sexta-feira, 4 de abril de 2014

Blog dos Mercantes e a “defesa” dos trabalhadores pelos patrões

Conheci Wilen Manteli há uns oito anos, quando estive representando a ITF em um seminário ocorrido em Vitória, e promovido pela Federação de trabalhadores portuários que representa a categorias como Arrumadores, Conferentes, Vigias, e algumas outras. A ideia do seminário era discutir problemas dessas categorias e tentar apontar caminhos. Provavelmente Manteli não se lembra de mim, já que fomos apresentados muito rapidamente, mas eu lembro muito bem da palestra que apresentou e da forma como na maior cara-de-pau atacou os trabalhadores portuários.

E foi isso que mais uma vez Manteli fez no artigo abaixo. Que tenha sido veiculado em um jornal da grande mídia, isso não nos estranha. Foi O Estado de São Paulo, mas poderia ter sido qualquer outro. A ideia de usar tal veículo para divulgar sua posição, é criar antipatia e uma resistência na sociedade aos portuários, e nada melhor que um veículo da grande imprensa, e com “grande credibilidade”, para participar nesse projeto.

E o objetivo de Manteli se mantém. Com um discurso de que quer defender o trabalhador portuário, de que as mudanças trazidas pela Lei 12.815 é um retrocesso na organização do trabalho portuário brasileiro, prejudicial aos portos e terminais e, por conseguinte, aos portuários mesmos.

Portanto analisemos suas colocações: a primeira é a obrigatoriedade de recrutamento de trabalhadores do Ogmo, quando na Conv. 137 da OIT, isso é apenas preferencial. Assim como quando querem contratar a vínculo por prazo indefinido, essa preferência também existe. Acontece que no Brasil os operadores portuários utilizam a prática de oferecer salários irrisórios para os trabalhadores do Ogmo, quando querem contratar por tempo indeterminado, o que obviamente leva os trabalhadores a rejeitar os empregos e os empregadores se acham no direito de buscar trabalhadores NÂO SINDICALIZADOS no mercado.

Outra questão é a do treinamento e idade dos trabalhadores. Primeiro, que a grande maioria dos terminais vem se recusando a dar o treinamento adequado aos trabalhadores há tempos. Tal não acontece quando se tratam de trabalhadores de fora do Ogmo. Mesmo assim o treinamento dado é normalmente o básico, já que a grande ideia é não investir em treinamento, já que essa rubrica é tida pela maioria dos empregadores como despesa, e obrigação do trabalhador. Quanto à idade dos trabalhadores, essa é apenas uma desculpa para não fazerem o que já não fazem. Também desculpa para que se desmobilizem os Ogmos, ficando apena com os trabalhadores necessários para garantir os trabalhos em momentos de pico de movimento dos portos, quando os quadros permanentes dos terminais se vêm sobrecarregados.

Da mesma forma trata a questão da garantia de ganho mínimo aos trabalhadores portuários. Algo que os empregadores sempre se recusaram a dar, também tentam imputar a culpa nos trabalhadores pela não implantação desse direito, devido ao inchaço nos quadros dos Ogmos, ou seja, outra vez culpa dos trabalhadores.

Por último o cerne da questão: os sindicatos. Manteli é claro quando diz que os empregadores não querem negociar com os sindicatos existentes. Não por serem muitos ou por isso entravar as negociações. Isso é assim há pelo menos 100 anos. Os sindicatos que representam as categorias portuárias têm quase todos essa idade. Foram dos primeiros sindicatos do país, participaram e promoveram as primeiras greves. São combativos até hoje.

E é isso que Manteli quer evitar: combatividade. O que Manteli quer é negociar com sindicatos novos, inexperientes, pouco representativos, pois seus trabalhadores estão portuários, mas podem deixar a beira do cais a qualquer momento. Enfim, o que ele quer é negociar com sindicatos fracos, que colocarão pouca ou nenhuma resistência, para que os empregadores imponham baixas condições financeiras, sociais, de segurança e de higiene em Acordos Coletivos que darão “respeitabilidade” às relações trabalhistas no porto, mas que no fundo não passarão de fachada.

O Blog dos Mercantes só concorda com Manteli em um ponto: a Lei 12.815 errou. Ela deveria ter estendido os direitos acima e a obrigação do uso de trabalhadores oriundos do Ogmo a todos os trabalhadores portuários e a todos os terminais, e não apenas aos estabelecidos no chamado porto público.

Bom, é direito dele defender seus interesses, e é nosso denunciar suas falácias.






Em defesa do trabalho portuário

Por Wilen Manteli

Pressões sindicais levaram o Congresso Nacional a inserir no novo marco regulatório do setor portuário mudanças que terão impacto econômico negativo, especialmente nos portos públicos. O texto final da Lei n.º 12.815 restabeleceu o monopólio sindical do trabalho avulso, que havia sido extinto pela lei anterior (n.º 8.630/1993). Três dispositivos consumaram esse retrocesso: a proibição de recrutar, mesmo para vínculo empregatício, qualquer trabalhador não pertencente aos quadros do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo); a elevação de todos os segmentos do trabalho portuário avulso à condição de categorias diferenciadas; e a permissão para que trabalhadores aposentados permaneçam nos quadros do Ogmo. Esse conjunto de alterações configura um retorno aos anos 1940.

A obrigatoriedade do recrutamento no Ogmo de trabalhadores que até então as empresas podiam buscar no mercado, treinando-os sob medida para suas necessidades, fere a liberdade de contratar consagrada na Constituição, além de dificultar a formação de equipes afinadas, capazes de atuar como um time focado em resultados. A estratificação e a constituição dos avulsos em categorias diferenciadas, por sua vez, deixarão os portos brasileiros mais distantes da multifuncionalidade - meta indispensável à integração operacional porto-navio -, tornando o trabalho mais complexo, demorado e caro, pela impossibilidade de se implantar um comando único. Essa fragmentação irá, ainda, acirrar conflitos sindicais com os terminais privados, pois, na falta de um sindicato preponderante, as empresas serão obrigadas a negociar com cada uma das seis categorias de trabalhadores avulsos. O trabalhador mais jovem, justamente aquele com maior potencial para a multifuncionalidade, ficará engessado dentro de sua categoria, com chances limitadas de ascensão profissional.

O trabalhador avulso que se aposentar poderá permanecer no Ogmo, inchando continuamente o seu contingente e inviabilizando programas avançados de capacitação, uma vez que as empresas não terão interesse em custear treinamento para profissionais em fim de carreira ou sem condições de trabalhar. Um quarto dispositivo - o da garantia de renda mínima, que em princípio seria justo para com os trabalhadores -, articulado com os demais, servirá somente para elevar o custo da movimentação portuária, sem contrapartida em aumento de produtividade. A garantia da renda mínima deveria ser considerada somente após o atendimento das demais recomendações da Convenção n.º 137 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), firmada em 1973 para atenuar os efeitos sociais da automação das operações portuárias.

Muito citada, mas pouco respeitada no Brasil, a Convenção n.º 137 determina que os portuários registrados tenham prioridade no acesso ao trabalho e que estejam disponíveis para trabalhar de acordo com a legislação ou a prática nacionais (art. 3.º); e recomenda que os quadros profissionais sejam periodicamente revistos conforme as necessidades do porto (art. 4.º). A OIT propõe, estabelecido nos portos brasileiros.

Cabe ao governo a responsabilidade de administrar os conflitos que inevitavelmente virão. Será necessário criar um estímulo para o cancelamento da matrícula no Ogmo, por meio de negociações em cada região portuária entre governo, empresários e trabalhadores. Dessa forma, sim, estaremos atendendo à Convenção n.º 137 da OIT, que se aplica, expressamente, "às pessoas que trabalham de modo regular como portuários, e cuja principal fonte de renda anual provém desse trabalho" (art. 1.º). Não há melhor garantia para o trabalhador do que a qualificação técnica permanente. A postura do governo diante das relações entre capital e trabalho nos portos terá grande relevância para definir se continuaremos atados a práticas do passado ou se estamos dispostos a encarar os desafios do século 21.


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