quarta-feira, 23 de maio de 2012

As leis trabalhistas são direitos de seres humanos

Há alguns anos tive um longo debate com uma liderança sindical da ITF sobre o fundamento das leis trabalhistas. Sempre tive a certeza de que elas nada mais são do que direitos humanos. Não na redução pura e simples dos direitos humanos básicos, que são corretamente defendidos pela ONU e por todos os que têm uma visão minimamente moderna da sociedade humana. Aqui acho que cabe comentar que algumas das Convenções da OIT são parte dos direitos humanos fundamentais.

Não, as leis trabalhistas são muito mais que isso. Elas são também estranhamente ambíguas. Porque embora direitos humanos elas são restritivas e profundas. E expliquemos isso:

Embora possam ser aplicadas a todos os seres humanos, sua aplicação se restringe aos que trabalham. Daí seu caráter ambíguo e restritivo ao mesmo tempo.

E são profundas, porque interferem de forma decisiva em relações humanas específicas, equilibrando forças, em relações aonde claramente uma parte se apresenta em grande desvantagem frente à outra.

O texto de Severino Almeida, veiculado pelo Correio Braziliense trata exatamente disso.

E se minha posição é essa, e era conflitante com a da liderança da ITF a ponto de gerar longo debate (em que no final cada um ficou com sua opinião), deixo a cargo daqueles que me seguem que digam qual era a posição dele.

Leia o texto na íntegra:

Lei trabalhista não trava crescimento
Severino Almeida

Um projeto que visa a "flexibilizar" a legislação trabalhista, permitindo a contratação eventual e por hora no setor de serviços, encontra-se em gestação no governo federal. A justificativa para projetos como esse, que tem o alegado intuito de "modernizar" as relações trabalhistas no país, é sempre um esperado efeito positivo na ampliação do mercado de trabalho e na formalização da economia.

Seriam justificativas mais do que ponderáveis, se verdadeiras. Afinal de contas, quem poderia ser contra o ingresso na economia formal de um contingente maior de pessoas? Quem, de bom senso, poderia ser contra o aumento do emprego? Mais brasileiros trabalhando no amparo da lei significa, como sabemos, aumento da renda, do mercado de consumo e, consequentemente, da arrecadação, com impacto significativo nas taxas de crescimento da economia.

Todavia, a pergunta que o governo deve procurar responder, antes de levar a proposta adiante, é se é razoável quebrar regras de proteção trabalhistas justamente num momento em que o grau de formalização da economia avança num ritmo inédito, sem qualquer estímulo especial.

Porque muito mais razoável, sobretudo para um governo cuja origem está no movimento trabalhista, seria aproveitar a onda do tão propalado "pleno emprego", com índices recordes de ocupação da mão de obra economicamente ativa, para valorizar a legislação que temos hoje, uma conquista, cabe dizer, do povo brasileiro.

No complexo contexto do mundo contemporâneo, não se trata aqui de fazer a apologia simplista e reducionista do conflito entre capital e trabalho. Mas de perceber, por óbvio, que momentos como o atual são propícios ao fortalecimento do arcabouço jurídico, justamente pela diminuição das vulnerabilidades que poderiam nos levar a abrir mão de direitos inexoráveis à dignidade do trabalhador brasileiro — algo recorrente no passado e que volta a ocorrer alhures, em especial em função da crise global.

Além disso, a verdade é que trabalhador amparado é trabalhador de melhor desempenho. Se estamos tentando nos livrar dos reducionismos, eis aí uma máxima que já merece ser reconhecida em pleno século 21.

O mercado informal tem sofrido uma queda contínua no país desde 2005, conforme revelam dados recentemente divulgados pela Fundação Getulio Vargas, no embalo da estabilidade e do crescimento econômico. O mito segundo o qual seria impossível reduzir a taxa de desemprego abaixo dos 10%, por força dos supostos "altos custos" de proteção ao trabalho, desfaz-se frente à realidade.

Um massivo movimento, informa a FGV, tem levado as empresas a buscar regularização da situação de seus empregados. E eis aí uma das razões para a queda da taxa de desemprego no menor nível da história. Os trabalhadores informais representavam no início do ano apenas 22% da força de trabalho ocupada. Em 12 meses, até fevereiro passado, nada menos do que 75,3 mil trabalhadores foram da informalidade para o setor formal. No mesmo período, 50 mil pessoas conseguiram vaga com carteira assinada.

A saudável migração para a legalidade fez com que a taxa de desemprego se estabilizasse em menos de 6% da população economicamente ativa, garantem os especialistas da FGV. Não eram, portanto, os custos trabalhistas os grandes vilões do custo Brasil, como se repetiu durante anos.

Se é assim, como demonstram os números, que avancemos na consolidação de nossa legislação de proteção ao trabalhador, porque ela encontra seus fundamentos em um nobre valor de nossa sociedade e informador de nossa Constituição, que é o respeito à dignidade humana. Não há qualquer justificativa para levar adiante projetos como o ora em gestação no governo. Sobretudo se enfrentamos, hoje, desafios muito mais urgentes e visíveis no âmbito do trabalho a requererem nossos melhores esforços.

Entre esses desafios destaca-se a inadiável necessidade de estabelecer programas e adotar mecanismos eficazes voltadas para a qualificação de nossa mão de obra, irremediavelmente lançada à globalização. Precisamos de estímulos à formação, ao aprendizado continuado, ao intercâmbio de informações e ao permanente treinamento.

Preservemos nossa legislação trabalhista. Pois ela valoriza o ser humano e, como se vê pelos números da FGV, não era o obstáculo ao crescimento econômico que tantas pessoas, precipitadas, apontavam. Há coisas mais importantes para nos preocuparmos. Dediquemo-nos a elas. 


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