Passeando
pela net dei de cara com a análise de Cátia Guimarães, jornalista e doutoranda
em serviços sociais, sobre as manifestações que vem ocorrendo nas ruas de
nossas cidades. Muitas dessas manifestações descambam para a violência, com os
governos considerados progressistas mostrando seu lado reacionário e opressivo.
No artigo
de Cátia Guimarães, veiculado no sítio do "Observatório da Imprensa", vemos uma
análise clara e nítida de como se comportam o jornal e os jornalistas que “criam”
as matérias que levam milhões de pessoas a se “desinformarem” sobre os fatos
ocorridos.
A se
destacar o espírito corporativista da autora, que busca defender e desculpar a
atitude de seus colegas jornalistas, tentando colocá-los como um subproduto do
meio de comunicação em que trabalham, esquecendo-se de suas formações
acadêmicas, culturais e familiares
.
O
corporativismo, através de uma ética de defesa de classe, é algo que, hoje em
dia, falta em várias de nossas categorias profissionais. Os liberais gritaram a
plenos pulmões que o corporativismo é pernicioso à sociedade e à economia, pois
aumenta custos com procedimentos e mão de obra.
Mas nós
apenas diremos que esses gritos são uma grande falácia. Isso tem sim, o
potencial de, se bem gerido, criar categorias fortes, trabalho de qualidade,
levando a resultados melhores aos profissionais, empregadores e adquirentes dos
serviços e produtos dessa categoria.
O texto de
Cátia Guimarães vale a pena. Percam alguns minutos para lê-lo.
Sexta-feira,
11 de Outubro de 2013 | ISSN 1519-7670 - Ano 17 -
nº 767
LEITURAS DO ‘GLOBO’
Interesse e ignorância:
passando dos limites
Por Cátia Guimarães
em 08/10/2013 na edição 767
Vamos
resumir assim: a polícia cometeu excessos, policiais isolados chegaram a forjar
flagrantes, mas o uso geral da força se explica pela ação repetitiva e
destruidora dos Black Blocs, que se infiltraram na manifestação dos professores
do Rio de Janeiro, tornando o centro da cidade uma praça de guerra. Diferente
dos mascarados, os professores se manifestavam pacificamente, mas, sabendo da
situação da cidade e da predisposição dos vândalos de aproveitar qualquer oportunidade
para destruir o patrimônio público e privado, bem que poderiam ter insistido em
outra forma de negociação, menos radical, que levasse a um consenso mais seguro
para o conjunto da população. Um pouco menos de intransigência nas demandas do
Plano de Cargos, Carreiras e Salários também teria ajudado a evitar as cenas de
horror que a cidade viveu. Os milhares de professores em greve, que têm lotado
as assembleias em espaço público da categoria e, naquele dia fatídico, estavam
lá, certamente teriam aceitado um desfecho pacífico como esse, bem no enredo de
uma novela das seis. Isso só não foi possível porque eles se tornaram massa de
manobra de partidos políticos (PSOL e PSTU) que comandam o Sindicato Estadual
dos Profissionais da Educação (Sepe-RJ) com o único objetivo eleitoreiro de
desestabilizar o prefeito Eduardo Paes.
Pronto,
leitor. Se você não teve o desprazer de ler a edição de quarta-feira (2/10) do Globo,
poupe sua inteligência. No parágrafo acima estão resumidas as cinco páginas do
jornal impresso e as diversas combinações de chamadas mal-intencionadas que a
sua versão online fez durante o dia. Mas não só: resume também a abordagem que,
numa coerência assustadora, os telejornais da Globo e da Globo News assumiram.
Acima dos partidos
Como resultado de
uma combinação entre os interesses do grupo empresarial e a ignorância
arrogante dos seus jornalistas, as Organizações Globo arriscaram tudo na
cobertura da violência que os governos estadual e municipal do Rio de Janeiro
provocaram contra professores e a população em geral. Dessa vez, foi mais do
que uma inflexão conservadora ou uma oscilação indecisa: foi a tentativa
explícita e vulgar, manipuladora a um ponto que poucas vezes se vê, de submeter
os fatos a uma leitura editorial produzida a portas fechadas e legitimada pelo
senso comum dos jornalistas que têm se prestado a isso. Registre-se, inclusive,
que nenhuma matéria do jornal impresso foi assinada, constando apenas, num
cantinho, o nome de uma tropa de jornalistas que teriam participado da
“cobertura”.
Difícil é entender
por que se precisou de tanta gente, já que o resultado foi uma ficção
editorialmente montada muito longe da realidade dos fatos. Afinal, para saber a
hora em que as bombas estouraram, o nome das ruas fechadas ao trânsito, o
número de feridos e presos (mal apurado, diga-se de passagem), únicas
informações objetivas em cinco páginas de matérias, não era necessário estar
lá. Tampouco era preciso se arriscar em meio a bombas e “populares” para
“descobrir” que alguns dirigentes do Sepe-RJ, como de quase todos os sindicatos
e movimentos sociais organizados, têm relações com partidos de esquerda. Essa
“denúncia”, um verdadeiro furo de reportagem do mau jornalismo do Globo, seria facilmente
verificada remotamente, já que, enquanto a filiação partidária não é
considerada crime, não se trata de informações confidenciais.
Na sua guerra
contra qualquer tipo de organização de setores da sociedade, o Globo nos faz acreditar – e o que é pior,
convence seus próprios jornalistas – que só existem interesses particulares (e
escusos) quando há partido político e, mesmo assim, com filiação formal. Pela
sua lógica, o Sepe-RJ deveria ser composto apenas por quadros “técnicos” da
educação. Curioso é não haver questionamento sobre o caráter técnico de uma
secretária de Educação formada em Administração Pública, que veio importada de
São Paulo para gerir a educação do Rio. O fato de ter fortes relações com o
PSDB – chegou a ministra de Estado, substituindo Bresser Pereira no governo
Fernando Henrique e foi secretária de Cultura do governo Alckmin – e hoje
compor um governo do PMDB apoiado pelo PT só mostra que, em alguns grupos, que
não precisam ir para as ruas e tomar bomba ou bala de borracha para serem
ouvidos – os interesses estão organizados acima dos partidos.
Falso
equilíbrio
No mais, as
palavras escolhidas e repetidas na cobertura do jornal impresso e dos
telejornais não deixam dúvidas. Quando trabalhadores apanhavam e eram
escorraçados pela polícia, havia “confusão” ou “confronto” entre policiais e
manifestantes, uma descrição falsamente “equilibrada”, que iguala os dois lados
da balança, na força e na razão; quando bancos e instalações públicas eram
quebrados ou lixeiras queimadas, as palavras ganhavam contornos mais claros:
tratava-se de “vândalos” fazendo “baderna” e “arruaça”.
Na Globo News,
seria constrangedor, se não fosse revoltante, ver uma sempre despreparada
Leilane Neubarth praticamente pedir, ao vivo, que o repórter do Globocop
encontrasse um Black Bloc. Ela insistia em perguntar se, mesmo com pouca luz e
àquela distância, o jornalista não conseguia ver se havia mascarados.
Constrangedoramente, ele não viu. Mas passaram apenas alguns minutos o repórter
voltou para dar a informação que, nas suas palavras, ele tinha ficado “devendo”.
Encontrados os Black Blocs, a âncora da Globo News desfiou todo o rosário de
conservadorismo, ignorância e, principalmente, mau jornalismo, deixando
evidente para qualquer um que os fatos ali não tinham a menor importância – a
narrativa já estava montada.
No Globo online,
chegou-se ao cúmulo de dar destaque na página inicial à informação de que
Eduardo Paes havia chamado a polícia para investigar o boato sobre a morte de
uma professora. O texto era do blog de Ancelmo Gois e chegava ao cúmulo de
dizer que o prefeito tinha recebido muitos xingamentos e passara a noite em
claro!
Não comungo com a
crença ingênua de uma parte da esquerda de que existe um Grande Irmão ou um
Grande Editor definindo todas as estratégias de manipulação das matérias da
grande imprensa. Questão muito mais complexa, o papel desempenhado pela grande
mídia informativa conta com a passiva contribuição dos jornalistas, que são
produtores, mas também produto desse senso comum que, por definição, é
conservador e serve à manutenção dos interesses dominantes. Como não se trata
de adesão voluntária e consciente, não se pode condenar os jornalistas de
pronto, mas quero defender que, num momento como esse, é preciso pelo menos
julgá-los.
Primeiro, porque
em situações extremas a ingenuidade passiva precisa ter limites. Segundo,
porque parte da afirmação desse senso comum é resultado da arrogância de
profissionais que se acham ilustrados, mais bem formados e informados do que a
média, envaidecidos pela presença pública e pelos privilégios que o crachá de
um grande jornal garante e, consequentemente, crentes no seu papel de
defensores da democracia através da informação.
Tenho certeza de
que a maioria dos jornalistas das Organizações Globo, e falo aqui de jornalista
médio, condena a violência contra professores. Mas, embebidos do senso comum
que iguala todas as indignações nessa falsa crença na imparcialidade, condenam
também a dos Black Blocs, a reação de manifestantes à polícia, a tática de
ocupação de casas como a Câmara como forma de pressão e, quem sabe, também a
organização em partidos políticos e movimentos sociais combativos. Não percebem
que o resultado desse falso equilíbrio não tem nada de imparcial.
Mas, se é verdade
que o dia a dia das redações não é marcado pela figura do Grande Editor, em tempos
de crise os grandes veículos de comunicação, integrantes de grandes grupos
empresariais, abrem mão inclusive dos princípios que, em tempos normais,
garantem a sua hegemonia.
“Festa
da democracia”
Narrando em livro
sua experiência na construção de um projeto alternativo de comunicação no Chile
durante o governo de Salvador Allende, o pesquisador Armand Mattelart nos
mostra como, diante de uma ameaça concreta e estrutural aos seus interesses, os
grandes meios de comunicação, aparelhos privados de hegemonia que são, abrem
mão inclusive da aparência de imparcialidade. Essa parece uma explicação mais
coerente para o apoio das Organizações Globo à ditadura brasileira, que mereceu
um mea culpa recente.
Mas e hoje? Não se
trata de supervalorizar o movimento das ruas como o prenúncio de uma revolução.
Mas é preciso considerar que a recente greve e mobilização dos professores do
Rio de Janeiro traz pelo menos duas novidades em relação às manifestações que
têm tomado o país desde junho, fazendo com que a linha editorial do(a) Globo não tenha mais qualquer vacilação. A
primeira é que ataca um governo cujo projeto de cidade e de educação, no caso
específico de que tratamos, atende muito bem aos interesses do grande capital.
Sergio Cabral foi os anéis; Eduardo Paes já alcança os dedos. A segunda, e mais
importante porque mais genérica, é que não se trata mais de um movimento
difuso, cujas pautas podem ser facilmente simplificadas a questões pouco
estruturantes, como o fim da corrupção.
Agora, tomou as
ruas e a simpatia da população um movimento organizado de trabalhadores que tem
muita clareza sobre a sua pauta de reivindicação. Que, mais do que grandes
emblemas, tem propostas concretas de aumento salarial, criação de carreira e
melhoria das condições de trabalho para os profissionais e de aprendizado para
os alunos. Trata-se, portanto, de um movimento organizado que, para defender os
interesses dos trabalhadores – não só da educação –, tensiona a governabilidade
e os consensos estabelecidos. Só que essa parte da “festa da democracia”, tão
anunciada na cobertura do povo na rua, precisa ser cancelada.
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