sábado, 30 de outubro de 2010

Supergargo é isso aí, mas por quê?

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Embora a utilização de navios de carga geral tenha declinado muito nas últimas duas décadas, os supercargos continuam a ser muito utilizados pelas empresas que exploram esse tipo de embarcação.

O artigo do CLC Humberto de Lima Moraes é ótimo para quem nunca esteve embarcado em navios de carga geral entender um pouco mais sobre a figura desse profissional, que, frequentemente, é escolhido entre os oficiais mercantes. Devido minha experiência no embarque de carga geral no porto do Rio de Janeiro, vou fazer uns pequenos acréscimos que creio necessários para que o perfil se complete.

O supercargo normalmente é responsável simultaneamente por vários navios, ou mesmo por várias linhas comerciais de uma empresa. A forma de divisão do trabalho do supercargo varia um pouco em cada empresa, mas dificilmente algum deles opera apenas um navio por vez, estando o mesmo a bordo da embarcação que se considera mais problemática ou com maiores riscos para a empresa.

Vale também a menção de que os supercargos começaram a ser utilizados quando as bandeira de conveniência tiveram seu “boom” de utilização, substituindo as frotas das bandeiras tradicionais devido aos custos operacionais indiscutivelmente mais baixos. Mas junto com esses custos mais baixos, vieram tripulações que, em sua maioria, eram mal treinadas e inexperientes, criando muitos problemas operacionais aos armadores. A solução encontrada foi a criação da figura do supercargo, como forma de minimizar as mazelas que se seguiram a isso, incluindo a proteção comercial do armador em operações de rotina, a qual boa parte dos tripulantes das BDCs não estão em condições de fazer.

Embora a utilização de navios de carga geral tenha declinado muito nas últimas duas décadas, os supercargos continuam a ser muito utilizados pelas empresas que exploram esse tipo de embarcação. Também vale mencionar que as cargas transportadas por esses navios mudou nas últimas décadas, configurando-se basicamente nos chamados neo-granéis (grandes partidas de produtos siderúrgicos, madeira, celulose, açúcar etc.)."

O que é bom é pra sempre. Uma boa música, por exemplo - 2


Europe: a banda durou pouco mais de uma década e alcançou o estrelato com o álbum"Its The Final Countdown" em 1986. Essa música que deu título ao álbum é com certeza uma das melhores de nossa seleção "hollywood" e marcou toda uma geração.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A cabotagem brasileira tem futuro

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A cabotagem brasileira tem futuro, e os investimentos da Log In não fazem nada mais que comprovar isso. Óbvio que podemos melhorar as condições para todos os atores envolvidos nos serviços de transporte marítimo, sejam armadores, embarcadores, ou trabalhadores. As mesmas medidas aplicadas para incentivar a cabotagem teriam efeito análogo para o longo-curso, ainda que no longo-curso as condições de competição sejam ainda mais acirradas. Quanto aos trabalhadores ainda temos muito que avançar nas relações capital x trabalho, para que tenhamos condições realmente atrativas aos trabalhadores brasileiros.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Não Falamos Sós!

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Não podemos negligenciar os direitos dos trabalhadores do setor, sob risco de passarmos a ter "mineiros chilenos" a bordo de nossos navios.

 Ainda que a grande mídia tenha por costume defender a flexibilização das leis e direitos trabalhistas, com base no argumento de que isso traria progresso, existe uma vasta gama de intelectuais, juízes, advogados, sindicalistas e vastos setores da sociedade que compreendem a falácia de tal argumento.

O juiz trabalhista, Jorge Luiz Souto Maior, se utiliza de forma muito hábil do caso dos mineiros chilenos para mostrar os problemas que a flexibilização das leis trabalhistas causaram no país irmão. Aqui vale lembrar que o Chile é frequentemente festejado pela imprensa como exemplo de sucesso a ser seguido por outros países latino americanos, incluindo o Brasil.

É certo que houve crescimento econômico no país, mas isso não foi seguido de uma melhor distribuição de renda, ou melhora dos índices de qualidade de vida; ou seja, houve crescimento econômico, mas não houve progresso, porque progresso implica na melhora das condições de vida das pessoas.

No Brasil muito se discute, e se cobra, com referência a uma reforma da CLT, que supostamente iria catapultar o país a índices de crescimento estratosféricos.

Nossa Marinha Mercante não está alheia a estas cobranças. Inspiradas nas Bandeiras de Conveniência, onde a desregulamentação é total, existe uma grande cobrança de algumas partes do setor marítimo pela desregulamentação de nossa bandeira, equiparando-a assim às menos respeitadas do mundo.

Ora, qualquer atividade econômica capitalista, seja ela privada ou estatal, deve visar o lucro. Mas o lucro não pode, de maneira nenhuma, justificar ou ser obtido através da supressão dos direitos dos trabalhadores(as), cuja atividade é o que permite a obtenção desse mesmo lucro.

A existência de uma frota mercante, arvorando a bandeira nacional, operando no longo curso, na cabotagem e no offshore é imperiosa ao país. Mas isso não deve ser buscado a qualquer custo. Não podemos negligenciar os direitos dos trabalhadores do setor, sob risco de passarmos a ter "mineiros chilenos" a bordo de nossos navios.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O que é bom é pra sempre: uma boa música, por exemplo


O objetivo do blog é discutir a Marinha Mercante internacional e problemas da nossa MM doméstica. Mas também vamos nos divertir um pouco que ninguém é de ferro. Por isso, além das dicas culturais, vamos fazer uma viagem ao passado, e publicar alguns vídeos com músicas que marcaram época. Músicas atuais não estarão descartadas.

A primeira é "Holding Out For a Hero", de Bonnie Tyler. A música foi parte da trilha sonora dos filmes "Footloose" e "Shreck II", além de servir de tema para um anúncio do cigarro Hollywood.

Falando em Hollywood, o produto é horrível, mas os comerciais produzidos eram muito bons, e vinham sempre acompanhados de grandes músicas. Vamos fazer um apanhado dessas músicas e publicar por aqui.

Divirtam-se.

Viver para contar - 1: Descarregar é preciso, comer não é preciso?

A alimentação era precaríssima e reduzia-se a arroz e farinha.
As baratas infestavam o navio todo, os banheiros não tinham louças e os tripulantes faziam suas necessidades em buracos no piso onde deveriam estar os sanitários.

Em 1999, fazia uns dois meses em que eu trabalhava no Terminal de Produtos Siderúrgicos (TPS) do porto do Rio de Janeiro, quando recebemos um navio para descarregar 20000 TM de bobinas de aço. O Agios Spyridon, com bandeira de Malta, tinha uma tripulação de vietnamitas. Quando subimos a escada de portaló, nos espantou o mau estado de conservação do navio, mas coisa pior estava por vir.

Ao iniciarmos a descarga, constatamos que os paus-de-carga da embarcação estavam condenados e totalmente fora dos padrões técnicos de projeto, e aí se iniciaram os nossos problemas. Os estivadores sentiram a periculosidade dos aparelhos e se recusaram a efetuar a descarga. A sociedade classificadora e autoridade como o Port State Control e o Ministério do Trabalho foram acionados e o navio ficou sem operar em busca de uma solução para o impasse.

A presença das autoridades a bordo provocou uma inspeção geral do navio, que ficou detido não só pelos problemas em seus paus de carga, mas também por uma série de problemas sérios na praça de máquinas, passadiço e equipamentos de combate a incêndio, salvatagem e abandono. O navio era substandarde e ninguém compreendia como podia estar navegando.

A presença do Ministério do Trabalho também constatou algo que ninguém esperava. A tripulação tinha salários baixíssimos, e apenas nos contratos, porque nenhum deles havia recebido um centavo sequer durante os seis meses que se encontravam a bordo. A alimentação era precaríssima e reduzia-se a arroz e farinha. As baratas infestavam o navio todo, os banheiros não tinham louças e os tripulantes faziam suas necessidades em buracos no piso onde deveriam estar os sanitários. Por fim, os camarotes não tinham camas e os tripulantes dormiam em esteiras de palha. Resumindo: as condições eram subhumanas.

Após cerca de um mês, o navio foi movido de cais para que pudesse ser descarregado por guindastes de terra. Também foi fumegado e a tripulação recebeu gêneros alimentícios e camas para dormir, além de outros utensílios de primeira necessidade. Saiu sem ter todos os problemas técnicos sanados (apenas os mais urgentes), mas com uma série de exigências para cumprimento no próximo porto.

Pouco mais de dois anos depois comecei a trabalhar como inspetor de Bandeiras de Conveniência da ITF, e voltei a ter notícias do navio. O mesmo frequentava o porto de Santos com regularidade, transportando açúcar para a África e, de vez em quando, apresentava problemas semelhantes aos que tivemos no Rio de Janeiro. Só parei de ter notícias quando o navio deixou de vir ao Brasil, devido às constantes visitas e pressões das autoridades para que melhorassem as condições de manutenção e de vida a bordo para a tripulação.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Navio-escola para a Marinha Mercante. A ideia não é má, mas ...


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Desde o período em que estive no CIAGA, como aluno do Curso Fundamental de Náutica, eu escuto falar da necessidade de um navio escola para a Marinha Mercante. E essa discussão é muito mais antiga do que minha presença no Centro de Instrução.

A ideia de um navio-escola não é má, o problema é que buscam uma solução para algo que mudou radicalmente nos últimos anos, seja pela nova complexidade do comércio mundial e regional, seja pela introdução de novas tecnologias a bordo. O fato é que a Marinha Mercante, assim como todos os setores econômicos no mundo, vem se especializando cada vez mais, tornando a possibilidade de um navio-escola para a formação prática de marítimos algo cada vez mais complexo, caro e difícil de se realizar.

Para um país como o nosso, em que faltam recursos e excedem necessidades, a solução talvez seja a utilização de simuladores. As universidades brasileiras contam atualmente com excelentes quadros técnicos, que poderiam desenvolver projetos nacionais de simuladores, criando assim a tecnologia e inserindo o país no mercado mundial desses equipamentos altamente complexos; ou mesmo poderiam importar os equipamentos, o que nos traria ganho de tempo.

Qualquer que fosse a opção escolhida, a utilização de simuladores também implicaria em um investimento inicial menor, custo de manutenção mais baixo e atingiria um número maior de marítimos, seja para o treinamento inicial, para a especialização em determinado tipo de embarcação, ou mesmo para a reciclagem de marítimos que estejam voltando à atividade após algum tempo afastados do meio.

De qualquer forma a introdução feita por Paulo Maia é ótima para entendermos melhor o papel da Marinha Mercante na formação do Poder Marítimo e no desenvolvimento e soberania nacionais.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Artigo do site "Portos e navios" fala sobre "O naufrágio da Marinha Mercante". Mas é preciso ler com cuidado e atenção

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Na internet temos uma infinidade de informações sobre todos os temas; e a Marinha Mercante não está alijada disso. O texto anexo encontrei quando navegava em busca de informações sobre nosso setor.

Como todo texto preparado por parte de um setor específico, no caso o Syndarma, o mesmo deve ser lido com cuidado e atenção. O do jornalista Carlos Tavares não foge a esta regra. Mesmo tendo um objetivo nobre - o aumento da frota mercante brasileira e sua participação no comércio nacional e internacional - o texto coloca os direitos sociais das tripulações como o grande vilão dos custos operacionais da frota mercante nacional.

Como o próprio Tavares assinala, as Bandeiras de Conveniência "não cobram tributos nem obedecem aos acordos marítimos internacionais, inclusive na área trabalhista", ou seja, não têm compromisso outro que não seja o lucro alto e a desregulamentação do setor, deixando os trabalhadores, e, muitas vezes, os usuários do serviço, a "ver navios".

Os países europeus que optaram pelo Segundo Registro. Têm agora implementado medidas para recuperar a participação de suas frotas de bandeira e seus nacionais entre as tripulações das mesmas, respeitando os direitos sociais e o poder aquisitivo dos salários desses tripulantes (exceção feita ao Segundo Registro alemão, cuja falta de controle do Estado fez com que fosse enquadrado como Bandeira de Conveniência).

Assim, qualquer política que tenha como objetivo desenvolver o setor deve atentar para que condições técnicas, operacionais, de habitabilidade e os direitos sociais dos trabalhadores sejam mantidos, como forma de manter o respeito e a credibilidade da bandeira brasileira pelos portos do mundo.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

É preciso estar atento e forte com o que acontece na nossa profissão

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O trabalho apresentado pela assessoria do Senado Federal por Elisabeth Nóbrega é muito interessante, mas precisa ser amplamente discutido antes de qualquer ação. Claro que o texto foi produzido para provocar discussão, e serve como ótimo ponto de partida, contudo dificilmente as propostas seriam aceitas sem alterações. Além disso muitos pontos apontados como empecilhos são aplicados em países desenvolvidos e protecionistas com muita eficácia.

Nos Estados Unidos da América, por exemplo, para operar uma embarcação na cabotagem, o armador deve ser americano nato, a embarcação deve ser produzida em estaleiro norte-americano e a tripulação também deve ter nacionalidade americana. As bandeiras de conveniência são citadas várias vezes, e a principal característica dessas bandeiras é a total desregulamentação a bordo. As tripulações têm seus direitos sociais retirados, os salários são baixos, e os Estados de bandeira não exercem sua jurisdição a bordo. As embarcações frequentemente apresentam condições de manutenção precárias.

Vale destacar também que alguns pontos tratados no trabalho de Nóbrega já evoluíram e apresentaram mudanças, necessitando assim uma atualização, ainda que em termos gerais o trabalho permaneça bastante atual. Temos que estar atentos ao que acontece com referência a nossa profissão, acompanhar e intervir quando necessário.

sábado, 16 de outubro de 2010

Por mares nunca dantes navegados. As dificuldades para viajar no século XVI: tema de livro e reportagem da Folha de S. Paulo

A Folha de S. Paulo de hoje publica uma interessante matéria sobre o lançamento do livro "Doenças e curas: o Brasil nos primeiros séculos", em que retrata as dificuldades e os hábitos dos navegantes do século XVI. Reproduzo para vocês aqui no Blog dos Mercantes.

Isolado e imundo
Hábito de jogar excrementos pela janela e ausência de médicos faziam do Brasil Colônia grande foco de epidemias, mostra novo livro
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO






"Pensamos [sobre as navegações] "que lindo, que heróis, que viagem ao desconhecido!" Não era bem assim" (CRISTINA GURGEL, pesquisadora da PUC)
Não raro, no Rio de Janeiro, em Salvador ou em qualquer outro núcleo urbano brasileiro colonial, um pedestre era "abatido" por excrementos humanos voadores enquanto seguia pela rua.
Não havia esgoto, e o hábito era jogar o resíduo pela janela mesmo. As ruas, claro, não ficavam exatamente limpas, e se tornavam bastante insalubres. Não tendo o país nenhuma faculdade de medicina, doenças contagiosas chegavam e ficavam sem enfrentar grande resistência.
Mesmo em 1799, já muito perto do fim da colônia e da chegada da família real portuguesa em fuga para o Brasil, o país, com cerca de 3 milhões de habitantes, não tinha mais de 12 médicos formados -todos importados.
Em Portugal (como no resto da Europa) também existia o hábito pouco higiênico de defenestrar fezes humanas, mas por lá, pelo menos, a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra já formava gente desde 1290 -outros países europeus também já tinham escolas médicas.
No caso brasileiro, a única solução era improvisar.
"No Brasil Colônia, então, formou-se uma pequena multidão de curandeiros, benzedeiras e rezadores que tentavam suprir a absoluta carência de profissionais habilitados", diz Cristina Gurgel, médica da PUC de Campinas que é especialista em história da saúde.
Ela está lançando o livro "Doenças e curas: o Brasil nos primeiros séculos", pela editora Contexto. Nele, ela lista doenças que se propagavam com facilidade na época, como varíola, hanseníase, malária e sarampo, além de constantes disenterias.
Por isso, a expectativa de vida dificilmente passava dos 30 anos. Crianças também eram vítimas fáceis: no século 17, por exemplo, apenas uma em cada três crianças nascidas no Nordeste conseguia sobreviver.
Até existiam alguns hospitais, como as Santas Casas, mas eles eram mantidos muito mais pelos religiosos do que por médicos.

CURA PELA PÓLVORA
Mesmo quando o paciente tinha sorte e principalmente dinheiro para conseguir assistência profissional, sua situação não era das melhores -os médicos também não sabiam muito bem o que estavam fazendo.
O médico português João Ferreira Rosa, por exemplo, chegou ao Recife em 1690 e, do alto do seu reconhecimento como um dos poucos profissionais de saúde no país, recomendou, entre outras coisas, a expulsão das prostitutas -elas ofendiam a Deus, que poderia querer se vingar.
Os remédios daquela época, aliás, frequentemente envolviam ingredientes como fumo, fezes de cavalo, aguardente e, está documentado, pólvora - imagine o alvoroço que isso tudo não causava no organismo do vivente, acabando por fazer muito mais mal do que bem.
Ou seja, mesmo com a chegada da Corte ao país em 1808 e a criação de duas faculdades de medicina por aqui (uma em Salvador e outra no Rio), a saúde pública no país não melhorou muito.
A própria expectativa de vida só viria a subir significativamente no século 20 -ontem, em termos históricos.

Com higiene precária, navios não eram para narizes delicados
DE SÃO PAULO

Se a saúde das pessoas em terra já era ruim, nos navios dos séculos 16 e 17 ela era ainda mais assustadora.
Esse era um dos motivos do isolamento do Brasil durante o período colonial: atravessar o Atlântico era uma aventura que poucos tinham coragem de encarar.
Por um lado, ao menos os excrementos humanos eram atirados ao mar e não na rua. Mas tanto a água quanto a comida, guardadas por meses em porões úmidos e sujos, eram invariavelmente ruins e contaminadas.
Além disso, a higiene a bordo era precária. "Não por acaso, dizia-se que as viagens marítimas não eram para donos de narizes delicados", afirma Cristina Gurgel.
Não existia estrutura para que os viajantes tomassem banho -e não se sabe se eles estavam muito preocupados com isso, de qualquer forma. O padrão era usar a mesma roupa durante todo o percurso, que durava meses.
"Quando possível, todos se perfumavam e incensavam o ambiente, na tentativa de controlar o mau cheiro emanado dos corpos e da sujeira", diz Gurgel.
Surgiam, assim, pragas de piolhos, percevejos e pulgas. Pratos, copos e talheres não eram lavados. Doenças como varíola, difteria, escarlatina e tuberculose se propagavam sem controle.
Não bastassem os problemas de saúde que se espalhavam pelos navios, com frequência a comida acabava.
E, mesmo antes disso acontecer, ela era bastante regulada: a ração diária de alimentos secos de um tripulante em uma expedição como as de Vasco da Gama ou de Cabral era de meros 400 gramas ao dia.
Em casos extremos, até os ratos que infestavam as embarcações viravam comida.
"A gente tem uma visão bastante romanceada das navegações. Pensamos "que lindo, que heróis, que viagem ao desconhecido!" Não era bem assim", diz Gurgel.
"Morria tanta gente que surgiram até as lendas dos navios fantasmas, em que tanta gente foi morrendo que não sobrou ninguém."
Mesmo em viagens que tiveram sucesso, muita gente morreu. Na de Vasco da Gama às Índias, morreram 120 de um total de 160 marujos, por exemplo.
Gurgel ressalta, porém, que isso não era exclusividade dos portugueses. Navios britânicos ou holandeses, por exemplo, tinham situação parecida. (RM)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Dica cultural do Blog: "Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do governo mundial"

Pessoal, às vezes ficamos a bordo com um tempinho livre, sem sono e sem nada para fazer. Para esses momentos aqui vai a dica cultural do Blog dos Mercantes: "Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do governo mundial" (organização editorial de Lorenzo Carrasco, Editora Capax Dei, Rio de Janeiro, 2008).

Longe de apoiar a exploração predatória do planeta, o Blog apenas considera importantíssimo discutir diferentes pontos de vista e relembrar a velha máxima de que "toda unanimidade é burra". Boa leitura e mares tranquilos a todos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Marinha preocupada com a falta de navios mercantes. O Blog dos Mercantes também

Navegando na Internet pesquei o texto acima publicado na coluna "Primeira Linha", do Monitor Mercantil Digital. O Blog dos Mercantes faz eco às palavras do Almirante Júlio Moura Neto. Apoiamos totalmente que o Brasil crie condições de que tenhamos uma Marinha Mercante nacional altamente competitiva e novamente presente em portos internacionais. Só fazemos a ressalva de que nenhum incentivo criado pode colocar em risco as condições sociais, de vida a bordo e salariais dos homens e mulheres que tripulam nossas embarcações. Uma Marinha Mercante forte deve beneficiar a todos, sejam operadores, usuários ou trabalhadores.


Para ler a coluna com mais definição é só passar o cursor do mouse no texto.

Piratas da Somália: tão longe, tão perto


Um amigo médico me perguntou sobre o que eu achei de uma reportagem publicada na revista Veja sobre piratas na Somália. Fui ler e decidi responder aqui no Blog. Acho que vale uma reflexão.

O problema da pirataria na Somália é de amplo conhecimento, bastando para isso uma simples conferida em meios de comunicação de massa como a própria Veja ou jornais e televisão. Se é certo que o problema da pirataria não é algo novo nas relações humanas, também é certo que algo da envergadura que tem tomado o problema na Somália é inconcebível e inaceitável no terceiro milênio.

A reportagem da Veja fala em prejuízos e aumento de custo ao redor de 70 mil dólares, o que é irrisório para uma indústria que movimenta alguns trilhões de dólares ao ano (entre fretes e cargas). O que a reportagem não fala é sobre o custo humano dos reféns (em sua grande maioria marítimos(as) que buscam seu sustento a bordo dos navios atacados), de suas famílias e ao dano que causam a nossa profissão quando incluem ainda mais este peso a ela.

Nós brasileiros(as) estamos relativamente seguros(as) e protegidos(as) desses problemas, já que a grande maioria de nós se encontra em nossas costas. Só que não devemos fechar os olhos ao que acontece a companheiros de profissão que arriscam suas vidas passando por esta região.

Os recursos existentes no mundo seriam suficientes para impedir ou ao menos levar a um mínimo os problemas causados pelos piratas somalis, mas não existe interesse político nessa indústria fundamental e nesses trabalhadores(as) anônimos(as). Para pressionar pela mobilização desses recursos, a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes - ITF -  lançou uma campanha de coleta de assinaturas. Façamos nossa parte e vamos assinar a lista. Leva só um minuto.

Clique aqui

SE quiser ler a reportagem da Veja na íntegra, clique aqui.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A primeira experiência e o final feliz


"No fim tudo dá certo
se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim".
(Fernando Sabino) 

Minha primeira experiência com problemas a bordo foi em março de 2002. Eu havia recém-assumido as funções de inspetor de Bandeira de Conveniência da ITF (BDC), quando o navio Milleniun Scorpion chegou ao Rio de Janeiro e entrou em contato com a ITF solicitando ajuda devido a atraso de salários. Fui a bordo verificar a denúncia e me deparei com uma situação bem complicada.

Os salários estavam atrasados entre seis e 10 meses, dependendo do tempo de embarque de cada tripulante.

Nenhum dos tripulantes que tinham sido rendidos nos últimos meses havia recebido seus pagamentos e depois de vários contatos com o armador só tinham obtido promessas. Além disso, os suprimentos estavam acabando (incluindo medicamentos) e a praça de máquinas apresentava vários problemas que punham em risco a embarcação, a navegação e a vida dos tripulantes.


Dois deles apresentavam problemas médicos e o armador havia recusado prestar-lhes assistência.

Depois de verificados os problemas a bordo entramos em contato com o armador, que se recusou a resolver o problema alegando falta de recursos. Acionamos o Ministério do Trabalho, através de sua Inspetoria do Trabalho e a Marinha do Brasil, por meio do Port State Control (PSC), que notificaram o armador para resolver os problemas técnicos e trabalhistas a bordo, além de deterem a embarcação até que as questões  mais graves fossem sanadas. Também conseguimos que os tripulantes enfermos fossem encaminhados e recebessem tratamento médico adequado;  e que o afretador adiantasse parte do frete, que foi usado para pagar uma pequena parcela dos atrasados e adquirir rancho e medicamentos.

A situação perdurou por cerca de cinco meses e foi solucionada após uma série de negociações e intervenções de autoridades e sindicatos.

Os tripulantes ao final conseguiram receber seus atrasados e foram repatriados.
Este caso foi relativamente curto e teve um final feliz. Muitos outros se prolongam por anos, com as tripulações afastadas de suas casas, sofrendo privações e algumas vezes não chegando a bom termo.

Aos poucos chegaremos a ele.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As mudanças na Marinha Mercante: os trabalhadores foram os mais afetados

Para inaugurar este Blog nada melhor do que falar nas mudanças ocorridas nos últimos 20 e poucos anos na Marinha Mercante em todo o mundo, tema que é do interesse de todos nós.


A Marinha Mercante mundial sofreu profundas mudanças a partir dos anos 70 e 80. No Brasil essas mudanças começaram a se fazer sentir com mais força no final da década de 80 e se aprofundaram durante os anos 90, com a assunção de Fernando Collor à Presidência da República, e suas mudanças econômicas com o objetivo de "modernizar" o país, e as medidas estabilizadoras da economia implementadas por Fernando Henrique Cardoso.


Se é verdade que isso nos possibilitou o acesso a tecnologias mais avançadas e a produtos antes difíceis, ou mesmo impossíveis de se achar, ainda proibidos a nós brasileiros, isso também criou uma série de problemas em nossa economia, seja por ter aberto um país totalmente despreparado à competição internacional altamente desenvolvida, seja pela pouca capacidade de adaptação imediata à nova situação, ou mesmo pela total falta de compreensão do que ocorria.


Fato é que os trabalhadores foram sempre os mais afetados. Setores inteiros de nossa economia foram dizimados, ceifando milhares de empregos; a terceirização foi imposta à força e de forma indiscriminada, aviltando salários e condições de trabalho de outros tantos; as novas tecnologias tornaram profissionais experientes e eficientes em estorvos ultrapassados e ineficientes, cuja substituição era imperativa para que as empresas pudessem ultrapassar o "momento difícil" por que passavam. Em muitas áreas essa situação persiste até hoje.


Nossa Marinha Mercante, como disse acima, não ficou fora desse processo e sofreu profundas mudanças devido ao mesmo. Em um primeiro momento companhias de navegação tradicionais desapareceram (Lloyd Brasileiro, Netumar etc.), ou encolheram e se restringiram a nossa costa (que permanece resguardada da competição internacional). Em seguida, as resistentes começaram a ser absorvidas pelos grandes "players" do setor, casos de Aliança, Frota Oceânica etc.


O desemprego era regra geral em nosso meio, nossos sindicatos chegaram quase a desaparecer, como as empresas que nos davam emprego. Muitos de nós se refugiaram nos navios estrangeiros de Bandeira de Conveniência para conseguir o sustento de suas famílias.


A situação hoje é completamente distinta da década de 80. Nossa navegação de longo curso está praticamente extinta, limitada a viagens de docagem ou esporádicas em épocas de pico de preço de frete internacional. Nossa navegação de cabotagem tem se desenvolvido relativamente bem, mas ainda sofre com a opção pelo transporte rodoviário adotada por nossos governos. O "off-shore" emprega uma quantidade grande de nossos companheiros e dificilmente passa na cabeça de um(a) marítimo(a) brasileiro(a) a possibilidade de fazer uma longada, ou se afastar por mais de 4 ou 5 meses de casa (quando a intenção da maioria é diminuir ainda mais o tempo de afastamento).


Não falemos de salários porque com isso ninguém jamais está satisfeito.


Nossas condições, hoje, são, ao menos, dignas, e possibilitam a manutenção de nossos empregos e o sustento de nossas famílias. Mas os problemas que nos afligiram no final dos anos 80 e pelos 90 estão longe de estarem extintos ou de não serem uma ameaça. A implementação da globalização na Marinha Mercante é conhecida com o nome de "Bandeira de Conveniência", e ela estará presente em muitos de nossos "posts".


Sabemos que entre nossos companheiros muitos se encantam com histórias ouvidas a bordo, sobre casos que ocorrem em navios estrangeiros. Teremos a oportunidade de discutir vários desses aspectos, mas também vamos buscar curiosidades sobre o setor em si, e sobre outros aspectos da vida que interessam a todos de forma geral.