Há cerca de dez anos, esse blogueiro participou em um evento no
Copacabana Palace no Rio de Janeiro, onde estiveram presentes várias
autoridades brasileiras e estrangeiras, e muitos representantes de empresários,
transportadores, produtores rurais e afins. O tema do evento era exatamente
interligar a América do Sul, independentemente da existência da Cordilheira dos
Andes, em cinco pontos distintos. Um pelo norte do país, que através da
Venezuela nos levaria ao Caribe; o segundo, um pouco mais ao sul nos ligaria ao
Pacifico pelo Peru; o terceiro é esse descrito na reportagem do Valor Econômico
abaixo, e ainda teríamos outro que nos ligaria ao Chile, passando pelo
Paraguai; e o último nos ligaria mais ao sul do Chile, passando por Uruguai e
Argentina.
Boa parte desses caminhos já existe, necessitando de investimentos em
melhorias e adaptações dos mesmos ao transporte maciço de carga.
Pelo que vemos aos poucos isso vai deixando o papel, e tomando forma na
realidade de nossa economia Latino-americana. Que possamos ver nossas economias
ainda mais próximas, através dos laços que o aumento do comércio pode criar.
Agora imaginem se tivéssemos uma frota mercante para auxiliar na distribuição
de nossos produtos?
Brasileiros testam novo 'sonho' para o
Pacífico
Era 2003 quando Jorge Soria ficou
plantado no saguão de um hotel aguardando a comitiva do então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Mal o ex-metalúrgico chegou, Sória, prefeito da cidade
portuária chilena de Iquique jogou em suas mãos o plano de uma rota unindo dois
oceanos do continente sul-americano através da Bolívia, seu sonho "há mais
de 40 anos". O traçado, anunciado no mesmo ano pelos presidentes dos três
países envolvidos, se tornou realidade no início de 2013 quando foi asfaltado o
último trecho da estrada entre Puerto Quijarro e Santa Cruz de La Sierra, obra
financiada pelo BNDES.
Iniciativa de produtores e
transportadores do Mato Grosso do Sul, que para fugir dos problemas com o
escoamento da safra de grãos no país tentaram ver a viabilidade da saída pelo
oceano Pacífico, a rota precisa de ajustes para ser usada em larga escala.
Durante oito dias, uma expedição de 27 caminhonetes ocupadas por produtores
rurais, empresários do ramo da logística e donos de concessionárias do Estado,
mais dois mecânicos, um coronel boliviano, um assessor econômico da presidência
do Paraguai e um vereador de Iquique - acompanhada pela reportagem do Valor,
percorreu os 2,7 mil quilômetros do caminho. Sem ter muita ideia do que
encontrariam pela frente, o grupo saiu de Campo Grande, passou por Corumbá, as
cidades bolivianas de Santa Cruz de La Sierra, Cochabamba e La Paz e as
chilenas Arica e Iquique, onde existem dois portos subutilizados e com tarifas
baixas.
A "nova" rota para o Pacífico
dobra o caminho do Centro-Oeste até um porto marítimo (de 1,2 mil quilômetros
para 2,7 mil), mas permitiria uma redução de cerca de 30% no frete da soja e
diminuiria em 7 dias (de 32 para 25) a viagem de navio até a China, em
estimativas preliminares dos envolvidos na operação.
A estrada está pronta e asfaltada, mas o
tempo de demora nas aduanas de Chile e Brasil com a Bolívia, a falta de
sinalização e de acostamentos em alguns trechos e a inexistência de posto de
abastecimento de diesel em dois trechos de cerca de 400 km cada são desafios
que impedem um caminhão brasileiro, de tonelagem mais alta que a permitida pela
legislação dos vizinhos, fazer o trajeto. Animais na estrada são uma constante
no trecho do pantanal até a subida da cordilheira. Bois, vacas, porcos e até um
javali passearam, soltos, no asfalto. Feiras à beira da estrada após Cochabamba
também aumentam a insegurança para a jornada, pelo risco de acidentes.
Como os empecilhos maiores se concentram
em solo boliviano, uma alternativa foi costurada com o sindicato de
transportadores do país: terceirizar o transporte com mão de obra e caminhão
locais quando a carga passar pelo país. Na Bolívia, o transporte de cargas é
feito por autônomos, o que facilita a negociação para as empresas brasileiras e
pressiona o governo de Evo Morales para regulamentar o transporte trilateral,
que ainda carece de regras uniformes.
Os caminhões bolivianos, muitos da
década de 1970 e que as vezes rodam a 15 km/h, vão mais devagar que os
brasileiros, mas conseguem passar pelos Andes. Os motoristas, que ganham a
metade do salário de um caminhoneiro brasileiro - na média em dólares - também
aparecem como vantagem competitiva. O litro do diesel, subsidiado pelo governo
local, custa metade do cobrado no Brasil. Hoje, o frete da tonelada da soja de
Campo Grande a Paranaguá sai por R$ 200, em média.
Para Claudio Cavol, presidente do
sindicato dos transportadores do Mato Grosso do Sul, inicialmente, "os
empresários se assustaram", principalmente com o sinuoso trecho de 492 km
entre Santa Cruz e Cochabamba, quando se deixa o Cerrado e se entra na floresta
amazônica para iniciar a subida à cordilheira. "Terceirizando a mão de
obra podemos colocar, dentro de seis meses, cerca de cem caminhões no trecho
como teste. Havia desconfiança dos bolivianos em relação às nossas intenções,
mas os chilenos foram receptivos desde o princípio", diz Cavol.
Apesar de a rota não passar pela capital
boliviana e seguir por Oruro, a expedição foi a La Paz para encontro com
autoridades, onde essas questões foram colocadas.
O estrangulamento dos portos de Santos e
Paranaguá é uma das forças que levaram os atores do agronegócio do Mato Grosso
do Sul a enfrentar uma cordilheira de 4,7 mil metros de altura. Os custos com
transporte e a espera para o escoamento dos caminhões fazem parte das
reclamações sobre a infraestrutura brasileira. No pico da escoamento da soja do
Estado, um caminhão pode ficar até dez dias esperando em Paranaguá. Fora dessa
época, a média é de três dias.
No Chile, o escoamento é agendado.
Vice-presidente de finanças da Scania para a América Latina e presente na
expedição, Frederik Wrange diz que os chineses estão dispostos a pagar mais
caso os grãos cheguem mais rápido e, acima de tudo, com maior previsibilidade.
"Há mais gana por rotas com menos dificuldades."
Esse novo comprador tem peso. Em 2002, a
China foi o destino de 27% das exportações da soja brasileira. Ano passado, de
cada dez dólares obtidos com a venda do grão ao exterior, sete vieram dos
chineses, que tomaram o lugar dos europeus, antes principais clientes. Nesse
meio tempo, as divisas que ingressaram no país com os embarques de grãos
multiplicaram por cinco. Para este ano, a previsão da produção da soja
sul-matogrossense é de 6 milhões de toneladas. Há dez anos, ela foi de 4
milhões.
Produtor sul-matogrossense de soja,
Milton Pickler nota que a mudança do comprador internacional pesou na decisão
de fazer a expedição. Atualmente, segundo ele, o frete chega a custar 15% do
que ele recebe por cada saca do grão. "A produção para a exportação sempre
esteve perto da costa. Na última década é que ela se deslocou em peso para o
Centro-Oeste e a infraestrutura não conseguiu acompanhar esse processo",
afirma.
Foi estudada a viabilidade de um segundo
traçado: cruzar o Paraguai, o sul da Bolívia e terminar em Iquique (ver mapa).
Apesar da distância menor - total de 1,7 mil km - há um grande trecho, de 280 km,
na região do Chaco, sem asfalto. Uma ponte ligando Porto Murtinho, cidade
brasileira na fronteira com o Paraguai, também precisaria ser construída.
Prefeito de Porto Murtinho, Heitor
Miranda (PT) ajudou a desenhar em 1999 as duas rotas que passam pela Bolívia.
No ano seguinte elas foram incorporadas à Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) e chamadas de Corredor Bioceânico
Central. Assim como Soria, Miranda espera desde a década retrasada uma ligação
com asfalto entre os países vizinhos. Apesar de lenta, ele vê evolução na
interligação do continente. "Hoje há empresários interessados na rota.
Antes eram apenas governos. A integração é um processo lento."
Depois de a expedição descer o lado
oeste da cordilheira pelo deserto do Atacama, onde também encontrou estradas
pouco utilizadas, ela foi recepcionada por motoqueiros iquiquenhos na entrada
da cidade. Com todos os movimentos gravados pela televisão local, houve uma
recepção com pompas no porto, com o longo discurso do "alcaide"
recebendo transmissão ao vivo. Soria, prefeito da cidade há 21 anos e que já
tem um de seus filhos como vereador, estava em franca campanha por outro filho
na disputa por uma vaga de deputado regional por Tarapacá a ser disputada mês
que vem. Emocionado, disse que esperou a vida inteira pelos brasileiros.