terça-feira, 13 de maio de 2014

Blog dos Mercantes traz a hidrovia do debate

O Blog dos Mercantes vem há tempos dizendo que o Brasil vem debatendo e prometendo muito, mas executando pouco. A reportagem abaixo, da revista Portos & Navios é um belo exemplo do que dizemos.

De início projetado para os anos 80 do séc. XX, as obras – poucas por sinal – para a ampliação de parte da hidrovia do Paraná-Paraguai, as obras vêm sendo proteladas por escaramuças judiciais, que impedem até mesmo os necessários e importantes estudos de impacto ambiental, que podem mitigar ou impedir destruições desnecessárias do meio-ambiente, mantendo a “saúde” do ecossistema local.

Mas o que realmente não dá para entender é a demora em se definir um padrão para os estudos. E enquanto isso o país permanece perdendo oportunidades e espaço para concorrentes globais. A quem interessa isso?


Hidrovia é discutida desde 1980, mas continua no papel

Por Laíse Lucatelli

Os planos de implantar uma hidrovia que começa na porção mato-grossense do Rio Paraguai, parte da Hidrovia Paraguai-Paraná, são discutidos desde a década de 1980 e ainda não saíram do papel.

O projeto prevê facilitar a navegação no trecho que começa em Cáceres (225 km a Oeste de Cuiabá), no Pantanal Norte, passando pelo Rio Paraná, até o a foz do Rio da Prata, no Uruguai. O tema é polêmico e divide opiniões.

Nos últimos 15 anos, o grande impeditivo das obras na hidrovia foram as brigas jurídicas. A pedido do Ministério Público Federal, a Justiça Federal impediu a realização de estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA-Rima) fracionados ao longo do rio – o entendimento era que a hidrovia inteira, nos mais de 3,4 mil km que vão de Cáceres até o Uruguai, deveria ter um único estudo.

Na prática, isso impediu o avanço da obra. Em 2013, o Tribunal Regional Federal (TRF) liberou a realização do EIA-Rima da Estação de Transbordo de Carga (ETC) de Santo Antônio das Lendas, ou simplesmente Porto de Morrinhos, desvinculado dos 3,4 mil km de hidrovia.

O porto fica a 85 km de Cáceres, na margem esquerda do Rio Paraguai, e os estudos terão que ser feitos pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama).

Impacto econômico

O historiador Alfredo da Mota Menezes, que foi assessor de Relações Internacionais e responsável pela articulação em prol da hidrovia no Governo Dante de Oliveira (PSDB), em 1997, comemorou a recente autorização da Justiça para prosseguimento dos estudos.


“A discussão começou no Governo Carlos Bezerra (PMDB), na década de 1980, e no Governo Dante nós elaboramos os projetos e compramos a briga. A hidrovia passa por quatro países da América do Sul e é o transporte mais barato que existe. Não sei como não enxergam isso. Essa via do Rio Paraguai já é usada já séculos”, afirmou.

Para o presidente do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), Alexandre Schutze, os projetos da hidrovia apenas vão ampliar o que já existe.

“A navegação até Cáceres sempre existiu. Sapatos, roupas e comida vinham do mundo inteiro para o município pelo Rio Paraguai. E a hidrovia só não saiu do papel em Mato Grosso, pois em Mato Grosso do Sul ela opera que é uma beleza. Mais de 2 mil embarcações transportam commodities rio abaixo”, afirmou.

De acordo com Schutze, mais de 12 milhões de toneladas de commodities poderiam já estar sendo transportadas pelo porto de Morrinhos, e toda a produção de soja entre Tangará da Serra e Sapezal.

A importância econômica da hidrovia é, principalmente, em função da redução do valor do frete, que é mais barato do que por rodovias e ferrovias. “Esperamos que essa questão ambiental seja resolvida logo”, disse.

O engenheiro civil e consultor Adilson Reis, que já fez uma série de trabalhos de campo na hidrovia e no Porto de Morrinhos, afirmou que o projeto não prevê grandes intervenções no Rio Paraguai.

“Hidrovia é só o termo. O rio não vai mudar nada; ele já vem sendo aprofundado e dragado há 100 anos. O que queremos é construir os terminais portuários”, afirmou.

Ele informou que, atualmente, as embarcações de carga que navegam no Rio Paraguai podem ter até seis chatas de 1 metro de largura por 6 metros de comprimento, alinhadas duas a duas, mais o dimensionador na frente, puxando o comboio – o que corresponde a embarcações de 2 por 36 metros.

Impactos no rio

Na avaliação da geógrafa Célia Alves de Souza, que é professora na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), o rio Paraguai não é adequado para receber uma hidrovia. “O rio tem uma área mais profunda e outra mais rasa.

Na estiagem, as grandes embarcações evitam a parte rasa e passam na parte mais profunda, próximo às margens, arrancando sedimentos e vegetação, e provocando o assoreamento, de modo que o leito do rio fica ainda mais raso”, disse.

A pesquisadora afirma que, para tornar o rio mais navegável no trecho que passa por Cáceres, será preciso aprofundar o leito em alguns pontos e retificar alguns trechos com curvas mais sinuosas e complicadas para as embarcações. “Isso vai aumentar a velocidade da água e alterar o curso do rio, pois a água vai se concentrar no canal principal e prejudicar os diversos canais secundários do Pantanal, como baías, corixos, vazantes e braços do rio”, alertou.

Célia, que pesquisa as mudanças no Rio Paraguai há 10 anos, disse, ainda, que o leito muda constantemente, de modo que o canal secundário pode se tornar principal e o principal se tornar secundário. “Como saber qual canal continuará sendo o principal? Essa é uma característica comum em rios de planície e, principalmente, no Paraguai”, afirmou a geógrafa.

Ela ressaltou, porém, que a forma atual de navegação, sem obras que alterem o leito do rio, não é tão prejudicial quanto a agricultura nas cabeceiras do Rio Paraguai, principalmente de soja, algodão e cana-de-açúcar. “O uso das cabeceiras para essas monoculturas são as principais responsáveis pelos impactos negativos no rio”, disse.

Ecossistema

Para o biólogo e doutor em ecologia Dionei José da Silva, também da Unemat, é importante realizar o EIA-Rima completo da hidrovia.

Dionei defendeu, também, que os impactos sejam analisados em conjunto com os outros empreendimentos que a hidrovia trará à região, como ferrovias, rodovias e armazenagem.

“Existem efeitos sinergísticos que podem ser potencializados juntos. Por outro lado, grupos de animais se movimentam, e o impacto que é alto numa região pode ser baixo se avaliado ao longo do rio, pois eles saem de uma região e migram para outra”, observou.


“O Pantanal é uma planície inundável e os animais são dependentes do fluxo de água. Alguns peixes dependem das lagoas na época de seca, bem como as aves. A inundação também fertiliza os solos onde nascem as gramíneas. A capivara depende da gramínea e a onça depende da capivara. Se um dos elos for rompido, pode causar um impacto em cadeia. Mas é preciso fazer os estudos, pois o impacto pode não ser tão grande. Hoje eu não tenho dados para dizer se a hidrovia é viável ou não”, concluiu.

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