quarta-feira, 30 de maio de 2012

Os cruzeiros marítimos e o cinema catástrofe


Há dias que estava para comentar aqui no Blog dos Mercantes o texto de Severino Almeida, presidente do Sindmar, publicado no jornal "A Tribuna", de Santos. A análise que o presidente do Sindmar fez da atividade dos navios de cruzeiro na costa brasileira está de acordo com o que o nosso Blog vem colocando desde que começou seus comentários sobre esse tema.

O ganho para a economia brasileira é mínimo, e os reais lucros da atividade vão para as empresas estrangeiras, que escapam da queda de movimento proporcionada pelo inverno no hemisfério norte, e deslocam suas luxuosas, mas nem sempre seguras embarcações, para a costa brasileira nesse período.

Nessas embarcações, aonde a busca é a de realização de um sonho, já tivemos toda uma série de pesadelos para muitos que nesses cruzeiros embarcaram. Uso excessivo de força por parte de seguranças a bordo, intoxicações, discriminações por motivos étnicos ou de gênero, jornadas de trabalho excessivas, mortes. Tais fatos afetaram a passageiros e tripulantes, e isso indiscriminadamente.

A regulamentação do setor é apenas o ponto de partida para que possamos atacar com eficácia os problemas que se repetem a cada ano, e que pouco ou nada traz de vantagem ao país e à população brasileira em geral.

Sem isso continuaremos a ter nos mares a repetição de uma série do cinema catástrofe muito popular nos anos 70 e 80. A diferença é que de “Aeroporto 79”, “Aeroporto 80”, etc. teremos “Cruzeiro, 09”, “Cruzeiro 10”...

O texto de Severino Almeida:

A segurança dos cruzeiros marítimos

Severino de Almeida Filho*

O naufrágio do cruzeiro Costa Concórdia em meados de janeiro, no Mediterrâneo, deve nos servir de alerta. Os ingredientes que determinaram o acidente, resultando na morte de mais de 30 pessoas, são recorrentes em outros episódios envolvendo essas embarcações no Brasil. Negligência com ambiente e as normas de navegação, despreparo da tripulação, bem como descaso com passageiros têm sido o pano de fundo da série de incidentes e acidentes que vêm ocorrendo com os cruzeiros marítimos na costa brasileira. Note-se que somente no verão 2008/2009 quatro brasileiros morreram a bordo de cruzeiros em águas nacionais. 

Em 2009, 300 passageiros do MSC Sinfonia sofreram intoxicação alimentar. Os problemas se repetem, num variado leque de eventos que incluem desde manobras arriscadas junto à costa a incêndios mal explicados, passando por descargas de dejetos nas águas de famosos balneários, como o registrado em setembro passado em Angra dos Reis. Ainda que tais cruzeiros agreguem valor ao nosso turismo e benefícios a nossa economia–propaganda enganosa que não resiste a uma honesta análise –, o rastro de problemas que deixam a cada ano já justificaria a adoção de medidas que viessem a colocar essa atividade dentro de patamares operacionais seguros tanto para a navegação e o ambiente, quanto, e sobre tudo, aos passageiros. 

Esses navios, operados por companhias estrangeiras, navegam por águas territoriais brasileiras, escalam nossos portos, fundeiam em nossas baías, e transportam brasileiros sem que nenhuma autoridade tenha conhecimento prévio de sua operação. Devido a um hiato legal, chegam ao Brasil sem submeter à Marinha ou à Antaq suas rotas e escalas. Isso porque a Lei 9.432/97, que trata do transporte aquaviário, não disciplina os cruzeiros marítimos. O vácuo normativo, na verdade, é simples de ser sanado, bastando que haja vontade política para tanto. O problema torna-se ainda mais urgente se considerarmos que esses cruzeiros quase nada acrescentam à atividade turística brasileira. Na verdade, constituem uma concorrência desleal à rede hoteleira das cidades pelas quais passam. Há de se considerar que a esmagadora maioria dos passageiros a bordo é de brasileiros, que gastam seus dólares dentro dos navios, ao invés de fazê-lo em balneários e destinos turísticos. 

Não raro, desembarcam para passear em cidades litorâneas, mas retornam a bordo para as refeições. Até o consumo de roupas tende a ser feito nos navios. Devemos considerar que esses dólares gastos por brasileiros nos transatlânticos não são tributáveis, o que caracteriza dupla desvantagem para a economia brasileira: perda de movimento do comércio nas cidades turísticas e a consequente perda de arrecadação. Em suma, potencializam fuga de divisas. Um problema adicional está no recrutamento da mão de obra. Em geral essas companhias utilizam pessoal oriundo de países de escassa proteção legal ao trabalho. São trabalhadores que se submetem a jornadas extremas de trabalho, de 14 horas sem descanso. 

Tais circunstâncias explicam as deficiências do atendimento aos passageiros. No naufrágio do Costa Concórdia, o despreparo e o improviso da tripulação foram flagrantes. Não se pretende aqui uma guerra contra os cruzeiros. Mas apenas que sejam submetidos à devida regulação pelo Estado brasileiro. E que possam ser uma atividade segura, complementar ao turismo nacional, com benefícios para todos, sobre tudo para os passageiros.

*Severino Almeida Filho é Presidente do SINDMAR e da CONTTMAF.

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