Quando lemos algumas coisas temos
que estar atentos para não cairmos na armadilha de não pensar sobre o que foi
escrito. O texto abaixo, veiculado no Jornal do Commercio, é um desses em que
temos que prestar muita atenção.
Não vamos entrar aqui nas questões
de marco legal, e instabilidade jurídica no setor, apontados por Nelson
Carlini, presidente do conselho de administração da LOGZ, mas sim na questão
dos trabalhadores portuários.
E diferentemente de Carlini,
apontamos o erro da nova lei em não estender a obrigatoriedade de contratação
pelo OGMO de trabalhadores para todo o setor portuário. Dizemos isso por alguns
motivos a seguir.
Primeiro que a busca de contratar
trabalhadores pela CLT é uma das desculpas mais esfarrapadas que conheço. Isso
porque todos os empregadores que conheci atacam a CLT, chamando-a de arcaica,
pesada e excessiva.
Também presenciei várias vezes
portos e terminais que buscaram a terceirização de seus empregados, incluindo o
cargo de gerência, o que mostra que não têm a menor intensão de defenderem a
CLT.
Também podemos dizer que nem
todos os trabalhadores do país estão sujeitos à CLT. Incluímos aí categorias
bem mais numerosas do que a dos portuários, que estão sujeitas à variedade de
legislação aplicada aos seus direitos trabalhistas. Nem por isso essas
categorias deixam de ser altamente especializadas.
Outro bom argumento contra a
contratação livre de trabalhadores portuários, é a periculosidade do setor.
Assim como em muitas profissões é necessário um treinamento específico, no
setor portuário também, devido ao fato de ser um setor bastante diverso e sempre
de alto risco. A contratação de trabalhadores sem qualificação seria mais um
agravante em um quadro que já apresenta alto índice de acidentes. Além disso,
há que se garantir o treinamento adequado desses trabalhadores, e a dispersão
desse treinamento pelas empresas, iria apenas dificultar a fiscalização quanto
à qualidade do mesmo, e se os trabalhadores estão realmente qualificados.
Por último podemos dizer que
qualquer setor está sempre sujeito à instabilidade jurídica, uns mais, outros
menos, variando de acordo com o tempo em que as leis para um determinado setor
estão ou não válidas. No caso do portuário, a lei vem sendo mudada com
frequência, o que amplia essa instabilidade, o que deverá se estabilizar apenas
com o tempo. Mas a Justiça está aí, e é de acesso a qualquer pessoa (física ou
jurídica), e nela se pode pleitear qualquer coisa. Ganhar é outra história...
Lei dos Portos sem retrocessos
Por Nelson Carlini*
A nova Lei dos Portos, promulgada em
05 de junho, poderá de fato dar impulso à modernização do setor, com reflexos
positivos em toda a infraestrutura logística brasileira, como pretende o
governo, desde que não sejam estabelecidas regras complementares, de caráter
infralegal, que reintroduzam obstáculos aos investimentos que tanto tempo se
levou para afastar.
A advertência é oportuna porque, após
darmos um passo à frente, corremos o risco de esbarrar num ativismo
administrativo que pode comprometer o esforço de reestruturação empreendido até
aqui.
Um exemplo do retrocesso está na
Portaria número 110 da Secretaria Especial dos Portos (SEP), que ressuscita um
tipo de restrição que a própria Lei 12.815 havia oportunamente eliminado.
Publicada no Diário Oficial da União
de 05 de agosto, ou seja, imediatamente após a promulgação da nova legislação,
a portaria proíbe a expansão das instalações localizadas dentro dos portos
públicos.
Além disso, limita a 25% a ampliação
dos terminais de uso privado – os chamados TUPs, fora da área dos portos
públicos.
Se o objetivo maior da nova lei é
estimular o desenvolvimento do setor, com a ampliação da oferta num mercado
concorrencial, atraindo recursos por conta e risco dos investidores, é difícil
entender de que forma a referida portaria pode contribuir para que o
alcancemos.
Na verdade, mesmo reconhecendo o
importante papel da SEP como Poder Concedente que lhe foi atribuído pelo novo
marco regulatório, a regra infralegal provoca ainda maior estranheza.
Uma portaria não pode criar regra
restritiva que vá além dos limites previstos na Lei. No caso em questão, a
norma restritiva não apenas ultrapassa os limites da Lei como está na sua
contramão, ao restringir investimentos no momento em que o país mais precisa
deles.
Isso por si só cria um problema
adicional, de ordem jurídica, mas com efeitos deletérios na esfera econômica,
pois, se a nova lei visava a prevenir conflitos e dar segurança jurídica
àqueles que operam e investem no setor (bem como aos aspirantes a tanto), a
portaria potencializa o cenário inverso, com campo fértil para inúmeros
conflitos.
Os problemas do novo ambiente
regulatório não param aí. Também nos novos editais de licitação dos terminais
há exigências que precisam ser eliminadas.
Entre elas os altos valores a serem
pagos pelas garantias da proposta e do contrato sobre o valor geral do
arrendamento, bem como as elevadas penalidades por cancelamento de projeto.
Aqui é preciso fazer um parêntese. Na
questão da mão de obra a própria nova Lei dos Portos retrocedeu-se na medida em
que estendeu um modelo anacrônico e que, desde 1993, era restrito à estiva
(movimentação de carga a bordo), ao trabalho em terra.
Refiro-me à obrigatoriedade, nos
terminais arrendados, de contratação de trabalhadores via monopólio do Órgão
Gestor de Mão de Obra (OGMO), e não livremente pela CLT, como ocorre em todos
os segmentos da economia, inclusive nos terminais portuários privados.
Cerca de 40 mil trabalhadores
encontram-se nessa situação, em contraste com os 41,2 milhões de brasileiros
que têm carteira assinada. Sem vínculo empregatício com os operadores
portuários, pois são autônomos cadastrados nos OGMOs, eles não podem ser treinados,
alocados ou mobilizados de acordo com critérios de eficiência e produtividade.
Evidentemente, ao manter o
anacronismo nos terminais arrendados e ainda estendê-lo ao trabalho em terra,
nessas áreas, a nova Lei gerou uma assimetria com os terminais privativos, que
estão livres para contratar e seu pessoal via CLT. Assimetria regulatória
provoca insegurança jurídica.
Mas, a despeito da questão da mão de
obra, a Lei 12.815 representou um grande avanço em todos os seus outros
aspectos. E, por essa razão, não devemos permitir os retrocessos por meio das
normas suplementares.
O governo, e aí incluídos todos os
seus organismos com inferência no setor, em especial a SEP, reviu regras e
parâmetros de operação cristalizados que constituíam inegáveis fatores de
ineficiência, já que impediam a ampla concorrência indispensável ao
desenvolvimento portuário.
Durante o trâmite legislativo até a
sua aprovação final, não foram poucas as tentativas de introduzir no texto da
Lei 12.815 mecanismos que representariam a manutenção de um arcabouço
ineficiente.
Entre os dispositivos restritivos que
o governo soube repelir estava o conceito de terminal-indústria, que retomava a
distinção entre carga própria e de terceiros, representando, desta forma, uma
barreira à ampla abertura na medida em que restringiria a operação dos
terminais privados.
Da mesma forma, rechaçou a proibição
para que empresas de navegação operassem terminais. Ora, se o que se pretende é
atrair investimentos, e as empresas de navegação operam alguns dos terminais
mais competitivos do mundo, em ambiente de aberta e saudável disputa, estava
claro que a regra era contrária aos interesses do país.
Na sequência do marco regulatório, o
governo também acertou ao disciplinar a renovação e a prorrogação dos contratos
dos terminais arrendados, não permitindo o gatilho automático que comprometeria
a ampla concorrência e por extensão um volume maior de investimentos.
Nas estimativas mais otimistas, a
necessidade de investimentos no setor é de R$ 45 bilhões, no médio prazo. Os
gargalos são notórios. No porto de Santos, maior da América Latina, navios
chegam a esperar dias para atracar, gerando custos que se propagam por toda a
cadeia produtiva nacional.
Com essa estrutura ineficiente,
nenhuma economia consegue ser competitiva e conquistar mercados.
A nova Lei dos Portos tem chances de
reverter este quadro. Somente com os 50 empreendimentos previstos no primeiro
pacote de novos investimentos, espera-se atrair mais de R$ 15 bilhões.
Concretizados, esses investimentos
representariam mais 105 milhões de toneladas em capacidade operacional, o
equivalente a aproximadamente 15% do que movimentamos hoje em todos os nossos
portos.
Novas levas de investimentos virão na
sequência – um grande estímulo ao desenvolvimento do país.
Mas, para que as previsões se
confirmem, precisamos eliminar entraves infralegais como os mencionados acima.
Não podemos mais retroceder.
*Nelson Carlini, Presidente do
Conselho de Administração da LOGZ Logística Brasil S.A.
**Este mesmo artigo pode ser
encontrado nos seguintes portais online: ABTP (Associação Brasileira de
Terminais Portuários); INTELOG (Inteligência em gestão logística); e no Portal
Fator Brasil.
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