quinta-feira, 21 de maio de 2015

Precisamos mudar o país, sua elite e seu povo

Este texto foi escrito por Fernando Mainiere, um amigo de longa data, formado na mesma EFOMM que eu e, como vemos, dono de preocupações muito semelhantes às minhas. Sim, semelhantes, porque quando falamos em construir um país melhor e mais justo, falamos de uma sociedade que da esperanças àqueles que irão assumir o país, e principalmente, àqueles que não têm acesso a toda uma estrutura particular e cara.

Já passou da hora de o país investir com seriedade em saúde, educação e segurança. Recursos os temos de sobra, basta atacar com seriedade a corrupção que assola todos os níveis do setor público, e grande parte do privado também, e veremos os recursos sobrarem e aparecerem.

O Blog dos Mercantes, em seu início, postou e comentou sobre um estudo que mostrava que o Brasil poderia ter índices de desenvolvimento social semelhante ao do Canadá, caso conseguisse colocar a corrupção sob controle e em níveis compatíveis com as nações mais desenvolvidas. E uma das formas de se atingir esse objetivo é através da escola, transmissora de conhecimentos, tanto objetivos, quanto subjetivos. Mas para isso precisamos mudar nossa concepção de escola, e nossa concepção de ensino.

Não é um trabalho fácil, não é um trabalho rápido, mas é um trabalho possível. Muitos países já o fizeram, o Brasil também pode fazê-lo.

Mas enquanto estivermos endeusando uma elite que se preocupa mais em enviar recursos para fora do país e garantir longas estadas na Europa ou América do Norte, seguiremos enfrentando os problemas de forma superficial e ineficiente.

Como mostra Mainiere no texto abaixo.




DEIXEMOS A TOGA DA HIPOCRISIA E VISTAMOS A DA RESPONSABILIDADE - blogueando o fcbk

Na questão da segurança pública, vejo se alternarem posturas encasteladas entre dois grupos. Um grupo cuja ótica e órbita de observação se restringe ao trato ideológico do fenômeno violência social – eu os nominaria “objetivadores” do fenômeno - e o grupo daqueles cuja ótica é quase que irremediavelmente marcada pela personalização do fenômeno da violência social – eu os nominaria “subjetivadores”.

Os objetivadores tendem a observar o fenômeno tentando sistematizar a realidade sem conhecimento real de causa. Geralmente nunca foram vítimas de uma violência real, vêem o mundo sob a proteção de uma lupa onde tudo são estatísticas e máximas filosóficas. Os subjetivadores, por sua vez, tendem a observar o fenômeno pela busca da experiência pessoal (ainda que imaginativa) ou a partir da efetiva vivência pessoal de uma violência sofrida por si ou por um dos seus. Enquanto os primeiros vão errar na formulação de políticas públicas e legislação atinentes à segurança pública por causa de sua impessoalidade, da falta de contato com as condições de fato da vitimização (seja da vítima óbvia, do que sofreu a ação do infrator, seja da vítima velada que sofre a ação de um sistema com graves falhas), os do outro grupo vão errar porque não conseguem superar a etapa do trauma, da emoção que o conduziu à resposta de ataque/fuga.

Um exemplo, que acontece TODO DIA: a escola pública. Nem eu, nem meus amigos arquitetos, empresários, artistas que vivemos bem afastados dessa realidade fazemos a mais parva idéia real do que ali acontece... Falam em maioridade penal aos 16 anos? Ora, são guris de 13 anos que entram na escola armados, que levam as drogas pra porta da escola acobertados por traficantes que em troca lhes vão pagar uma mesada de quatro vezes o valor do salário dos professores e mesmo dos(as) diretores(as)...

São meninos de 1,20m de altura com plenas condições de acabar com a vida de pais e mães de família trabalhadores, dedicados à causa da educação como eu não seria capaz de me imaginar engajado. E são isso: meninos! E como são abusados... Mandam é “tomar naquele lugar” a senhoras com idade para serem suas avós. Dizem que vão “quebrar a coisa toda”. Dizem que “fazem” por semana o equivalente ao salário desses profissionais da educação já aviltados pela sociedade e pelo estado... Polícia? Não sejamos ridículos a esse ponto... A Polícia também está de mãos atadas... A questão uma vez levada ao Conselho Tutelar tem que ainda amargar ali o argumento de que “A escola tem que esgotar por conta própria todos os recursos de que dispõe...”(???). Bem, em diversas situações o recurso que resta seria uma AR-15 apontada pra cabeça de um menininho de 12 anos estourando-lhe os miolos... E se o policial passa uma descompostura exemplar numa dessas crianças infratoras corre o risco de ter aporrinhações sérias. Sim, porque a oportunidade para agir – também acobertada pelo Estado – é quando o menino está fora da escola, no morro, na favela. Ali pode meter é bala direto, não precisa falar nada, e não dá em nada. Na escola, dar aquele esporro arrumado, passar-lhe a descompostura exemplar não pode.

Eu não seria capaz de exigir de um profissional que sofresse as violências absurdas que sofre atitude diferente, num momento de esgotamento, que um tiro na cara de uma criança desorientada e agressiva dessas. Aliás, o que me surpreende é como isso não acontece com regularidade...

Percebem a que nível a sinestesia pode nos levar? Se permanecemos nessa fase, na fase do trauma, perdemos a condição de pensar a sociedade sistemicamente. Simplesmente porque deixamos de ser cidadãos engajados na formulação de uma sociedade melhor e passamos a vingadores. Se, contudo, permanecemos encastelados numa condição de leitores, pensadores, filósofos do caos dos outros, “lendo” a realidade pelas lentes coloridas de estatísticas e frases de efeito, somos igualmente inúteis na real reformulação de políticas e operacionalização de condições.

Redução da maioridade penal é simplesmente inócuo. É questão politiqueira levantada pra consubstanciar campo de extrema direita apelando para os traumas e ódios acumulados de alguns mais ingênuos ou incautos. Reduza-se a maioridade penal para 14 anos! O efeito será que teremos triplicada a quantidade de menores infratores (assim constituídos por maiores de idade criminosos) na faixa de 13 e 12 anos de idade e a constituição de maiores e mais terríveis campos de concentração (ou presídio, como queiram...). Agora, vi slogans dizendo algo como “Querem criminalizar a infância”...Pura palhaçada – jogada de marketing apelativa... Nossa juventude está já criminalizada na medida da combinação entre condição social e cor de pele... Deixemos de hipocrisia boçal...

O que resta é que o problema é sistêmico e não pontual. O sistema precisa ser reformulado, desde políticas urbanas de integração. A cidade não é o lixão dos detentores do grande capital... Como querer que a violência não estoure na periferia se ela começa na própria lógica de um sistema de castas baseado no direito que alguém tem de estar acima da lei e da vivência dos problemas sociais brasileiros pelo fato de ter muita grana e/ou influência??? A violência começa bem antes do menino de 12 anos - cujo pai está preso, a mãe se droga e o irmão foi o último fogueteiro morto mês passado no morro - mandar a professorinha ir “tomar no olho do seu...”, ou “chupa aqui, ô filha daquilo!”.

Ou seja, é humano sentir raiva e mesmo ter o ímpeto de fazer uma loucura. Sim! E em determinadas condições nem mesmo o Estado pode condenar alguém por um momento de fúria por total “inexigibilidade de conduta diversa”. Agora, se é pra repensar a sociedade, se é pra laborar pelo bem comum, a toga de pais, de cidadãos, de gente responsável tem que pesar nos ombros e temos que buscar enfrentar os reais problemas. Caso contrário, seremos só pueris hipócritas de lado a lado brincando de “lado A” x “lado B” num tabuleiro em que peões morrem com 13 anos cravejados de bala e sob a condição de perigosos criminosos enquanto sorridentes e "insuspeitáveis" milionários depositam esperanças de milhões em contas da Suíça.
Fernando-Mugai Coelho

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