terça-feira, 10 de julho de 2012

Quem deve promover a paz social é o Estado

Deu no "Correio Braziliense": "Por um código trabalhista adequado ao século 21".

Interessante, para análise, o artigo do deputado federal Laércio Oliveira. Partindo de fatos históricos e algumas evidências, constrói uma realidade que não se espelha nas vidas da grande maioria dos brasileiros. Então passemos a desmistificar tal discurso que ecoa uma vez mais no texto do parlamentar.

O início do processo é mais ou menos o que nos apresenta o texto, mas com a importante ressalva de que os sindicatos não aparecem e não existem para pacificar a relação capital-trabalho. Eles aparecem e existem para defender e buscar coletivamente os direitos e interesses da classe trabalhadora, nessa relação desigual que é a patrão x empregado. Eles são conflituosos em seu nascimento e em sua existência, não impedindo que, dependendo do contexto, tenham pontos convergentes com o patronato, o que possibilita que trabalhem juntos eventualmente.

Na verdade quem deve promover a paz social é o Estado, este sim criado e instituído com este fim.
Como o próprio Oliveira nos mostra não existia legislação ou mesmo um arcabouço jurídico trabalhista, ou seja, era a flexibilidade total. Empregadores e trabalhadores negociavam livremente salários, jornada de trabalho, etc, etc.

Foram criadas a CLT, a Justiça do Trabalho e um arcabouço sindical submetido à vontade do Estado. Em outras palavras o Estado brasileiro intervém na estrutura sindical com fim de controlar suas ações e claro beneficiar o patronato. Tanto é que o salário mínimo da época era menor que o praticado pelas empresas.
A CLT é arcaica? Não! Porque ela apenas normatiza e tira boa parte do conflito social existente as relações correntes entre capital x trabalho. Ela foi criada para retirar tal relação do caos e persiste assim até hoje. O que temos hoje é a comparação de mercados de trabalho industriais e pós-industriais com mercados que apresentam relações de trabalho pré-industriais. A flexibilização geral que se pede para nossas relações trabalhistas é baseada no início do capitalismo. Melhor dizendo tais reformas é que são anacrônicas.

Mas como tudo em nosso planeta, o mercado de trabalho também evolui, novas profissões surgiram e surgem assim como novas necessidades de empresas e trabalhadores. Uma revisão de nossa CLT é necessária, mas há que se tomar cuidado: não podemos retirar direitos daqueles que seguem em profissões tradicionais, apenas normatizar aqueles que se encontram fora de nosso arcabouço jurídico.

A questão da sociedade pós-industrial é outro equívoco do texto abaixo. Existem sim, no planeta, algumas sociedades que tendem a ser consideradas pós-industriais. Essas são sociedades em que a base de sua economia se desloca do setor secundário (indústria), para o setor terciário (serviços) e a produção de conhecimento (pesquisa) e produção de bens de alto valor agregado (com alta tecnologia). Essas são poucas.

No Brasil o que vemos é a tendência de uma desindustrialização do país, tendo parte importante de sua mão de obra migrado para o setor primário (extrativismo) e terciário. Mas a produção de conhecimento e de produtos com alto valor agregado, de modo geral, passa longe de nossa economia, o que demonstra mais um retrocesso. Não demos o salto em direção à sociedade pós-industrial, mas estamos dando o passo atrás para uma sociedade pré-industrial do início do séc. XX, com uma indústria voltada basicamente para nosso consumo.

O texto do deputado também sugere que deveríamos retirar direitos para que mulheres, jovens e idosos pudessem ingressar no mercado de trabalho. Simplesmente absurdo!

Por último sugere que o barateamento da mão de obra aumentaria a competitividade das empresas brasileiras.

O maior custo da economia brasileira hoje é devido à valorização completamente distorcida do real frente a outras moedas, à carga tributária excessiva e mal aplicada, e a falta de mão de obra qualificada em nosso mercado de trabalho.

Melhor seria que nosso deputado estivesse trabalhando pela melhoria de nosso sistema de ensino, pela redução de nossa carga tributária e sua aplicação eficiente para a sociedade, e pela correção das distorções econômicas que encarecem nossa economia.

Talvez assim a gente inclua a produção de conhecimento e de produtos de alto valor agregado, como setor de peso em nossa economia, e aí sim poderíamos reanalisar nossa sociedade e decidir se precisamos ou não de reforma em nossa CLT. Por enquanto deveríamos apenas normatizar aquelas profissões que se encontram fora de nosso arcabouço jurídico.

a matéria

Por um código trabalhista adequado ao século 21
Autor(es): Laércio Oliveira

Deputado federal, é presidente da Frente Parlamentar de Serviços e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)

A organização sindical brasileira protagoniza a tarefa de pacificar o relacionamento entre capital e trabalho, em uma atuação cujos primeiros registros remontam à Constituição de 1891 — a todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública. Esse nicho da sociedade civil foi paulatinamente ganhando força e espaço, do incipiente processo de industrialização do Brasil iniciado em fins do século 19, ainda sob o jugo das relações escravistas de produção, até o salto que aconteceu após a I Guerra Mundial; mais ainda a partir da crise econômica global de 1929, pela necessidade de substituir as importações e minimizar a dependência de capitais externos.

Não faltavam — como não faltam hoje — contradições e impasses inerentes ao convívio entre capital e trabalho. A Era Vargas surge como singularmente emblemática desse cenário. De um lado, Getúlio impôs uma estrutura sindical corporativista, subalterna ao Estado; de outro, criou o Ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Em que pese o mérito inquestionável da CLT em normatizar as relações trabalhistas, enfim assegurando à parte laboral proteções legais a direitos até então inexistentes, a autonomia sindical só seria razoavelmente restituída pela Constituição de 1946, portanto, após a derrocada do Estado Novo, no bojo do qual nasceu a CLT.

Transcorrido tanto tempo, sem demérito à sua inegável contribuição à história do trabalho no Brasil, a CLT se encontra num estágio de desconformidade com os novos movimentos e cenários trabalhistas, os quais precisam de normatizações adequadas. Portanto, por que ainda utilizamos esse compêndio ultrapassado chamado CLT?

Em outros termos, a CLT é um estatuto arcaico. Centenas de seus artigos estão obsoletos há décadas e não contemplam mais nenhuma aplicação coerente com o mundo atual do capital/trabalho. Há lacunas crescentes, por exemplo, nos mercados de tecnologia da informação, engenharia, diversão e arte, petróleo e gás, terceirização, emprego por tarefa, mineração, empresa individual, entre outros. Ademais, autonomia intelectual, dinamismo proatividade, criatividade e capacidade de adaptação são requisitos basilares hoje ao profissional ideal, sobretudo em meio à ascensão de atividades novas, como esteticista, gastrônomo, enólogo, barista, turismólogo, hoteleiro etc., em um panorama no qual o acompanhamento à agilidade do mundo moderno ditará o crescimento da economia nacional.

Investimentos em estudos e pesquisas destinados à criação e produção de itens de consumo inovadores exigem uma constante busca de amoldamento à realidade do mercado mundial. E essa, diretamente, demanda a flexibilização de contratos e o desenvolvimento de novo regramento jurídico trabalhista.

Na Câmara dos Deputados tramita um projeto de lei que propõe esse novo marco. Na justificativa do projeto está a cristalina realidade de uma sociedade pós-industrial cujos hábitos foram alterados pelo avanço tecnológico e pela globalização. Hoje, a inflexibilidade para se contratar é, sem dúvida, o mais grave problema da legislação trabalhista, pois impede a competitividade das empresas. O protecionismo exagerado da legislação laboral brasileira é, na atualidade, um óbice ao dinamismo do mercado de trabalho, além de contribuir para tornar cada vez mais difícil o acesso a ele por parte de trabalhadores já discriminados, como mulheres, jovens e idosos.

Portanto, reduzir a complexidade e o anacronismo da legislação atual para permitir que empregados e empregadores possam negociar condições de trabalho diferentes da lei, com todas as garantias previstas na Constituição Federal, é um desafio que precisamos enfrentar. Eis a oportunidade ideal de se construir uma nova história, com progresso e liberdade social, levando adiante a luta daqueles que sonharam o que hoje é realidade para todos nós.

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