Há dias estava para comentar o artigo abaixo veiculado pela Folha de S. Paulo na coluna de Sergio Malbergier, e assinado pelo mesmo. É muito interessante, e vem embasar muito do que o Blog dos Mercantes tem falado por aqui. Vale a pena uma lida.
Mas o blog faz duas ressalvas: a primeira é que o modelo utilizado no crescimento dos "emergentes", em pouco difere daquele que levou à bolha de consumo e bem-estar dos países do norte (como os chama Malbergier), e por si só é limitante e limitado.
A segunda ressalva é que a fórmula é ainda menos eficiente quando em sua aplicação se transfere renda da classe média alta para as classes menos favorecidas e para as empresas. Por um momento isso parece ser revolucionário. Em médio prazo isso criará problemas maiores.
Por último, ou o capitalismo encontra a cura para sua antropofagia congênita, ou estará fadado a crises cada vez mais frequentes, e cada vez mais sérias. O mercado não se autorregula, e não é a solução. Há necessidade de intervenção do Estado, na forma de regulamentação e fiscalização.
Marx estava certo, mas há remédios, é só querer.
Leia o texto na íntegra:
Marx estava certo (e errado)
Crises podem ser supervalorizadas, ainda mais numa era de noticiário histérico e ubíquo e de mercados histéricos e ubíquos.
Sérgio MalbergierHá em curso uma história econômica maior (e melhor) do que a implosão da bolha de consumo e bem-estar dos países ricos, que é a emancipação econômica de bilhões de cidadãos do chamado mundo emergente.
Quanto mais o segundo ato da crise econômica global se desenvolve, mais claro fica que ela é uma crise econômica do Hemisfério Norte. Os países do Sul já saíram da crise há muito tempo. O processo de inclusão socioeconômica das massas desses países se mostrou resistente ao empobrecimento dos ricos.
Nos EUA e na Europa Ocidental, o estouro da grande bolha de prosperidade (via crédito, nos EUA; via benefícios socioeconômicos, na Europa), ainda causará muita agonia. Suas empresas, instituições e cidadãos se sentem inseguros e pessimistas quanto ao futuro, o que é mortal para os negócios, mesmo que se tenha o melhor ambiente de negócios do mundo.
Nos EUA, pátria do consumo, as vendas de carros neste ano devem ser quase 30% menores do que em 2001. O mercado imobiliário do país voltou a afundar, e nunca tantos americanos dependeram da ajuda do governo para comprar alimentos.
Corta para o Brasil, que tem um ambiente de negócios muito pior que o dos EUA, mas onde a confiança é a maior da história, as vendas de carros batem recordes, o mercado imobiliário atinge picos nunca vistos e a procura por programas como o Bolsa-família cai com o aumento do emprego e da renda.
São dinâmicas completamente diferentes. De um lado, EUA, Europa e Japão atordoados pelo estouro da bolha de prosperidade. Do outro, Brasil, China, Índia, Indonésia, Turquia, Angola, Colômbia, Peru, etc., países que depois de anos de liberalização e avanços macroeconômicos vivem processos sólidos de desenvolvimento.
É um tremendo rearranjo geoeconômico que terá conseqüências geopolíticas e culturais muito maiores do que conseguimos vislumbrar hoje.
Na edição 2011 das Maiores Ideias do Ano da prestigiosa revista americana "The Atlantic", a primeira da lista é a emergência da classe média dos emergentes.
Gillian Tett, a editora do "Financial Times" que tratou do tema, escreveu esperançosa que países como Brasil, China e Índia, que antes contribuíam com "choque de oferta" na economia mundial, ao produzir produtos mais baratos, agora, com suas massas consumidoras, podem fornecer um "choque de demanda" capaz de reativar as economias do Norte.
Diz muito de nossos tempos que consumidores como o brasileiro, o indiano ou o chinês possam ser vistos como a salvação das economias de Europa e EUA.
O otimismo aqui no Sul, estampado em quase todos os rostos brasileiros, é o oposto do pessimismo do Norte, cujo porta-voz melhor talvez seja o economista Nouriel Roubini, apelidado de Mister Apocalipse e que previu com antecedência de anos o estouro da bolha de crédito imobiliário e suas consequências.
Roubini anda tão pessimista que disse ao wsj.com que Karl Marx pode ao final estar certo sobre o capitalismo. Como?
Para Roubini, o brutal processo de desalavancagem, que reduz gastos públicos e privados, cria governos zumbis, consumidores zumbis, lares zumbis. Nos últimos anos, disse ele, houve enorme redistribuição de riqueza do trabalho para o capital, dos salários para os lucros. E como as empresas gastam proporcionalmente menos do que os lares, essa concentração reduz a demanda e ameaça a economia.
"Marx estava certo. Em algum ponto, o capitalismo pode se autodestruir. Não se pode continuar transferindo renda do trabalho para o capital sem gerar excesso de capacidade e falta de demanda agregada. Foi isso o que aconteceu. Pensávamos que os mercados funcionavam bem. Eles não estão funcionando. A empresa, para sobreviver e prosperar, pode reprimir gastos trabalhistas cada vez mais, mas os gastos trabalhistas são a renda e o consumo das pessoas. Por isso é um processo autodestrutivo", explicou (provocou) o professor Roubini.
Marx pode estar certo em algumas coisas e errado em outras. Mas é preciso notar que, se é a crise do capitalismo que traz estagnação ao Hemisfério Norte, é o sucesso do capitalismo que traz prosperidade para o Sul.
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.
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