Segundo Oficial de Náutica formado pela EFOMM / CIAGA na turma de 79, Renialdo Salustiano é o inspetor da ITF mais antigo das Américas. Baseado em Santos, nos 22 anos no trabalho de inspecionar navios BDC e sub-standards chegou à marca de mais de 2.500 inspeções. Renialdo também é bacharel em Ciências Políticas /Sociologia pelo IFCS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como se fosse pouco, ainda acumula os cargos de delegado da Federação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviários e Afins, e do SINDMAR, ambos em Santos.
Renialdo (primeiro à esquerda) durante visita ao navio NT Castilho de Plasencia
Você tem mais de 2.500 visitas a navios de Bandeiras de Conveniência - BDC, nesses 22 anos de trabalho como inspetor da ITF. Como você vê o desenvolvimento das relações de trabalho nesse setor? Houve melhora, e de que tipo?
- A ITF (Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte) vem há mais de 50 anos lutando contra as chamadas Bandeiras de Conveniência – BDC. Importante salientar que são nessas bandeiras que muitos armadores vêm se abrigar, visando, logicamente, o lucro fácil e imediato, onde em muitas ocasiões não cumprem as Normas e Convenções Internacionais, tanto da OIT como da OMI, desrespeitando as questões de segurança e de proteção ao meio ambiente e ao trabalhador, pagando baixos salários, e sem um mínimo de garantia nos itens sociais e nos direitos sindicais. Ainda que eu veja o fenômeno como um cancro a ser extirpado, sei que a extinção pura e simples desses pavilhões é uma questão difícil e complexa, já que para isso há uma série de fatores envolvidos. As BDCs também são parte importante no desenvolvimento social, político e econômico de muitos desses países, que alugam suas bandeiras. Dai a importância de mantermos atuantes organizações internacionais como a ITF, que vem fazendo uma campanha de trincheiras no combate as BDCs, e com certa eficácia. Vale salientar, por exemplo, o aumento considerável, nesses últimos anos, do número de navios cobertos pelos acordos da ITF, assim como as quantias de salários recuperados, graças às ações de seus Inspetores.
Como delegado da FNTTAA em Santos, você também tem conhecimento das condições de trabalho dos marítimos brasileiros a bordo de embarcações que arvoram o nosso pavilhão. Quais as diferenças que você vê entre as BDCs e os barcos de bandeira brasileira?
- É de suma importância esclarecer que, apesar das melhorias alcançadas pelas ações da ITF contra as Bandeiras de Conveniência, vejo um enorme abismo em relação ao padrão, tanto salarial/social quanto das condições de bordo entre os navios nacionais (brasileiros) e os navios BDC. Nesse sentido, apesar de todas as dificuldades, o sindicalismo marítimo brasileiro vem atuando de forma exemplar, conseguindo, não somente um alto padrão salarial comparável a muitos países europeus, mas, também, através de um intenso e meticuloso trabalho político, conseguiu, a duras penas, a manutenção e a garantia de nossos postos de trabalho.
Lembro que quando eu militava no inspetorado da ITF tínhamos muitos problemas com navios de passageiros, os famosos transatlânticos, e Santos era um dos portos aonde recebíamos mais queixas. Como está a situação agora? Os problemas diminuíram ou pioraram? Como vem evoluindo a relação capital x trabalho nessas embarcações?
- Com relação aos navios de passageiros, como você bem lembrou, os problemas continuam, e vêm aumentando a cada ano, devido também ao aumento no número desses navios que aportam no país. Os problemas, como sempre, são: o excesso de horas trabalhadas sem o devido apontamento nos livros e relatórios de horas extras. Muitos chegam a trabalhar 15, 16 horas seguidas, e às vezes até mais, e com, 15, 20 minutos para uma rápida refeição, e os chefes de seção os forçam a assinarem somente o número de horas o que está estipulado no contrato. Desta forma, fica difícil provar, como muitas vezes já aconteceu, na inspeção dos fiscais do Ministério do Trabalho, na checagem do relatório das horas, onde nenhuma irregularidade é encontrada. Maus tratos e abuso de autoridade também estão dentro das estatísticas.
Na década de 90 e princípio dos anos 2000 muitos brasileiros estiveram a bordo de embarcações BDCs, não só pelo salário mais alto, mas também pela grave crise que afetou nossa Marinha Mercante e que só se reverteu nos últimos anos. Como está a presença de brasileiros a bordo dessas embarcações agora, e como você vê a possibilidade de que os brasileiros sejam, mais uma vez, obrigados a buscar empregos nas BDCs?
- Hoje em dia vejo poucos ou quase nenhum marítimo brasileiro trabalhando em navios de Bandeira de Conveniência, até porque, como salientei anteriormente, as condições sociais e salariais a bordo das embarcações nacionais, estão muito melhores que nas embarcações de BDC. O pouco de brasileiros que temos hoje trabalhando em navios estrangeiros, estão nos navios cruzeiros, onde, na verdade, de marítimos mesmo quase nenhum, a grande maioria está trabalhando na parte de hotelaria e entretenimento desses navios.
O SINDMAR vem fazendo uma série de visitas a bordo no intuito de informar e mobilizar as tripulações para uma possível greve. Há algo que você queira dizer e que possa ajudar nossos companheiros a bordo a decidir contra ou pela greve?
- Ninguém quer greve, ou gosta de fazer greve; greve é um saco! Tensão, preocupação, tanto de quem está bordo, mais ainda para quem está no comando da greve. Porém muitas vezes ela é inevitável como as dores de um parto antes do nascimento. Há um ditado na língua Inglesa que gosto de citar nessas horas: “No pain no gain”, sem luta não haverá conquistas. O SINDMAR está indo para a sexta reunião com a ABEAN e a intransigência dos armadores está cada vez mais acirrada. Não precisa ser muito inteligente para ver que esta é uma luta que transcende as barreiras das melhorias salariais e sociais estabelecidas no acordo. Vai mais além, numa campanha, largamente denunciada pelo SINDMAR, sobre a tentativa, por parte dos armadores, de flexibilizar as leis que regulamentam, resguardam e protegem nossos postos de trabalho. Argumentos aqui não faltam aos nossos companheiros de bordo: achatamento salarial, prejuízo das conquistas sociais e, o pior, perder a garantia de nossos empregos. Muita coisa está em jogo nesta mobilização. Bordões como “a união faz a força” e “quem sabe, faz a hora, não espera acontecer”, nunca estiveram tão atuais como agora. Um forte abraço a todos e vamos a LUTA.
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