terça-feira, 6 de maio de 2014

Blog dos Mercantes e a rasteira do governo

Esse é o único título para um post que trata de assunto tão polêmico como o que agora iremos discorrer. Indefensável a posição do governo – foi ele quem encaminhou o Projeto de Lei ao Congresso – quando faz propostas de abertura do mercado de trabalho brasileiro de forma geral, e especificamente a marítimos.

Analisemos primeiro o texto de Severino Almeida, que deveria ter muito mais o que comentar em seu artigo veiculado em “O Globo”, mas que, com certeza, foi limitado em espaço por motivos óbvios.

É sabido por boa parte da população, que alguns países de vez em quando abrem processos imigratórios, como forma de completar setores de sua sociedade, que se encontram com algum tipo de carência. Mas esses processos migratórios são para fixar residência, e são devido ao fato de que, suas populações, não conseguem suprir tais necessidades, normalmente por falta de gente mesmo, não apenas por falta de treinamento ou interesses outros. Exemplos claros disso são as aberturas do governo canadense para profissionais como enfermeiros, mecânicos, técnicos. Por mais que o governo canadense queira, sua população é insuficiente para atender à demanda. Outro exemplo foi o governo australiano, que algumas décadas atrás abriu migração para mulheres, porque a desproporção entre os gêneros estava muito grande no país. Como iria o governo “produzir mulheres”?

Não é o caso do primeiro ponto tratado por Severino Almeida, que é a questão de mão de obra especializada. Como definir mão de obra especializada? O Que é mão de obra especializada? Ora, de forma geral, tudo aquilo que se faz profissionalmente e com qualidade, poderia ser considerada “mão de obra especializada”. Então, com esse parágrafo mal escrito e dúbio, qualquer um pode estar incluído neste quesito, colocando todos os trabalhadores brasileiros em risco de perder seus empregos. Com isso o que contará prioritariamente, será o “custo” da mão de obra. Esse é claramente um risco que corremos, quando deixamos em aberto a definição do termo “mão de obra especializada”.

E aqui corroboramos as considerações de Severino Almeida, afinal, qual país do mundo abre suas portas assim a estrangeiros?

A segunda é a questão direta para marítimos e embarcados. Esse tema é tratado diretamente na Sessão II, art. 21, § 1º e 2º, que transcrevemos abaixo. E a transcrevemos pelo simples motivo de que nos casos de marítimos e de trabalhadores embarcados, a PL 5.655 não é dúbia ou mal escrita, mas sim exata e direta, e ela diz que qualquer marítimo ou trabalhador que venha exercer funções a bordo de embarcações, poderão simplesmente juntar a documentação necessária, dirigirem-se ao consulado mais próximo, e solicitar o Visto para trabalharem em território brasileiro. Que outro país escancara seu mercado de trabalho dessa forma a estrangeiro, e de forma perene? Se alguém tiver conhecimento desse país, por favor informe ao Blog, porque nós do Blog não o conhecemos e nem nunca ouvimos falar de nenhuma legislação com tais premissas.

Além disso, como bem lembra Almeida, o mercado de trabalho marítimo, que há pouco mais de 2 anos apresentava certo equilíbrio, hoje já oferece desemprego aos que optaram por essa profissão. Isso apesar de todos os avisos e alertas feitos pelo Sindmar e pelo Blog dos Mercantes. E esse resultado só poderia ser esperado, afinal é o resultado de se aumentar várias vezes a quantidade de marítimos formados, e isso não ser acompanhado pelo aumento proporcional da frota.

Mais uma vez um governo aparece com um discurso nacionalista, de que irá trabalhar em prol do desenvolvimento social e econômico de sua população, e toma atitudes descabidas e fora de propósito, que apenas tenderão a deixar o país ainda mais atrasado e longe do desenvolvimento e da justiça social.

Na verdade, um PL como este vem em sentido contrário ao belo discurso que nossa presidente proferiu em homenagem ao dia do trabalhador. Sobre ele falaremos em breve, mas é a velha sensação de recebermos um doce em troca de algo que nos é extremamente valioso.

Porque o trabalho não pode ser encarado como uma mercadoria, e num país rico, com uma população pobre, isso é a maior das inversões de valores. Além de ser antidemocrático e destituído de propósito e justiça.

Seção II
Do Visto Temporário
§ 1o O visto temporário de que trata o inciso III do caput abrangerá, dentre outras’’’’
atividades:
I - treinamento ou capacitação profissional;
II - assistência técnica ou transferência de tecnologia;
III - pesquisa;
IV - trabalho marítimo ou de técnico embarcado;
V - trabalho voluntário;
VI - administrador, gerente, diretor ou executivo de sociedade, de grupo ou de
conglomerado econômico, de fundação e de entidade sem fins lucrativos; e
VII - professor, técnico ou cientista aprovado em concurso público em instituição pública de ensino ou de pesquisa científica e tecnológica.
§ 2o Não se exigirá o visto temporário de que trata o inciso III do caput ao marítimo que
ingressar no Brasil em viagem de longo curso, bastando a apresentação da carteira internacional de marítimo ou documento de viagem válido.

https://www.google.com.br/url?q=http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra%3Fcodteor%3D674695%26filename%3DPL%2B5655/2009&sa=U&ei=HKZfU6yfGcbfsATRj4L4Dg&ved=0CCMQFjAB&sig2=AVQJPRw71V4PdTjHv_qj-A&usg=AFQjCNGSk8947NawSl5cI_-m5Y8qM4J5Qg

A favor do trabalhador brasileiro

Não se tem notícia de que, no célere processo de globalização, outros países venham alterando as suas leis para ampliar a oferta de empregos para brasileiros.

O projeto de lei de número 5.655, encaminhado pelo Executivo ao Legislativo em 2009, não deixa dúvidas quanto às suas intenções — e quanto ao seu equívoco. Pretende estabelecer novos parâmetros para o trabalho de estrangeiros em solo pátrio, alterando de forma profunda a atual legislação.

“A política migratória objetivará, primordialmente, à admissão de mão de obra especializada adequada aos vários setores da economia nacional...” Sem a tímida referência no texto à proteção do trabalhador nacional, não há necessidade de ser bom entendedor para vislumbrar as consequências das mudanças propostas.

Não se tem notícia de que, no célere processo de globalização, países vizinhos ou aqueles que pertencem à “centralidade do capitalismo” venham alterando as suas leis para ampliar a oferta de empregos para brasileiros, em detrimento dos trabalhadores locais.

Não se trata aqui de ufanismo, mas puro exercício de bom senso. Notem que não estamos especificando trabalho para marítimo. Eis que o projeto em questão abrange a totalidade dos setores de nossa economia. Por que flexibilizar ainda mais o mercado de trabalho aos estrangeiros, se nossos profissionais não encontram a mesma reciprocidade alhures? Não há justificativa legal, nem mesmo moral, para adotarmos tal iniciativa em prejuízo de profissionais brasileiros.

Neste sentido, é preciso ressalvar que nós do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante mantemos com entidades congêneres de outros países programas de intercâmbios e parcerias de grande importância e que, no âmbito de nossa entidade sindical, acolhemos e representamos todo e qualquer oficial mercante estrangeiro que esteja legalmente trabalhando em nosso país. E nem poderia ser diferente, porque profissional estrangeiro que trabalha legalmente no Brasil goza dos mesmos direitos que os brasileiros. Entendemos que é assim que deve ser.

Contudo, deve haver condições para a abertura, não importa em que segmento econômico. A estruturação de uma legislação que, sem qualquer justificativa, desmancha as condicionantes para o ingresso de profissional estrangeiro é algo que ultrapassa os limites da razoabilidade.

No que toca o mercado de oficiais mercantes, em particular, bem como marítimos de maneira geral, é preciso lembrar que o cenário é preocupante. Hoje a oferta de profissionais está acima da demanda de mercado, a despeito dos cenários falaciosos que, na última década, propalavam um suposto “apagão marítimo”. O que temos hoje é a falta de emprego para oficiais mercantes.


Vale dizer que o número de formandos decuplicou nos últimos dez anos, sem a contrapartida em novas embarcações. A propósito, o que aconteceu com a Marinha Mercante de longo curso brasileira? Por que nossa navegação de cabotagem continua representando ridículo 1% (ou pouco mais) da matriz de transporte nacional? São perguntas que devem ser formuladas aos armadores brasileiros e também ao governo. Não estamos contra os estrangeiros. Mas também não podemos estar contra os brasileiros.

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