Como vemos pelo artigo veiculado
pelo Valor Econômico, o governo brasileiro vem demonstrando interesse em
expandir as hidrovias, tanto na quantidade de carga transportada, quanto na extensão
de sua malha hidroviária. Mas entre o discurso e a prática vai um longo
caminho, e a reportagem do Valor Econômico nos dá alguns dados para basearmos
nossa afirmação.
Começa que existe um grande hiato
entre o volume de investimentos necessários para tornar as intensões do governo
em realidade. Tal hiato se dá nas previsões de valores feita pelo Ministério
dos Transportes e pela Confederação Nacional dos Transportes, e está baseada na
metodologia e no entendimento daquilo que se entende por hidrovia. Enquanto o
primeiro trabalha apenas com o conceito de tornar rios navegáveis, o segundo
entende por hidrovia uma série de adequações e medidas para tornar essa
navegação mais segura e permitir uma melhor utilização da hidrovia, o que
engloba investimentos em eclusas, sinalização, etc.
Além disso os orçamentos da União
têm vindo com valores destinados a investimentos nas hidrovias, e tais
investimentos não têm se concretizado, o que tem atrasado consideravelmente o
avanço no modal de transporte e, a se manter tal padrão, dificilmente irá
permitir a realização de tal discurso.
Atenção governo brasileiro,
precisamos de mais prática em cima de seus discursos.
Governo quer expandir uso de
hidrovias
Por Domingos Zaparolli | Para o
Valor, de São Paulo
O Plano Hidroviário Estratégico
(PHE), lançado em outubro pelo governo federal, prevê ampliar o transporte por
hidrovias no país dos atuais 25 milhões de toneladas anuais para 120 milhões
até toneladas até 2031. Para a execução desse projeto, técnicos do Ministério
dos Transportes estimam investimentos de R$ 17 bilhões até 2024 em
melhoramentos em pelo menos 21 mil quilômetros de rios que hoje já são
navegáveis, além da construção de infraestrutura em mais três mil quilômetros.
A Confederação Nacional do Transporte (CNT), por sua vez, avalia que são
necessários investimentos de R$ 50,2 bilhões para alcançar esses objetivos.
Francisco Luiz Baptista da Costa,
diretor de planejamento e política de transportes do ministério, diz que o
plano do governo foi realizado com base em um estudo da consultoria Arcadis
Logos e que, no momento, os esforços são de desenvolver os meios necessários
para incorporar esse projeto ao planejamento estratégico do governo a partir de
2014.
A ideia é que os investimentos sejam
executados pelo ministério com recursos orçamentários. "As ações ainda
dependem de maior atratividade para a iniciativa privada. O governo federal
disponibilizará a infraestrutura e a iniciativa privada assumirá a operação dos
transportes, nos portos fluviais e nas empresas de navegação", diz.
Segundo Costa, em um primeiro momento
o governo planeja priorizar 10 mil km de hidrovias que permitam o escoamento da
produção do interior do país de forma a descongestionar os portos do Sul e do
Sudeste. Sendo assim, as hidrovias prioritárias são a do Tocantins (de Marabá
até a foz); Madeira (de Porto Velho a foz); Tietê-Paraná-Parnaiba (entre São
Simão-GO e Salto- SP); Paraguai (entre Cáceres-MT e Corumbá-MS e Argentina); e
Brasil-Uruguai (Lagoas dos Patos e rios Jacuí e Taquari, no RS).
Para Bruno Batista, diretor executivo
da CNT, o plano do governo é muito tímido diante do potencial do país.
"Temos e não aproveitamos adequadamente a maior rede hidrográfica do
mundo", diz. O Brasil conta com 63 mil quilômetros de rios e lagos em 12
bacias hidrográficas, sendo que 41,6 mil quilômetros são navegáveis. Para cada
mil quilômetros quadrados, o Brasil conta com 2,5 quilômetros de infraestrutura
em hidrovias. Na Alemanha, país de referência nesse modal de transporte, são
20,9 quilômetros de infraestrutura para cada mil quilômetros quadrados. Na
China, 11,5 quilômetros e na Argentina 4 quilômetros.
Em termos de economia de combustível,
as hidrovias se constituem em um sistema de transporte bastante competitivo.
Para transportar uma tonelada de carga por mil km são consumidos 4,1 litros de
combustível em uma hidrovia. Nas ferrovias a mesma carga exige 5,7 litros e nas
rodovias 15,4 litros.
Esses dados constam de um estudo que
a CNT divulgou em novembro. Bruno Batista diz que, ao contrário do estudo do
governo, que foi elaborado por meio de estatísticas e projeções, a CNT foi a
campo dimensionar a demanda por infraestrutura, ouvindo usuários e operadores
de hidrovias. Até mesmo o diagnóstico da situação atual ficou bastante
diferente. Um exemplo. Enquanto o PHE aponta que hoje são transportadas 25
milhões de toneladas anuais pelos rios, o estudo da CNT constatou que já são
quase 81 milhões de toneladas transportadas.
Em relação à diferença de R$ 33,2
bilhões entre a necessidade de investimento prevista no PHE e a apurada pela
CNT, Bruno Batista afirma que há um descompasso de metodologias. Enquanto o
governo trabalha com o conceito de adequação para tornar rios navegáveis, a CNT
leva em consideração a constituição de hidrovias, com sinalização adequada,
cartas marítimas, balizamento, controle e gerenciamento, além das obras de
infraestrutura, como construção de eclusas, dragagem, aprofundamento de leito e
a construção de terminais portuários. "Hoje apenas a Tietê-Paraná, no
país, pode ser considerada uma hidrovia pelos conceitos modernos", afirma.
O documento da CNT também aponta que,
entre 2002 e junho de 2013, o governo federal autorizou investimentos de R$
5,24 bilhões em infraestrutura hidroviária, mas aplicou R$ 2,42 bilhões.
Batista diz que a situação dos investimentos nesse ano é ainda pior. Dos R$ 2,9
bilhões previstos pelo governo, apenas R$ 302 mil foram efetivados até
setembro. "Com esse histórico é difícil acreditar que o governo será capaz
de concretizar os investimentos previstos no PHE", diz.
O consultor Renato Pavan, da
Macrologística, diz que estabelecer infraestrutura em hidrovias, principalmente
quando é necessário construir eclusas, de fato, é um investimento alto e pouco
atrativo para a iniciativa privada. Portanto, é natural que essas obras fiquem
a cargo do poder público. Mas ele avalia que o governo peca por não fazer um
diagnóstico adequado das necessidades e prioridades.
Pavan recentemente coordenou um estudo
para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre logística na região da
Amazônia Legal. O trabalho constatou que a construção de hidrovias adequadas
nos principais rios do Norte do país permitiria uma economia de R$ 5 bilhões
por ano, o que corresponde a 5% do PIB da região. Isso não leva em conta os
benefícios socioambientais.
A
construção de uma hidrovia nos rios Teles Pires, Jurema e Tapajós demanda
investimentos de R$ 4 bilhões, mas seria capaz de gerar economias anuais de R$
2 bilhões por ano. "O investimento se pagaria em dois anos", diz
Pavan. Mas essa possibilidade pode se tornar impraticável brevemente. Ocorre
que o governo programa a construção de três hidrelétricas no Teles Pires e em
nenhuma delas está prevista a construção de eclusas que tornaria a navegação
viável. "Isso é falta de planejamento", diz o consultor. No rio
Madeira, o problema já é uma realidade. As hidrelétricas Jirau e Santo Antônio
foram erguidas sem eclusas.
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