O texto de Ruy Castro, veiculado na Folha de São Paulo, é interessante, mas é raso. Sim, raso, mas não o é porque não avisa nada a Lula enquanto relembra absurdos bolsonaristas no poder. Ele o é porque faz uma comparação patética entre um governo horroroso e um desgoverno.
Sim, Lula é o que de pior se poderia esperar a frente da Presidência da República do país, como igualmente o foram alguns dos citados por Ruy Castro em seu texto, e quase todos os que concorriam no último pleito eleitoral. Na verdade, o único que escapa dessa mesmice medíocre e leviana foi aquele pelo qual o autor do texto demonstrou total descaso, como um troféu a falta de empatia que demonstra pelo país e seu povo com esse ato.
E o governo lula não pode ser comparado ao desgoverno bolsonaro, já que existe uma diferença fundamental entre os dois, e esta é justamente a preposição "des". Esta indica negação, e no caso significa a negação de um governo. Sim, apesar de horroroso, terrível, desastroso, Lula ainda tem um governo. Seu governo é, de modo geral, umbilicalmente ligado às mesmas forças que levaram e sustentaram Bolsonaro por 4 anos à frente do país, mas que também tolheram todas as suas tentativas tresloucadas e lunáticas de arrebatar o poder aprofundando o projeto de destruição de Estado. Isso porque essas forças sabem que é necessário um Estado, mesmo que este exista apenas para possibilitar o fortalecimento e a concentração de poder nas mãos dessas forças.
Já Lula não conduz um desgoverno, ao contrário, ele conduz (ou é apenas o líder aparente) de um governo. E esse governo está absolutamente alinhado com as ideias, interesses e objetivos das mesmas forças que levaram Bolsonaro, e agora ele, Lula, à frente da administração pública do país. Seu objetivo, de forma alguma é um golpe autocrático, mas um golpe plutocrático, que leve cada vez mais à concentração de poder nas mãos dessa pequena elite endinheirada do país. Lula sabe que é necessária a existência de um Estado que minimamente garanta a execução desse projeto concentrador de poder e riqueza, e Lula está absolutamente alinhado com isso.
Mas ainda que tenha pretensões políticas para seu partido, ele sabe também que, por melhor que sejam a propaganda e os ataques políticos a seus opositores, não há poder político-partidário que se mantenha sem um mínimo de retorno à sociedade como um todo. Daí surgem os pequenos atritos entre a plutocracia e o líder do governo, e que são tratadas e respondidas através da imprensa ou de figuras absolutamente alinhadas e que estão no âmago do próprio governo, todas em Ministérios importantíssimos, como Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio, ou órgãos de apoio, como Bacen e BNDES.
E apesar de as ideias de Ciro Gomes serem excelentes, e terem todas grandes possibilidades de darem certo e catapultarem o país a um novo e longo ciclo de crescimento e desenvolvimento, suas ideias políticas são de aplicação quase impossível. Dentre os 594 legisladores que temos, talvez uns 5 ou 6 tenham a grandeza de um estadista, enquanto a grande maioria está comprometida com a própria carreira política e seus núcleos de base restritos. Mas nenhum deles é burro, e seja para a próxima eleição, ou para daqui a 10 anos, nenhum deles quer mudar o regime que lhes dá poder, seja agora, seja daqui 10 anos.
Sim, a Constituição de 88 foi ótima em projetar um estado de bem-estar social nunca implementado (iniciou-se muito timidamente na primeiro período petista no governo), mas foi politicamente estúpida ao concentrar poderes excessivos no Judiciário, e principalmente num Congresso. O Judiciário, bem ou mal, ainda pode ser controlado pelo Congresso, mas ninguém controla o Congresso, nem o povo, porque os mecanismos que o povo teria para fazê-lo (referendos e plebiscitos) são de uso exclusivo da Casa, e o voto quadrienal já se mostrou absolutamente insuficiente para isso.
O Brasil precisa rever sua Constituição com seriedade, mas nesse momento não há interesse por parte de quem a controla, nem o momento é propício a uma mudança, já que uma constituinte nesse momento tenderia apenas a agravar as distorções que já são claras na atual C-88, e ainda minar as conquistas que essa apresentou.
Lula precisa de mais que um recado, ele precisa é ter a coragem de se cercar de gente séria e enfrentar os problemas que se lhe apresentam, coisa que ele não faz, e como eu coloquei acima, são muitos e gravíssimos, porque desviam o eixo da política e colocam as decisões nas mãos dos que não têm responsabilidades por suas execuções. Ele precisa deixar de ser um líder aparente e se tornar um líder de fato.
Mas ele não o fará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário