terça-feira, 15 de julho de 2014

A mudança na lei não faz milagres nos portos

A reportagem do Valor Econômico é típica de quem está vendo um problema sob uma ótica distorcida. Por parte de exportadores, claramente há pedidos para que o governo brasileiro imponha restrições de preços a empresas estrangeiras que atuam no Brasil, no comércio internacional. Por outro lado o governo responde baseado em uma lenda, que se chama livre concorrência. Por último, parte dos atores do setor, reclama que a nova Lei dos Portos não teve as repercussões que se esperavam. Vamos analisar essas posições e dar nossa sugestão.

Primeiro a questão de uma intervenção do governo no preço de fretes internacionais de mercadorias transportadas do e para o Brasil. Isso é algo muito difícil para qualquer governo, com as ferramentas que nosso governo tem. Na verdade quase impossível, pois não temos ferramentas adequadas para intervir nesse mercado.

Outra coisa é a réplica do governo. Livre Mercado é lenda. Empresas sempre buscam uma maneira de evitar a concorrência, e isso se torna mais fácil quando os governos têm poucos, ou nenhum mecanismo para intervir nos diversos setores que compõem sua economia. No Brasil temos poucas formas de intervenção.

A Lei dos Portos. Sim ela tem condições de, em médio prazo (5 ou 6 anos), começar a diminuir custos no setor portuário. O problema é que diminuição de custos não significa necessariamente diminuição de preços. Como já dissemos aqui no Blog dos Mercantes, empresas buscam primeiramente maximizar seus lucros. Assim, qualquer diminuição de custos, tende a ser incorporada aos lucros, como forma de aumenta-los, e não aos preços, para abaixá-los.  A segunda hipótese só aparece quando é necessária, seja por concorrência (que como já dissemos, é evitada pelas empresas), seja por pressão de governos (que também como já vimos, temos poucas formas de intervenção).

Então precisamos mudar três posições para começarmos a acertar esse mercado de fretes ligados à Marinha Mercante. A primeira coisa é pararmos de acreditar na falácia do Livre Mercado, e de que diminuição de custos leva a diminuição de preços. O discurso até pode continuar esse, mas precisamos criar e usar recursos para intervir nos setores chaves de nossa economia, de forma a levá-los a apresentar preços e eficiências adequados às nossas necessidades.

Para isso é necessário não só acompanhar os preços, mas atuar ativamente no mercado, com a manutenção de uma agência reguladora forte e respeitada. O CADE deveria ser melhor utilizado, tendo como base o direito do consumidor brasileiro, e a economia brasileira, estando em segundo plano interesses de empresas, se estrangeiras ficam ainda mais atrás, principalmente se não investem diretamente no país (caso das empresas de navegação estrangeiras).

Outra medida necessária é manter uma Marinha Mercante nacional de Longo Curso, com a finalidade de poder intervir no preço dos fretes. Como já mostramos em outras postagens, a manutenção de uma Marinha Mercante tem outras vantagens e abre o leque de outras possibilidades também, não apenas no preço direto do frete, mas também no custo do produto brasileiro no exterior.

A partir disso temos que fazer contas. O que é mais barato, gastar mais de USD 10 bi ao ano em fretes, pagos a empresas estrangeiras, fora os custos aumentados em nossos produtos pelo preço abusivo de frete, e rotas mais longas às quais nos obrigam para determinados mercados, ou a manutenção de uma frota mercante própria?

Ah, ela terá que ser subsidiada. Provavelmente. Acontece que temos subsidiado muita coisa, que no final das contas caem em mãos de empresas estrangeiras. Porque não subsidiar a nós mesmos?


Valor Econômico – Reportagem – 22/05/2014
 Reforma portuária não reduz custos
Por Fernanda Pires | Para o Valor, de São Paulo

Usuários finais dos portos, os chamados donos de cargas, dizem que a reforma portuária - prestes a completar um ano - não reduziu os preços que eles pagam para operar. Segundo Osvaldo Agripino, fundador e consultor jurídico da Associação dos Usuários dos Portos de Santa Catarina (Usuport), a maior oferta de terminais irá beneficiar os armadores, que são os clientes diretos dos portos. Mas a Lei dos Portos não garantiu mecanismos para a companhia de navegação repassar ao exportador a redução dos custos de operar nos portos. Em porto, o dono da carga contrata o armador que, por sua vez, escolhe o terminal onde atracará o navio. "A reforma não alcançou o armador. Não adianta fazer mais terminais se os agentes logísticos não são regulados."
 Agripino criticou o que considera falta de atuação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre a atividade dos armadores transnacionais, que transportam 98% do comércio exterior brasileiro. "Uma vez aqui, eles delegam a atividade a um agente marítimo. Na hora em que você tem um problema não consegue pegar o armador. A Antaq não tem controle nenhum, não sabe quais são os navios, não dá as escalas, não tem outorga de autorização, não sabe o que eles cobram dos usuários", disse. As manifestações foram feitas em evento de infraestrutura realizado pela Fiesp.
 Diretor da Antaq, Fernando Fonseca disse que a agência não tem a prerrogativa de emitir outorga para esses operadores realizarem a atividade no país, ao contrário do que acontece com empresas de bandeira brasileira. "O que podemos fazer é um ato normativo para regulamentar, regular e fiscalizar a atuação dessas empresas. A gente pretende baixar um ato normativo", disse, sem dar data.
 A ideia é monitorar fretes, mas não tabelar preços. Assim como acompanhar as cobranças de demurrage (sobrestadia cobrada pelo armador do usuário por atraso na entrega do contêiner) e o desempenho e a qualidade do serviço dessas empresas.
 Só de itens extras cobrados são mais de 20, além do frete marítimo propriamente, afirmou Agripino. De acordo com ele, 70% dos armadores de longo curso que operam em águas brasileiras usam bandeira de conveniência registrada em outros países.
Sobre a afirmação de que a Lei dos Portos não garante a redução de custos aos donos das cargas, o assessor especial da Secretaria de Portos (SEP), José Newton Barbosa, discordou. "O dono da carga contrata o armador por meio de um agente. Esse agente vai ter de reduzir o preço em função da competitividade", afirmou.
 Os terminais portuários também criticaram alguns aspectos da nova lei. As instalações criadas no bojo da antiga lei, de 1993, irão sugerir ao governo mecanismos para equilibrar a convivência com os novos terminais que serão arrendados nos portos públicos. A reforma mudou as regras para a iniciativa privada entrar na operação portuária: eliminou a exigência de o empreendedor pagar outorga para vencer a licitação. O ágio do leilão vem sendo precificado nos serviços cobrados pelos terminais ao longo do arrendamento.
 Já o novo critério para arrematar as áreas será a garantia de menor tarifa a ser cobrada pelo serviço ou a maior movimentação de cargas, o que criará dois modelos econômicos diferentes no mesmo ambiente concorrencial.

 "Estamos buscando formas de equilibrar as duas estruturas", disse o delegado da Associação Brasileira de Terminais Portuários (BTP) e presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), no porto de Santos, Henry Robinson. O executivo não detalhou quais serão as sugestões.

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