Falaremos agora sobre o futuro do mundo.
Pessoal, que arrogância, heim? “Falaremos sobre o futuro do mundo”. Bom, talvez não cheguemos a tanto, mas chegamos perto disso, porque ontem tivemos a tão esperada reunião de cúpula entre EUA e Rússia. Não foi um encontro de apenas seus presidentes, mas incluiu mais 2 assessores de cada lado. Não se sabe exatamente o que foi tratado durante as pouco mais de 3 horas a portas fechadas, e não se falou absolutamente nada de específico do que ou como cada ponto foi tratado, menos ainda da definição desses pontos, e praticamente tudo o que se fala por fora dessa reunião não passa de especulação. Além dos 6 que estiveram presentes nesse sala, apenas algumas outras poucas pessoas já devem ter sido informadas sobre o conteúdo das conversas. Zelensky e seus auxiliares mais diretos, alguns líderes europeus e seus assessores mais próximos, e líderes da NATO, talvez da UE, uns poucos alto comissários dos governos estadunidense e russo. A princípio mais ninguém, e fora os alto funcionários dos governos estadunidense e russo, os outros devem ter sido informados de temas que lhe dizem respeito direto, e outros pontos da conversa devem ter sido omitidas a eles.
E isso não tem nada de mais, é assim mesmo que as coisas funcionam. Mas apesar de não termos sido informados claramente dos temas discutidos e dos avanços obtidos, isso não significa que não saibamos de absolutamente nada do que ocorreu, e é por isso que podemos analisar a reunião. Então vamos a eles.
Alguns sintomas que eram temidos por muitos analistas, que eu não descartava de ocorrerem, e que eu disse que os russos tirariam de letra. Começou com Lavrov chegando com um agasalho da União Soviética (mesmo no verão o Alasca pode ser bem frio). Isso não era um desafio ou um aviso de voltar à configuração territorial do passado como alguns desesperados saíram divulgando, mas um retorno da altivez e do poder. A Rússia não quer retomar o território soviético, mas já retomou a importância, o poder e ela terá que ser respeitada. É isso que esse agasalho significa.
Na chegada de Putin, alguns sintomas ambíguos, mas interessantes. Trump aplaudiu e recebeu o russo com um sorriso, e foi criticado pela mídia estadunidense por isso. Um desfile aéreo com um bombardeiro estratégico escoltado por alguns caças, que ambos viraram a cabeça para olhar. Qual o objetivo disso? Após a foto oficial, Trump pareceu puxar a mão de Putin para tentar desestabilizá-lo, não conseguiu e Putin puxou a mão para onde deveria estar. Mas coisas menores dentro do contexto geral. Podem ter tido a intenção de desestabilizar os russos, se foi isso não chegou nem perto. Se foram apenas coincidências, apenas mostra certa falta de cuidado.
Apresentação oficial, quando repórteres tentaram lançar perguntas a Putin, que chegou a fazer algumas graças, gerando até mesmo memes nas redes sociais.
Portas fechadas, e ninguém sabe o que realmente ocorreu lá dentro.
Na sequência a declaração dos dois líderes, em que os especialistas em relações internacionais dizem que houve uma inversão de ordem nas declarações, com Putin falando primeiro. E ele falou pouco, mas disse muito. E o que ele disse já foi dito diversas vezes. Disse que espera que não haja a tentativa de sabotar um processo de paz na Ucrânia, ou seja, ele deve ter chegado a algum acordo com Trump, mesmo que parcial. Disse que todas as demandas russas devem ser respeitadas e atendidas. Agradeceu a Trump e disse que realmente, fosse ele o Presidente dos EUA, provavelmente não teria havido conflito na Ucrânia, mas não deixou de dar ao EUA sua culpa nos acontecimentos, quando afirmou ter falado várias vezes com o antecessor de Trump na tentativa de evitar o conflito, mas foi ignorado. Com isso ele afagou a alma do estadunidense e ainda lhe deu a oportunidade de tirar o EUA do conflito tendo a desculpa do “conseguimos um acordo, se vocês não aderem ao acordo fica por sua conta e risco”. Só que a Europa, e muito menos a Ucrânia têm a menor condição de prosseguir com o conflito sem o Tio Sam, mesmo que ainda compre armas do EUA, os problemas sociais que traria ao Velho Continente seriam desastrosos para todos eles.
Por sua vez Trump não deixou de aproveitar a oportunidade para passar a responsabilidade justamente a Zelensky e aos europeus. Disse que está servindo como uma espécie de ponte, que espera que eles aceitem as propostas, falou da boa vontade de Putin em alcançar a paz, e dos avanços que tiveram em vários pontos, ainda que não em todos. Ao final falou de mais uma reunião com os russos, quando Putin falou que isso deverá ocorrer em Moscou, ao que Trump respondeu que teria muitas pessoas contra isso no EUA, mas que poderia ser arranjado.
Falou-se também em melhoria de relações entre os dois países, inclusive comercialmente.
Ao fim o encontro foi muito importante e certamente apresentou avanços. Algumas coisas claramente ficaram para serem discutidas com outros atores, como as garantias de segurança aos ucranianos e aos próprios europeus, e isso precisa ser negociado com eles, mas parece que Trump aceitou os termos russos, todos os que eles têm colocado publicamente na mesa, como as questões de segurança, a incorporação da Crimeia e dos oblastes conquistados. Parece que algumas questões comerciais russas também estão sendo discutidas, e alguns interesses comerciais estadunidenses também.
O ponto agora é como reagirão europeus e ucranianos. Até o momento o isolamento a que foram colocados nessas negociações não parece que caiu muito bem entre eles, e houve protestos de algumas lideranças sobre sua ausência na mesa de negociações. Mas como eu disse num outro texto que publiquei pouco antes do encontro, a subserviência com que se colocaram frente a pressão econômica de Trump, o acordo ridículo aceito pela liderança da UE, apenas mostra que eles não têm o que fazer naquela mesa. Cabe agora a Trump enfiar mais um acordo goela abaixo dos europeus. E nem será um acordo desvantajoso a eles, porque no campo de batalha eles não têm a menor condição de virar o jogo, e quem vence impõe as regras. A saída por um acordo diplomático é ótima aos europeus, porque disfarça a humilhação de uma iminente derrota com a consequente rendição, em um acordo diplomático, com ares de negociação.
Como eu disse, a depender do que Trump consiga com seus aliados da NATO, então poderemos ter um cessar-fogo em tempo relativamente breve na Ucrânia. Mas deve ser realmente breve, porque os russos seguem avançando, e a Ucrânia está cada vez mais debilitada e sem condições de resistir ao avanço que vem do Leste. Seja como for, caso os aliados da NATO rejeitem as negociações de Trump, não será de admirar que ele os deixem pendurados na broxa. Putin e Trump deixaram aberta essa possibilidade, ainda que esperem por um acordo.
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