O texto de Milton Lourenço,
veiculado pela Revista Portuária, é muito bom, mas peca em dois detalhes, que
ainda que pareçam insignificantes, são extremamente importantes, mesmo não
depondo contra seus argumentos em relação à Navegação de Cabotagem.
O primeiro desses pontos é a
questão de empresas multinacionais operando em nossa costa. O Blog dos
Mercantes já se posicionou várias vezes, e sempre disse que não é contra
empresas multinacionais se instalarem no país, mas devemos lembrar que o
transporte de carga é uma atividade estratégica no desenvolvimento de qualquer
país. Na costa ela é feita de forma relativamente controlada, pois existe a
reserva de mercado para empresas “nacionais”, e como essas multinacionais estão
registradas como empresas brasileiras, elas operam em nossa costa. Mas isso não
impede que façam forte lobby para que se derrube essa restrição legal, para que
possam operar diretamente do exterior, com embarcações de bandeira também
estrangeiras.
O segundo equívoco de Lourenço é
sobre a isenção de impostos garantida à Navegação de Longo Curso. Gostaríamos
de lembrar que tal colocação dá a impressão de que “empresas brasileiras”
estariam se beneficiando dessa isenção no Longo Curso, quando esse mesmo benefício
não é estendido à Cabotagem. Gostaríamos de lembrar que NÃO temos navios
operando no Longo Curso, salvo viagens isoladas e ocasionais, quando, por
exemplo, as embarcações vão fazer reparos e obras em estaleiros estrangeiros,
então tal benefício é exclusivo para embarcações e empresas estrangeiras,
trazendo muito menos benefício ao país do que teríamos se operássemos uma frota
de Longo Curso.
De resto não temos dúvidas em
apoiar suas demandas por uma Cabotagem mais forte, pois é uma luta antiga do Blog
dos Mercantes.
A revitalização da cabotagem
Milton Lourenço
Entre outros aspectos, a realização
da Copa do Mundo de Futebol no Brasil serviu para aumentar a movimentação da
navegação via cabotagem, principalmente em razão do transporte de equipamentos
produzidos no Polo Industrial de Manaus em direção ao Sul e Sudeste. Esse
crescimento nos primeiros seis meses foi de 50% em relação ao mesmo período de
2013, mas não se deverá manter no segundo semestre. Mesmo assim, indica uma
tendência de revitalização do modal.
É de assinalar que a cabotagem havia
chegado ao fundo do poço em razão de decisões tomadas no passado por gestores
públicos de pouca visão que não deram a devida importância à manutenção de
grandes empresas especializadas no setor que existiam no Brasil. Hoje, porém, o
segmento já dispõe de empresas multinacionais que operam com navios de 2.500
TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) e têm navios de até 3.800
TEUs que podem operar nesse negócio, dependendo do trabalho de dragagem e
desassoreamento de alguns portos nacionais.
Além disso, o Fundo de Marinha
Mercante dispõe de R$ 20 bilhões só para o financiamento de novos navios, o que
significa também um alento para a reativação da indústria naval. Sem contar que
já há navios que fazem o percurso Manaus-Santos em dez dias, o que significa
quatro dias de viagem a menos em relação ao que se fazia.
É de ressaltar também que há um
grande número de empresas que precisam transportar grandes volumes em função de
investimentos em infraestrutura nas regiões Norte e Nordeste, aumentando o
fluxo do Sul e Sudeste para os terminais de Salvador-BA, Suape-PE, Fortaleza-CE
e Vila do Conde-PA.
O que falta para a completa
revitalização do setor é que o governo federal elimine uma excessiva
interferência burocrática nessa área. Hoje, a rigor, a burocracia exigida para
a cabotagem é a mesma prevista para a navegação de longo curso, o que constitui
um contrassenso. Ou seja: a cabotagem precisa não só se beneficiar de algum
tipo de isenção como não pode continuar a ser feita só depois de processada uma
infinidade de documentos, como se dá hoje.
Outra questão que impede um
crescimento mais significativo da cabotagem é o preço do bunker (combustível),
que tem incidência de impostos. Já uma embarcação de longo curso não sofre
incidência de impostos, o que significa que o combustível acaba sendo mais caro
para os navios de cabotagem.
Hoje, o transporte aquaviário
corresponde a 14% de toda a carga que é carregada no Brasil, enquanto as cargas
transportadas pelas estradas chegam a 62% do total. Portanto, para um país de
dimensão continental, com cerca de oito mil quilômetros de costa e mais de 40
mil quilômetros de vias potencialmente navegáveis, a subutilização da cabotagem
foge à luz da razão porque este é um modal que, entre outros benefícios,
poderia ajudar a descongestionar as rodovias e os acessos aos portos. E não há
aqui nenhuma crítica ao transporte rodoviário. Pelo contrário: nas pontas os
caminhões continuarão imprescindíveis.
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