O texto abaixo foi retirado de
uma coluna da Folha de São Paulo, e escrito por Ricardo Melo, cujo CV reduzido
está no final do texto. E esse texto é interessante porque trata de um tema que
é muito recorrente em vários setores de nossa sociedade, mas que o Blog dos
Mercantes ainda não chegou a tratar: o “Lucro Brasil”.
Normalmente falamos do “Custo
Brasil”. E ele realmente costuma ser mais alto que em outros lugares. Liderado
pela infraestrutura defasada e mal mantida, custos como energia, opção e rede
de transporte deficitário e equivocado, mão-de-obra mal qualificada, costumam
estar entre os campeões de reclamações das empresas instaladas no Brasil, além
de impostos e taxas. Esse problema sempre foi muito maquiado pela baixíssima
remuneração recebida pelos trabalhadores brasileiros, que compensavam muito
essa questão. Hoje, com países como a China oferecendo mão-de-obra até escrava,
e com a valorização do real frente a outras moedas, esse paliativo já não se
faz sentir tanto. Ainda assim ameniza esses problemas nacionais.
Mas há outro aspecto de toda essa
questão que as empresas, principalmente as grandes e as multinacionais, se
recusam em falar e debater, aparecendo sempre com desculpas esfarrapadas para
manter as coisas do jeito que estão, e criando formas, nem sempre éticas, de
pressionar o governo em busca de benesses: o “Lucro Brasil”.
Há coisa de 3-4 anos, enquanto o
governo brasileiro fazia uma renúncia fiscal considerável, e reduzia impostos
consideravelmente para estimular a indústria automobilística em troca da
manutenção de empregos, essa mesma indústria aumentava o preço dos automóveis e
exportava mais de US$ 5 Bi em royalties para suas matrizes, que viviam momentos
realmente difíceis devido à crise iniciada em 2008. Chegamos ao ponto de ser
comentado que o Brasil estava sustentando a indústria automobilística mundial.
Claro que isso era um exagero, mas que participávamos fortemente nessa conta é
verdade.
A indústria automobilística é um
exemplo. Podemos estender essa situação para vários outros ramos de atividade
no país, como a indústria farmacêutica, a construção civil, etc. Os dados
utilizados por Ricardo Melo são sintomáticos de tal condição. Em um ano em que
estamos já dando mostras de uma recessão iminente, quando os investimentos
diminuem, quando o mundo segue em marcha lenta, se recuperando de uma grande
queda na atividade econômica que já perdura vários anos, o Lucro Brasil dá o ar
da graça e sobe cerca de 4% acima da inflação.
Isso não é uma situação exclusiva
do Brasil. Nos EUA, após a queda das torres, quando o país entrou em séria
crise econômica, o governo americano abaixou impostos como forma de incentivar
a economia. Essa redução de impostos foi praticamente totalmente incorporada ao
ganho das empresas, e o lucro das mesmas cresceu de forma astronômica, muito
acima do que se esperava em nosso vizinho do norte.
O Blog dos Mercantes entende
perfeitamente que o papel de qualquer gestor de uma empresa, é sempre buscar o
melhor resultado possível. Quando esse gestor tem condições de chegar próximo
ao governo e pressioná-lo para tirar vantagens para sua empresa, eles irão
fazer isso. Cabe aos governos terem uma visão mais clara da situação e
arbitrarem a coisa de foram a proteger os interesses da população e do país,
porque se o papel do gestor de uma empresa é zelar pelos interesses de sua
empresa, o do governo é de zelar pelos interesses do país e de seus cidadãos.
DE SÃO PAULO
25/08/2014 02h00
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Vejam esses números a respeito de
um certo país. O lucro líquido somado de 362 empresas de capital aberto
cresceu, no segundo trimestre de 2014, 11,46% com relação ao mesmo período do
ano passado. Subiu de cerca de R$ 35 bilhões para R$ 39,3 bilhões.
Se as empresas estatais saírem do
cálculo, as cifras são mais impressionantes. Na comparação dos mesmos períodos,
os valores avançaram de R$ 21,4 bilhões em 2013 para R$ 31,6 bilhões neste ano,
um salto de 47,58%!
Os dados são de uma consultoria
respeitada, a Economática. Referem-se, isso mesmo, ao Brasil. Estatística de
consultor, bem entendido, não é artigo propriamente em alta. Mas isso sobretudo
quando o assunto são previsões.
É aí que o pessoal costuma se
esborrachar feio. No caso, porém, não se trata de projeções. Estamos diante de
números realizados, contabilizados e divulgados. Dinheiro que já entrou no
bolso, limpinho, limpinho (às vezes nem tanto...)
Virou chavão nos últimos tempos reclamar
da perda do chamado espírito animal do empresariado. A culpa geralmente é
lançada na conta do governo: não dialoga com os magnatas, muda regras toda
hora, intervém demais, gasta muito com programas assistenciais.
Bem, mesmo nesse cenário pintado com
cores sombrias, de um ano para o outro o lucro das companhias com ações
negociadas em bolsa disparou quase 50%! Haja voracidade animal. Ou seja, as
coisas não se encaixam. Ganha um cartão de crédito com juros decentes o
assalariado que conheceu salto tão espetacular no holerite. Nem é preciso
lembrar que, na área privada, o setor financeiro lidera o ranking da fortuna.
Números assim, que nem são novos,
mas permanecem quase escondidos, colocam o debate num patamar mais honesto. O
objetivo não é ocultar problemas; eles são muitos e reais. Por exemplo: o
crescimento do país, na medida clássica, o PIB, vem patinando.
Como a própria Folha nos
informou, em manchete neste domingo, o esfriamento se alastra pelos emergentes
como um todo, "da Rússia ao Chile". Queira-se ou não, o mundo inteiro
ainda sofre os efeitos devastadores do crash de 2008.
A grande proeza brasileira é ter,
apesar de tudo, conseguido estabilizar o emprego em níveis civilizados, custear
programas sociais de resultado indiscutível e, como se percebe na ponta do
lápis, manter as empresas muitíssimo bem, obrigadas.
Algum desavisado vindo de fora
nos dias recentes deve pensar que haverá em outubro eleições para entidade
empresarial. Motivo: o mote mais difundido por uma parte da mídia é a pretensa
necessidade de acalmar mercados.
Presa dessa ilusão depois de
transformada em candidata competitiva, Marina Silva corre para decorar o
script. Nomeou uma banqueira como fiadora e se mostra disposta a alargar
alianças além das fronteiras antes sustentáveis, ou suportáveis, pela sua Rede.
Até agora não entusiasmou nem gregos, nem troianos. Apenas piorou o humor de
seu rival na oposição.
É um jogo de alto risco. A força
eleitoral de Marina vem justamente do seu lado outsider. Ao mesmo tempo, esta é
sua fraqueza junto ao establishment. Você imagina um empreiteiro doando fundos
para uma candidata adversária de hidrelétricas?
Bem, nada parece impossível num
país onde um político como José Roberto Arruda, mentiroso confesso e corrupto
notório, flagrado em áudio e vídeo, lidera intenções de voto em seu quadrado.
Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na
Folha, foi editor de 'Opinião', editor da 'Primeira Página', editor-adjunto de
'Mundo', secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do 'TV Folha',
entre outras funções. Também foi chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de
Televisão), editor-chefe do 'Diário de S. Paulo', do 'Jornal da Band' e do
'Jornal da Globo'. Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento
estudantil 'Liberdade e Luta' ('Libelu'), de orientação trotskista.