O Blog dos Mercantes vem há
tempos dizendo que o Brasil vem debatendo e prometendo muito, mas executando
pouco. A reportagem abaixo, da revista Portos & Navios é um belo exemplo do
que dizemos.
De início projetado para os anos
80 do séc. XX, as obras – poucas por sinal – para a ampliação de parte da
hidrovia do Paraná-Paraguai, as obras vêm sendo proteladas por escaramuças
judiciais, que impedem até mesmo os necessários e importantes estudos de impacto
ambiental, que podem mitigar ou impedir destruições desnecessárias do
meio-ambiente, mantendo a “saúde” do ecossistema local.
Mas o que realmente não dá para
entender é a demora em se definir um padrão para os estudos. E enquanto isso o
país permanece perdendo oportunidades e espaço para concorrentes globais. A quem interessa isso?
Hidrovia é discutida desde 1980, mas
continua no papel
Por Laíse Lucatelli
Os planos de implantar uma hidrovia
que começa na porção mato-grossense do Rio Paraguai, parte da Hidrovia
Paraguai-Paraná, são discutidos desde a década de 1980 e ainda não saíram do
papel.
O projeto prevê facilitar a navegação
no trecho que começa em Cáceres (225 km a Oeste de Cuiabá), no Pantanal Norte,
passando pelo Rio Paraná, até o a foz do Rio da Prata, no Uruguai. O tema é
polêmico e divide opiniões.
Nos últimos 15 anos, o grande
impeditivo das obras na hidrovia foram as brigas jurídicas. A pedido do
Ministério Público Federal, a Justiça Federal impediu a realização de estudos e
relatórios de impacto ambiental (EIA-Rima) fracionados ao longo do rio – o
entendimento era que a hidrovia inteira, nos mais de 3,4 mil km que vão de
Cáceres até o Uruguai, deveria ter um único estudo.
Na prática, isso impediu o avanço da
obra. Em 2013, o Tribunal Regional Federal (TRF) liberou a realização do
EIA-Rima da Estação de Transbordo de Carga (ETC) de Santo Antônio das Lendas,
ou simplesmente Porto de Morrinhos, desvinculado dos 3,4 mil km de hidrovia.
O porto fica a 85 km de Cáceres, na
margem esquerda do Rio Paraguai, e os estudos terão que ser feitos pelo
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama).
Impacto econômico
O historiador Alfredo da Mota
Menezes, que foi assessor de Relações Internacionais e responsável pela
articulação em prol da hidrovia no Governo Dante de Oliveira (PSDB), em 1997,
comemorou a recente autorização da Justiça para prosseguimento dos estudos.
“A discussão começou no Governo
Carlos Bezerra (PMDB), na década de 1980, e no Governo Dante nós elaboramos os
projetos e compramos a briga. A hidrovia passa por quatro países da América do
Sul e é o transporte mais barato que existe. Não sei como não enxergam isso.
Essa via do Rio Paraguai já é usada já séculos”, afirmou.
Para o presidente do Conselho de
Infraestrutura da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), Alexandre
Schutze, os projetos da hidrovia apenas vão ampliar o que já existe.
“A navegação até Cáceres sempre
existiu. Sapatos, roupas e comida vinham do mundo inteiro para o município pelo
Rio Paraguai. E a hidrovia só não saiu do papel em Mato Grosso, pois em Mato
Grosso do Sul ela opera que é uma beleza. Mais de 2 mil embarcações transportam
commodities rio abaixo”, afirmou.
De acordo com Schutze, mais de 12
milhões de toneladas de commodities poderiam já estar sendo transportadas pelo
porto de Morrinhos, e toda a produção de soja entre Tangará da Serra e Sapezal.
A importância econômica da hidrovia
é, principalmente, em função da redução do valor do frete, que é mais barato do
que por rodovias e ferrovias. “Esperamos que essa questão ambiental seja
resolvida logo”, disse.
O engenheiro civil e consultor
Adilson Reis, que já fez uma série de trabalhos de campo na hidrovia e no Porto
de Morrinhos, afirmou que o projeto não prevê grandes intervenções no Rio
Paraguai.
“Hidrovia é só o termo. O rio não vai
mudar nada; ele já vem sendo aprofundado e dragado há 100 anos. O que queremos
é construir os terminais portuários”, afirmou.
Ele informou que, atualmente, as
embarcações de carga que navegam no Rio Paraguai podem ter até seis chatas de 1
metro de largura por 6 metros de comprimento, alinhadas duas a duas, mais o
dimensionador na frente, puxando o comboio – o que corresponde a embarcações de
2 por 36 metros.
Impactos no rio
Na avaliação da geógrafa Célia Alves
de Souza, que é professora na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), o
rio Paraguai não é adequado para receber uma hidrovia. “O rio tem uma área mais
profunda e outra mais rasa.
Na estiagem, as grandes embarcações
evitam a parte rasa e passam na parte mais profunda, próximo às margens,
arrancando sedimentos e vegetação, e provocando o assoreamento, de modo que o
leito do rio fica ainda mais raso”, disse.
A pesquisadora afirma que, para
tornar o rio mais navegável no trecho que passa por Cáceres, será preciso
aprofundar o leito em alguns pontos e retificar alguns trechos com curvas mais
sinuosas e complicadas para as embarcações. “Isso vai aumentar a velocidade da
água e alterar o curso do rio, pois a água vai se concentrar no canal principal
e prejudicar os diversos canais secundários do Pantanal, como baías, corixos,
vazantes e braços do rio”, alertou.
Célia, que pesquisa as mudanças no
Rio Paraguai há 10 anos, disse, ainda, que o leito muda constantemente, de modo
que o canal secundário pode se tornar principal e o principal se tornar
secundário. “Como saber qual canal continuará sendo o principal? Essa é uma
característica comum em rios de planície e, principalmente, no Paraguai”,
afirmou a geógrafa.
Ela ressaltou, porém, que a forma
atual de navegação, sem obras que alterem o leito do rio, não é tão prejudicial
quanto a agricultura nas cabeceiras do Rio Paraguai, principalmente de soja,
algodão e cana-de-açúcar. “O uso das cabeceiras para essas monoculturas são as
principais responsáveis pelos impactos negativos no rio”, disse.
Ecossistema
Para o biólogo e doutor em ecologia
Dionei José da Silva, também da Unemat, é importante realizar o EIA-Rima
completo da hidrovia.
Dionei defendeu, também, que os
impactos sejam analisados em conjunto com os outros empreendimentos que a
hidrovia trará à região, como ferrovias, rodovias e armazenagem.
“Existem efeitos sinergísticos que
podem ser potencializados juntos. Por outro lado, grupos de animais se
movimentam, e o impacto que é alto numa região pode ser baixo se avaliado ao
longo do rio, pois eles saem de uma região e migram para outra”, observou.
“O Pantanal é uma planície inundável
e os animais são dependentes do fluxo de água. Alguns peixes dependem das
lagoas na época de seca, bem como as aves. A inundação também fertiliza os
solos onde nascem as gramíneas. A capivara depende da gramínea e a onça depende
da capivara. Se um dos elos for rompido, pode causar um impacto em cadeia. Mas
é preciso fazer os estudos, pois o impacto pode não ser tão grande. Hoje eu não
tenho dados para dizer se a hidrovia é viável ou não”, concluiu.
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