do leste. Passou-se a investir em maior qualidade, tanto na indústria como no turismo. Um ponto particularmente inspirador: o investimento na qualidade da produção e das políticas de estímulo à demanda, juntamente com a simples redução das despesas das empresas.
Pascal de Limaé Economista e Professor. Especialista em perspectiva econômica, seu trabalho centra-se na exploração de inovações, seus impactos em termos sociais, ambientais e socioeconômicos.
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22 jan 2018, 16h34 - Publicado em 19 jan 2018, 15h32
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Mauro Oddo, do Ipea: "A maioria das políticas
que atende PME acabam chegando às empresas que menos precisam" (Elza
Fiuza/Agência Brasil)
O Brasil tem startups promissoras como a fintech de cartões de crédito Nubankou
o aplicativo de transporte 99 (comprada recentemente pela chinesa
Didi), mas não fica nada perto de ser um Vale do Silício ou mesmo de
polos tecnológicos europeus. Por que nossas startups e pequenas empresas
não conseguem crescer? Para Mauro Oddo, pesquisador do Ipeaque
se dedica a estudos sobre produtividade e empresas de pequeno porte, o
principal problema brasileiro, além da falta de incentivo a inovação, é a
ausência de um mercado consumidor. As pequenas empresas brasileiras
entram no mercado despreparadas e produzem para um público de renda
ainda muito baixa.
Mas desenvolver as pequenas empresas é primordial para a economia do país. Em seu livro Um Pirilampo no Porão: um pouco de luz nos dilemas da produtividade das pequenas empresas e da informalidade no Brasil,
o pesquisador aponta que “a situação que se observa no Brasil seria
análoga a de um trem cuja locomotiva e vagões iniciais apresentam bom
desempenho, mas que acaba sendo travado pela maior parte dos outros
vagões”. A solução não seria, portanto, transferir esses passageiros
para os vagões da “vanguarda” do trem, porque não há espaço para todos,
mas “capacitar os ‘vagões lentos’”, o que, segundo Oddo, significa
pensar em políticas públicas voltadas aos pequenos empresários. Veja
abaixo os principais trechos da conversa com EXAME.
Por que as pequenas empresas não conseguem prosperar no Brasil?
Primeiro, precisamos pensar no que é essa categoria pequena empresa.
Imagine uma pequena empresa do varejo de alimentação, com 10 empregados:
pode ser uma franquia da Starbucks no shopping Iguatemi de São Paulo ou
uma birosca no interior do Amazonas. São negócios muito diferentes.
Realidades, produtividades e até objetivos muito diferentes. Talvez o
dono da franquia queira expandir, abrir outra, e o do interior só queira
sustentar a família e seguir a vida dele. Então, o grande problema é
ter políticas horizontais para todas essas empresas. É como dizer “vamos
fazer uma política de preservação de mamíferos” – isso inclui baleia,
ornitorrinco, cachorro e ser humano. Não pode colocar tudo no mesmo
saco.
Então, diante dessa diversidade, qual é a principal
dificuldade que as pequenas empresas enfrentam, em comparação com as
grandes?
A grande questão é a produtividade. A disparidade de produtividade,
ou seja, entre grandes e pequenas, é imensa. A produtividade de uma
empresa brasileira é metade da de uma empresa na OCDE [organização dos
países mais desenvolvidos do mundo] ou na Europa. Isso está associado
sobretudo à ausência de mercado interno. Quem consome no Brasil é de 1 a
5% da população; claro, isso dá uma Bélgica, mas a questão é que as
pequenas e médias empresas (PMEs) produzem para um mercado consumidor
bem mais simples, e sem uma produção muito alta, porque é dessa forma
que o mercado consome. É um círculo vicioso: não qualifica mão de obra,
não há distribuição de renda, logo, não tem demanda e não há
consumo. Cerca de metade dos trabalhadores brasileiros está no mercado
informal e outros 25% estão em micro e pequenas empresas, um mercado
muitas vezes semi-informal. Então, dá para estimar que 75% da mão de
obra brasileira esteja em situação precária, com baixíssimo nível de
renda. E isso influencia o mercado consumidor.
Por outro lado, em 2017, as PMEs acumularam saldo positivo de
486.000 novos postos de trabalho, enquanto as médias e grandes tiveram
saldo negativo de 202.000. Então, elas não estariam contribuindo para
gerar emprego e melhorar esse mercado consumidor?
Mas não necessariamente essa é uma boa notícia, porque o cara que
trabalhava em uma empresa grande e foi demitido acaba aceitando trabalho
em uma empresa menor e em condições piores. A desigualdade de trabalho
entre a pequena e a grande empresa é muito alta. A pequena empresa é tão
marginalizada quanto a mão de obra que ela emprega. O Brasil precisa
fazer uma revolução capitalista: Ford mudou o mundo não porque inventou a
produção em série, mas porque inventou o consumo em massa. Ele dizia
que em 20 anos todo americano teria um carro, só que não bastava criar
um sistema capaz de produzir, mas fazer com que cada um tivesse dinheiro
para comprar um carro. E como ele fez isso? Pagou salários. O
empresário brasileiro precisa entender que, quanto mais se precariza a
relação de trabalho, mais se perde no sistema capitalista. E as grandes
políticas nacionais têm de focar nisso.
Como pensar em políticas públicas para incentivar os diferentes tipos de empreendedores, em um país tão heterogêneo?
Política pública para país heterogêneo é fortalecer o elo fraco da
cadeia. Quando falamos de financiamento à inovação, a grande empresa tem
mais chance de chegar a um resultado final positivo. Financiar a
pequena é mais arriscado, mas essa é a lógica do banco privado, que não
pode correr risco. E é aí que entra o Estado; o papel do Estado é correr
risco. É apoiar quem precisa de apoio.
O Brasil tem algumas políticas para pequenas empresas, como a
tributação diferenciada do Simples e até mesmo um artigo da
Constituição que estabelece que os pequenos negócios devem ter
tratamento preferencial. Essas iniciativas vêm sendo suficientes?
Temos políticas de PME para todo lado. Você não vai encontrar uma
única política pública que não cite pequena empresa. Mas qual a
finalidade que isso tem? Não há um projeto de país. No processo de
desenvolvimento da economia brasileira, as pequenas empresas são
tratadas marginalmente. Jamais estão no cerne do processo. A maioria das
políticas que atende PME acaba chegando às empresas que menos precisam.
As que estão ligadas a grandes associações, que conseguem fazer lobby.
Nesse sentido de apoio do Estado, a falta de crédito para os pequenos empresários começarem é um problema?
A grande maioria dos pequenos empreendedores está longe do Estado e
sequer sabe que existe crédito para ele. Porque o cidadão tem aversão ao
Estado. Nada mais justo, em um país onde o símbolo da Receita Federal é
o leão – quem vai fazer carinho no leão? Então, quando ele é
incentivado a se formalizar, pensa “ah, agora estão me dando
facilidades, mas amanhã vão botar regras”. Precisamos repensar nossa
institucionalidade, a relação do Estado com a população, nosso projeto
de país.
A atriz Tonia Carrero fez sua passagem no último sábado. Por muito tempo foi considerada uma das mulheres mais bonitas do Brasil, e em sua longa carreira, teve várias participações em peças, novelas, filmes, marcando mais de uma geração. Apesar de nunca ter sido considerada uma grande atriz, a carismática Tonia era figura fácil em muitas importantes produções, tendo sempre transitado pelos meios artísticos.
Tonia Carrero deixa saudades, mas também deixa uma obra grandiosa e diversificada.
Rui Barbosa teria dito que "o Judiciário é o poder que mais tem faltado à República". Ao mesmo tempo a Ministra do STF, Carmen Lúcia, disse na semana passada que "o cidadão brasileiro está cansado de todos nós".
Difícil discordar dessas afirmações, se lemos o texto abaixo, escrito pelo Prof. Élio Gasda.
E interessante notar que, em seu título, Gasda separa a democracia sem povo, e o judiciário sem justiça, mas no decorrer de suas linhas, mostra claramente que uma coisa está intimamente imbricada com a outra. Não existe democracia sem povo, mas também não existe sem "justiça justa", e a democracia precisa da Justiça e a Justiça precisa do povo.
E o que seria a "justiça justa"? Aquela que julga de acordo com a Constituição, as Leis e as provas. Aquela que aplica esses parâmetros de julgamento para todos, independente de qualquer característica, física ou ideológica, que possa diferenciar os cidadãos de seu país.
O povo e a democracia são conceitos que, de alguma forma, todos entendem e dominam. Então quando Gasda escreve seu texto abaixo, descreve como a democracia é falha no Brasil, como a justiça não está a seu serviço, e como no final, o povo é deixado a margem de todo o processo, comparecendo apenas na festa, onde faz figuração, mas onde não tem direito a ter sua vontade respeitada, ou seus anseios atendidos, estando todo o sistema da nação (republicano é outra coisa) a serviço de uma elite financeira, que se locupleta através das benesses do Estado, que deveria estar justamente servindo à diminuição das discrepâncias.
Segundo Gasda, tudo isso ocorre porque o judiciário precisa de reformas, já que não atua de forma democrática. Ora, eu vou mais longe. Em que país do mundo, um senador não seria processado porque seus pares vergonhosamente o protegeram, mesmo tendo provas tão robustas contra ele? Outros deputados e senadores também foram vergonhosamente protegidos por seus pares. Em que país do mundo um presidente lidera um golpe, usa o tesouro de um país que passa por sérias dificuldades para manter-se no poder, mesmo com inúmeras provas e acusações contra si, abusa de seu poder convocando as forças armadas para coibir manifestações contra si, nomeia como mnistros pessoas já condenadas para pastas afins a suas condenações, ignorando o princípio da moralidade pública, abusa escancaradamente do orçamento e da estrutura do cargo para benesses pessoais, e tudo fica por isso mesmo.
Resumindo ele diz que no Brasil atual não há democracia. Algo que venho dizendo aqui há tempos.
A diferença é que, no texto, ele acha que é devido a um judiciário falido. Eu acho que é por todo um sistema falido.
Um governo fundamentalmente corrupto somente se sustenta porque tem no poder judiciário um aliado poderoso.
Temos um judiciário a serviço de um 'grande acordo nacional'? (Gil Ferreira/SCO/STF)
Por Élio Gasda*
Quem
mais ajudou para que a democracia fosse golpeada e o país retrocedesse
tanto em tão pouco tempo? Que elite do atraso é essa (Jessé de Souza)?
Qual
o papel do Poder Judiciário nas democracias em países em que a
judicialização da política surge em pleno processo de reconstrução
democrática após as ditaduras? O Estado Democrático, como compromisso
com a cidadania e efetivação dos direitos sociais, exige questionar a
atuação dos diferentes atores, dentre eles o Poder Judiciário. Que
justiça é a nossa?
O Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo
na estrutura judiciária brasileira, tem como principal função garantir
que a Constituição Federal seja cumprida. Mas a recente história do
Brasil e da justiça foi marcada por uma conversa absurdamente
escandalosa: “Jucá: Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo
para poder estancar essa sangria... Machado: Botar o Michel num grande
acordo nacional. Jucá: Com o Supremo, com tudo”.
A justiça é a
primeira virtude das instituições políticas (Aristóteles). Justiça
imparcial? Um governo fundamentalmente corrupto somente se sustenta
porque tem no poder judiciário um aliado poderoso. O Judiciário, que
deveria ser uma instituição central à democracia, está a serviço de uma
cleptocracia que debocha da Constituição e de seu povo. O STF custa
bilhões ao país para isso? Temos um judiciário a serviço de um “grande
acordo nacional”? As togas substituíram os militares? O Judiciário
deixou de ser um poder periférico, tornou-se uma voz a ditar verdades
absolutas. Cortes e juízes passam a decidir temas de cunho político até
então restritos ao âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo.
O
STF tem como função a defesa da Constituição com vistas a manter a ordem
social. Mas, ao defender sua posição social (e partidária), faz com que
sua visão se imponha sobre as demais. Este enaltecimento do Supremo
como nova autoridade se traduz numa espécie de “supremocracia”. Absolve
figuras indecentes da política e condena inocentes e indefesos. Os
supremos agem como deuses do Olimpo, fechados em uma verborreia
inacessível ao cidadão comum. Como a justiça pode sobreviver ao império
da lei do mais rico?
Distante das preocupações da agenda pública
contribui no aprofundamento da concentração de riqueza. É como se
vivessem na Suíça. O auxílio-moradia dos juízes é constitucional? Se um
juiz da Corte Máxima não tem ética, quem vai ter? Togados recebem
auxílio moradia de quase 5 mil reais por mês em um país em que a maioria
dos trabalhadores tem renda mensal inferior a mil reais. Este “auxílio”
equivale a cinco salários mínimos. Juízes e desembargadores de oito
estados tiveram remuneração acima do teto constitucional (33.700 reais).
Juízes do Tribunal de Justiça de Rondônia receberam, em média, 48.500
reais em novembro. Seus filhos vão receber “auxílio educação” de 7 mil
até os 24 anos. A lei existe, mas nem tudo o que é legal é ético.
Em
que medida a atuação do STF é legítima, considerando a dinâmica de
interesses do campo político? O juiz deveria ser o último guardião das
esperanças tanto do cidadão como da sociedade. Organizar os laços
sociais, certificar a verdade, defender a Constituição. Mas o ativismo
judicial de muitos juízes se confunde com sua militância política a
invadir as competências dos outros poderes. O exercício excessivo do
judiciário viola o princípio da separação dos poderes. Militância de
classe, militância partidária feita por intérpretes da Constituição
significa um empobrecimento da democracia. Numa ordem constitucional
democrática o controle jurídico não é tudo. Defensores da constituição
são todos os órgãos constitucionais e todos os cidadãos com compromisso
democrático.
A democracia representativa deu lugar à plutocracia
da elite do atraso integrada pelo judiciário. Democracia sem povo,
judiciário sem justiça, um “direito mercadoria” negociado pelos
endinheirados. A encenação da democracia é consumada no teatro das
eleições. A representação separa aqueles que têm influência daqueles
que, mesmo que gritem, nunca são ouvidos. Eleitores e elegidos vivem em
mundos separados.
Estamos em ano eleitoral. A mídia chama as
eleições de “festa da democracia”. Votar tornou-se algo extraordinário.
Depois da festa tudo volta ao normal. No Brasil, a democracia se limita
ao “vem pra urna”. Sua restauração não se reduz ao direito de fulano ou
sicrano concorrer à presidência. Isso esconde as mazelas de um sistema
apodrecido que não pode ser restaurado por salvadores da pátria. A quem
interessa manter um sistema que não representa ninguém, senão o poder
financeiro, ou o Deus convertido em Dinheiro. “Deus não morreu. Ele
tornou-se dinheiro” (Giorgio Agamben). A restauração da democracia exige
a reforma do Poder Judiciário para que este volte a cumprir seu papel
de defensor da Constituição Federal. “É preciso que a justiça penetre
completamente as instituições dos povos e toda a vida da sociedade” (Pio
XI, Quadragesimo anno, n.88). A recuperação da credibilidade de um Judiciário desmoralizado é fundamental.
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na
FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina
social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas,
2016).