Pessoal, tivemos alguns movimentos geopolíticos interessantes nos
últimos dias. Um dos mais importantes foi o ataque de Israel a Doha,
capital do Catar. Enquanto representantes do Hamas se preparavam para
mais uma reunião de negociação com os estadunidenses na busca para
uma paz na Faixa de Gaza, aviões israelenses atacaram o local da
reunião. Mas os palestinos não foram atingidos porque haviam
deixado seus celulares no local, e saíram para rezar em uma
mesquita. Provavelmente houve vazamento de informação acerca da
operação, mas isso não isenta o fato de mais uma vez o EUA
distrair líderes do Oriente Médio com uma negociação, enquanto os
israelenses se preparam e executam um ataque da chamada
“decapitação”, ou seja para matar lideranças políticas e/ou
militares de países e etnias da região. Muitos analistas
geopolíticos, incluindo ex-militares estadunidenses, acreditam numa
“participação consciente” do EUA nesses ataques. Pessoalmente
eu não discordo desta análise, mas ressalvo o fato de que não há
provas concretas dessa participação intencional dos estadunidenses,
ainda que haja muita evidência indireta disso, até porque o próprio
Presidente do EUA nos faz o favor de concordar e dar apoio a este
tipo de ação, em todas as vezes que elas ocorrem, tornam esse tipo
de análise extremamente plausível, ainda mais do que aquelas que
apenas indicam uma participação “passiva” dos estadunidenses.
E
apesar de o evento ter gerado revolta no mundo árabe, não acho que
seja o estopim para uma ação concreta contra Israel pelos países
da região, ao menos não neste ponto da História. Mesmo com a
reunião que houve com líderes dos países da região, das muitas
notas de repúdio, e de o Irã ter chamado os países da região a
uma reação aos atos israelenses, o fato é que os laços que os
líderes árabes têm com o Ocidente ainda são demasiado fortes para
garantir uma revolta no momento, mas isso pode mudar, e para isso
basta que o Ocidente não mude o modo de aproximação com eles,
enquanto as novas forças seguem avançando. Por mais que tenhamos
laços, por mais que tenhamos interesses, uma hora os abusos serão
excessivos, e uma reação pode ocorrer, ainda mais com o
enfraquecimento nítido que os ocidentais estão mostrando.
O
enfraquecimento Ocidental fica claro quando o Catar cancelou uma
compra junto a Boing estadunidense de USD 158 bilhões, e outra de
armamentos estadunidenses de USD 42 bilhões. Os aviões podem ser
substituídos por europeus, ou mesmo a Embraer brasileira, enquanto o
armamento deve ser substituído por similares chineses.
Mais
para a Ásia Central tivemos a derrubada do governo do Nepal, e o
motivo teria sido uma proibição de uso das redes sociais virtuais
Ocidentais no país. Casas de Ministros foram queimadas, membros do
governo arrastados e agredidos pelas ruas, o governo caiu e um novo
foi eleito com participação forte da rede social online discord.
A
nova primeira-ministra do Nepal, Sushila Karki, de
73 anos,
fez
um discurso em que diz que atenderá os anseios da chamada geração
“Z”, que foi a grande responsável pelas mudanças no país. Vale
ressaltar que há muitas nuances no Nepal, e as divisões religiosas,
que garantem relações e influências de e nos países em volta são
importantes nesta equação. O que pode ser mais impactado é a
Índia, vizinha do Nepal, e em processo de
tentativa de
desestabilização pelos estadunidenses. Por sinal, o embaixador
estadunidense no Nepal já fez um discurso de apoio e cooperação
com o novo governo.
No
Leste europeu tivemos um exercício militar com a presença de 100
mil soldados russos e bielorussos. Também tivemos pequenos
contingentes da Índia, Irã, Congo, Burkina Faso, e Mali, além de
observadores internacionais, incluindo estadunidenses. Cerca de
10.000 sistemas de armas foram usados no treinamento. Os destaques
foram as simulações de uso de mísseis Iskander, Zirkon, Oreshnik e
de aviões de bombardeio estratégico. O exercício fez com que a
Polônia fechasse suas fronteiras com o Oriente e deslocasse 40.000
homens para as fronteiras com Kaliningrado e a Bielorússia, além de
ter gerado alerta na NATO. Apesar disso não houve incidentes
internacionais durante o evento, que teve um Putin vestido em
uniforme militar supervisionando a última etapa do treinamento. As
mobilizações do tipo feito pela Polônia são comuns de lado a lado
nesse tipo de treinamento, mas um Putin em uniforme militar parece
mais um recado de prontidão para a guerra, mesmo que outros canais
russos peçam negociações e paz. É só lembrarmos da última vez
em que Putin vestiu um uniforme militar, justamente num momento de
tensão aumentada com a NATO, e na sequência tivemos uma crescente
nas ações militares russas na Ucrânia. É possível que vejamos
mais um aperto na ação militar contra o exército ucraniano, cujos
sinais de debilidade são cada vez mais nítidos, apesar das
retaliações que vez ou outra vemos em território de Novarússia,
ou mesmo do território tradicional da Federação Russa. Isso parece
certo já que a quantidade de mísseis e drones usados contra o
território ucraniano voltou a aumentar, já ultrapassando as 800
unidades conjuntas em um único ataque.
Um
desdobramento meio inesperado do treinamento das forças russas e
bielorussas é que após o seu fim os poloneses anunciaram um
fechamento a tempo indeterminado da fronteira com o Oriente. Essa é
uma das rotas das chamadas “Novas Rotas da Seda”, ou “Iniciativa
Cinturão e Rota”, que é o nome oficial dos corredores de comércio
utilizando ferrovias de alta velocidade que vêm sendo desenvolvidos
pelos chineses há pelo menos uma década. Na verdade, essa é a
principal rota para se chegar ao Norte da Europa neste momento. O
resultado é que a China está inaugurando a primeira rota comercial
pelo Ártico. O navio Istambul Bridge será escoltado por
quebra-gelos, e deve atingir o porto britânico de Felixstowe em 18
dias, contra uma viagem de cerca de 30 dias pelas rotas marítimas
tradicionais, e de 25 pela rota ferroviária.
Além
da rota comercial com um potencial incrivelmente lucrativa, o
controle do Ártico ainda permite o acesso a enormes reservas de gás,
petróleo, e outros minerais. Por isso a briga pelo controle da
região é tão grande, e a verdade é que os Russos estão bem à
frente de seus concorrentes no momento, seja pela presença efetiva
na região, com bases, povoações, etc, como também com
equipamentos e tecnologia adequada a adentrar e habitar num dos
ecossistemas mais inóspitos do planeta.,
Outro
fato inusitado foi a entrega da primeira turbina iraniana de geração
de energia para os russos. A turbina é propulsionada a partir do
gás, recurso vastíssimo na Rússia, e substituirá turbinas de
geração alemãs fornecidas pela Siemens. As turbinas prometem ser
30% mais eficientes do que as alemãs, ou seja, proverão 30% a mais
de energia elétrica com o mesmo consumo de gás.
Na
sequência tanto China quanto Rússia informaram que não aceitarão
e não aplicarão as sanções aprovadas pela ONU contra o Irã.
Segundo ambos os países as sanções são ilegais, abusivas e
injustas.
Como
vemos, o mundo já está bem diferente daquele que saiu dos
confinamentos gerados pela COVID-19 no final do 2.021 e início de
2022. É ainda mais diferente do que aquele que entrou nos
confinamentos no início de 2020. Ainda não está consolidado, ainda
tem muito o que evoluir (não no sentido de melhorar, mas de mudar),
e ainda não tem sua formatação final para quando toda essa disputa
se acalmar e o planetinha azul em que vivemos possa ter um pouco mais
de estabilidade, mas uma coisa é certa, é muito difícil que
tenhamos um retorno à estrutura que tínhamos antes de todo esse
processo começar. Primeiro porque as forças que comandavam o
planeta já estavam debilitadas naquela época, e essa situação
apenas se acentuou para esse momento. Por fim porque temos visto
muitos erros, que apenas aprofundam as debilidades que essas forças
já mostravam, ou seja, tudo o que fazem para reverter a situação é
em base de uma força e um poder que já não têm, e isso apenas
acelera e aprofunda as mudanças em curso.