quarta-feira, 20 de maio de 2020

Bresser-Pereira

Esse texto extraído da página de facebook de Bresser-Pereira, e como podemos ver, já de alguns meses atrás, está desde aquela época em meus arquivos para ser comentado. A verdade é que o (des)governo Bolsonaro, e as velocíssimas alterações das realidades mundial e nacional, têm deixado um pouco difícil de comentarmos tudo o que achamos relevante a tempo e a hora. Mas isso não significa que as coisas percam totalmente o significado. Ao contrário, às vezes elas se tornam mais claras passado algum tempo. É o caso do texto abaixo.

Uma coisa me parece ser uma verdade incontestável: as esquerdas - aqui em seu sentido mais amplo, e não apenas na chamada esquerda revolucionária - sempre criticaram, mas nunca combateram realmente o neoliberalismo, pois que, sempre que estiveram no poder deram um jeito de se adequar aos interesses neoliberais, e nunca as vi combater efetivamente tal ideologia e construção de mundo. Isso aconteceu seja na Europa, seja nas Américas.

Mas partindo de uma premissa verdadeira, me parece que Bresser Pereira se equivoca ao aprofundar sua análise. O projeto neoliberal não é um projeto com vistas ao desenvolvimento da produção - ainda que o processo produtivo possa ser contemplado em sua visão de mundo - mas um processo de acumulação financeira do capital. Na visão neoliberal a primazia é do mercado - financeiro - ficando a produção como apenas um degrau, um apoio, que possibilita essa acumulação. Por isso se permitiu a migração maciça de fábricas e complexos produtivos para a China e o Extremo Oriente, já que, num mundo neoliberal, não importa onde são produzidas as coisas, mas que elas cheguem para o consumo de todos. Esquecem-se que, para consumir, é preciso ter emprego e salário.

A resposta foram as políticas compensatórias através do Estado. Mas elas são totalmente insuficientes para o consumo, justamente porque uma das políticas neoliberais é isentar os ricos de impostos, e sem impostos os governos não conseguem fazer essas políticas compensatórias a contento. Atacam-se as aposentadorias e programas de renda mínima, passando por assistência médica, ensino, e até segurança. Tudo vira negócio, mas cada vez o mercado consumidor se torna mais restrito.

O neoliberalismo não fracassou porque a China ganhou a competição da liberação das fronteiras comerciais, o neoliberalismo está sendo revisto porque ele é a aplicação mais pura já pensada do capitalismo em sua essência, ou seja, pensar que a distribuição de renda e riqueza será feita por aqueles que pensam apenas em como concentrá-las.

Por isso a economia brasileira derrapa em níveis cada vez mais baixos (per capita) desde 2015, e por isso o mundo busca trazer novamente a produção para o centro do debate, porque não existe finança sem produção.

Economia é uma invenção humana. Leões, zebras, bois, peixes, nenhum animal cultiva ou produz seus alimentos de forma organizada e coordenada. Ao contrário, apenas coletam o que a natureza lhes oferece. O único que produz aquilo que precisa para sobreviver são os humanos. Por isso não existe essa economia "natural", "liberal", que alguns insistem em defender, justamente porque ela é uma obra humana.

Dentro dessa obra humana o dinheiro é uma convenção, criada para facilitar a troca das riquezas produzidas. Posso trocar pratos por trigo, ou carne por facas, mas uma sociedade quiser viver de trocar dinheiro por dinheiro, morrerá de fome. Muito óbvio que a economia é muito mais complexa que isso, mas é apenas para mostrar que dinheiro por dinheiro não significa nada, se não houver uma produção que o baseie.

Americanos e Ingleses não vêm suas economias com problemas por perderem uma guerra comercial, mas por terem dado as costas àquilo que baseou o aparecimento de seus países como líderes mundiais: a produção. Isso em troca de um financismo sem base.

Verdade que a chamada economia 4.0 já não se baseia apenas na produção de riqueza tradicional, mas na utilização de novas ferramentas, e na criação de novas ferramentas e produtos. Isso exige pesquisa, investimento, mas ainda temos um espaço enorme em nossa vida que é baseado na produção tradicional. A China ganha primazia porque soube dominar, liderar a produção dessa economia tradicional, e usa esses recursos para entrar com força na nova era, sem virar as costas para a anterior, enquanto a grande maioria de seus concorrentes estiveram, por décadas, apenas voltados às novidades.

Os EUA não perderam a guerra comercial, eles abriram mão dela. Agora vêm o erro que cometeram, e tentam recuperar o terreno perdido. Como sempre o fazem de forma errada, agressiva, e irresponsável.

Monstro de três cabeças

Ontem a vitória do Partido Conservador no Reino Unido marcou mais um capítulo da crise do neoliberalismo e do seu projeto de globalização. Como foi o caso da eleição de Trump em 2016 e o referendo do Brexit no mesmo ano, o vitorioso foi o nacionalismo conservador. A esquerda em todo mundo vem fazendo a crítica do neoliberalismo desde os anos 1980, mas afinal quem está destruindo o fundamentalismo de mercado e defendendo uma política desenvolvimentista de intervenção moderada do Estado na economia não são os partidos de esquerda mas os partidos conservadores nos dois países onde, em 1980, a “virada neoliberal” - a transição da social-democracia desenvolvimentista para o neoliberalismo - foi mais marcante.

O projeto da globalização dos Estados Unidos fracassou porque o grande vitorioso da liberalização comercial foi a China; o neoliberalismo fracassou no plano econômico por essa mesma razão e fracassou no plano político porque os trabalhadores brancos ou a baixa classe média nos Estados Unidos e no Reino Unido foram objetivamente prejudicados pela liberalização comercial.

Enquanto isso o Brasil mergulha no neoliberalismo com Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes. Mas, como analisou muito bem hoje Fernando Haddad, esse governo não é apenas neoliberal, é também autoritário, com o ministro Sérgio Moro e fundamentalista, com a ministra Damaris de Oliveira. Haddad denominou-o “geringonça”, mas eu prefiro denominá-lo um monstro de três cabeças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário