O chamado "mundo civilizado" perdeu definitivamente o juízo. A mania de querer reescrever a História de forma a atender anseios e interesses modernos e atuais não é nova, mas ela está atingindo níveis alarmantes e completamente insanos. E isso é preocupante.
Não, não é preocupante por causa de Magalhães e seu impressionante feito compartilhado com Elcano. Não é preocupante pelos bandeirantes ou pelas sereias que ora são atacados. Mas sim, é preocupante porque se tenta renegar um passado, responsável por nos trazer ao momento atual, com base em valores absolutamente desconhecidos para essas figuras históricas, heroicas, e muitas vezes, lendárias.
Fernão de Magalhães não ficou famoso por ter descoberto as nuvens que levam seu nome, mas por ter sido responsável direto por um dos maiores feitos da humanidade na era das grandes navegações: a primeira viagem de circunavegação do planeta, o contato com outros povos, outras culturas, outras raças, e a descoberta (para os europeus) de inúmeras terras, passagens e acidentes geográficos. Esse feito foi conquistado com uma gigantesca e poderosa frota, composta por três minúsculas embarcações, nas quais um pescador moderno não sairia para pescar, imaginem então dar a volta ao mundo. Seus instrumentos de navegação eram precários; suas técnicas, revolucionárias para a época, quase que experimentais; sua ideologia, um misto de cavalheirismo da Idade Média, com o ímpeto de descobrir um mundo que se abria a eles.
E sim, Magalhães, como muitos outros, era um homem de seu tempo. Como citei acima, uma mistura entre um cavaleio medieval, onde a maior parte de sua ideologia residia, com um homem que via uma revolução técnico-científica, o que lhes abria um horizonte enorme, mas que apesar de tudo acabava por ser um horizonte turvo pelos dogmas que carregava em seu cerne cultural.
Sim, ele era colonialista, como o eram Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral, Vasco da Gama, o próprio Elcano - que completou a gigantesca aventura de Magalhães - e o eram todos os que abriram as portas à Modernidade, que nos trouxe ao mundo moderno. Eles eram homens de seu tempo, que conseguiram feitos impressionantes, não apenas pelas dificuldades físicas e técnicas da época, mas sobretudo pelas amarras ideológicas a que estavam ligados historicamente.
Aproximadamente 5 séculos depois, eu mesmo fiz duas voltas ao mundo pelo mar. Os veículos não foram as frágeis embarcações de madeira que levaram Magalhães e Elcano em sua aventura, mas modernos navios de aço, impulsionados por potentes motores com milhares de cavalos de potência, e posso lhes afirmar que não foi fácil, mesmo com a possibilidade de contatos com o lar, com as rotas já conhecidas, e os perigos todos mapeados. Imaginem para esses que desbravaram essas possibilidades?
O que distinguiu esses homens não foram suas ideias humanísticas, mas seus feitos concretos. Sim, a grande maioria - se não sua totalidade - era escravista, preconceituosa, com valores muito antagônicos aos propagados atualmente (e muitas vezes não cumpridos), Eles eram homens de seu tempo, agiam como homens de seu tempo, e nos legaram o mundo que temos hoje, com seus avanços, suas qualidades e defeitos. Renegar o papel fundamental deles na formação desse mundo não é resolver as contradições que temos, e nem mesmo os erros que eles cometiam, mas renegar o que fizeram de acertado, seus feitos grandiosos, seus legados que nos permitiram chegar até aqui.
Renegar o passado não é apenas renegar o que somos de ruim, é renegar o que somos de bom também. Não há como fazer essa dissociação, e quem faz isso não faz apenas algo fadado ao fracasso, mas também ridículo. O problema é que quem nos tem trazido essas ideias, supostamente, devia nos trazer ideias mais profícuas.
Precisamos parar de tentar negar o passado para justificar um presente que se constrói, e sobretudo precisamos ver os erros que temos, combatê-los efetivamente, e construirmos um mundo melhor.
Astrónomos contra Magalhães
Está em curso uma campanha para lhes retirar o nome do navegador português, por conta do seu «violento legado colonialista».
19 de Novembro 2023 às 10:58
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