segunda-feira, 31 de maio de 2021

Texto curto, e incompleto

O texto veiculado originariamente na Carta Capital, e de autoria de Ciro Gomes, dá uma vaga ideia dos problemas que o próximo Governo eleito pelo povo brasileiro irá enfrentar. Mas até pela brevidade do texto ficaram algumas lacunas a serem preenchidas.

No texto Ciro fala da readequação das dívidas do povo, o maior motor de crescimento da economia, através do consumo das famílias. Mas faltam alguns pontos que Ciro deixou de fora, e entre os mais importantes eu frisaria a utilização das chamadas "vantagens comparativas" do Brasil. Mas o fato é que  o Brasil tem essas vantagens comparativas apenas de forma potencial, e para isso é preciso desenvolver nossa indústria, de forma a transformá-la em vantagem real.

Alguns setores estão maduros para isso, estando entre os mais importantes o petróleo-gás, saúde, militar (tecnologia de ponta pode ser usada na indústria civil, desenvolvendo outros produtos e serviços), agro-negócio (não na produção de comida, mas de insumos e equipamentos para o cultivo). E ainda temos alguns outros setores prontos a serem desenvolvidos, ou ao menos a retomarem a importância que já tiveram em nosso PIB, como o transporte aquaviário, ferroviário, o desenvolvimento de uma indústria metal-mecânica de ponta, e de engenharia civil pesada (grandes empreiteiras), etc, já que elas estariam aí na esteira do desenvolvimento dos três vieses principais da retomada do desenvolvimento.

Mas para desenvolver tudo isso são necessários outros textos. Espero por eles.



Como desenvolver o Brasil,

por Ciro Gomes

Precisamos entender que estamos proibidos de crescer pela simultaneidade de três agudos fatores conjunturais, um fator de médio prazo e alguns fatores de longo prazo

Três são as premissas que explicam o êxito civilizatório na história humana, pouco importam as retóricas, a Babel institucional, as circunstâncias nacionais mais ou menos trágicas ou o tempo percorrido entre atraso e progresso:

  1. Alto nível de poupança doméstica (o capital que sustenta o desenvolvimento é o que se faz em casa, nunca o capital estrangeiro).
  2. Profunda coordenação entre Estados Nacionais fortes, empreendedores privados e comunidade acadêmica, dividindo tarefas planejadas e aceitas pela sociedade.
  3. Forte investimento em gente (educação, educação, educação, educação, ciência, tecnologia, cultura, saúde).

O Brasil vai muito mal das pernas nas três premissas. Na verdade, estamos retrocedendo em virtude da velocidade frenética e da complexidade única impostas pelas novas práticas produtivas de vanguarda, que estão nos deixando perigosamente para trás.

Zoada, insultos, afetos febris ou ódios alucinados não estão, senão, agravando tudo e comprometendo o nosso futuro enquanto nação soberana. É preciso um choque de inteligência como premissa de um amplo, amplíssimo diálogo de todos com todos, menos os fascistas e os inimigos da democracia, para acharmos a saída. Ela nem de longe passa pelo atraso do culto à personalidade que herdamos de uma cultura do velho centralismo democrático, tropicalizada ao nível do patético pela pior tradição sul-americana e caribenha

O progresso humano é obra coletiva e fruto de ideias, jamais foi dádiva de indivíduos. Nunca foi uma consequência fatalista do acaso, muito menos harmonicamente distribuído entre as nações, o que mantém moderníssima a centralidade da questão nacional. Um plano, um projeto, com metas, prazos, orçamento, indicação de fontes de recursos e dos óbvios conflitos políticos para praticá-los tem de estar no começo dos objetivos do debate.

Neste sofrido país, ninguém sabe para onde estamos indo, ou querendo ir, nem qual lugar desejamos na agressiva nova ordem internacional marcada por disrupturas tecnológicas que estão matando o trabalho tal como nos acostumamos a conhecê-lo desde a Revolução Industrial. Pior, por estes tempos e por aqui, há sempre um pior, nem sequer sabemos onde estamos hoje neste contexto. Nem o Censo Demográfico temos garantido.

Exige fôlego este debate. Exige método esta discussão. Exige grandeza esta luta. Precisamos entender que estamos proibidos de crescer pela simultaneidade de três agudos fatores conjunturais, um fator de médio prazo e alguns fatores de longo prazo. No longo prazo, todos estaremos mortos, já se disse. Mas, com os níveis decadentes de produtividade de nossa atual economia e da baixíssima qualificação de nosso capital humano, nunca haverá desenvolvimento que se sustente entre nós.

No curto prazo, cuidemos de entender por onde deveríamos começar a virada do atraso para o progresso, da estagnação para o crescimento econômico, condição sem a qual qualquer promessa de distribuição de renda será grosseira mentira, embora mentira que tem revelado enorme força entre o nosso sofrido povo. Sem crescer, distribuir renda só aconteceu em pouquíssimos casos na história e na esteira de rupturas violentas. De mais violência é tudo o que nosso povo não precisa. Então…

No Brasil, 60% da energia que responde por ciclos de crescimento vem do consumo das famílias. Este é o primeiro motor pifado que explica a nossa crise: o consumo das famílias está completamente deprimido pelo desemprego recorde, pela informalidade recorde que reduz a renda e pelo crédito estrangulado. Emprego e renda vêm depois que a economia cresce.

A única variável alcançável por uma política pública é a inadiável restauração do crédito das famílias. Ou alguém acha que um sistema financeiro cartelizado, como se cartelizou no Brasil durante governos de retórica progressista o nosso sistema bancário, vai ajudar a tirar da escravidão mais de 62 milhões de brasileiros humilhados no SPC, entre os quais centenas de milhares de jovens inadimplentes do Fies?

A propaganda enganosa cuida de tentar desmoralizar uma solução que praticamos aqui no Ceará todo mês há anos, ajudando a obter descontos de até 90% das contas infladas por abusos cometidos contra o nosso indefeso povo. Se retirarmos os bancos públicos do cartel no qual se encontram, é possível reestruturar as dívidas de todas as famílias, apoiando-as na obtenção de enormes descontos e financiando o saldo devedor em prazos e custos civilizados.

Bolsonaro deu a carteira de ativos por receber do Banco do Brasil de valor superior a R$ 3 bilhões ao BTG (este G aí é de Guedes, um de seus fundadores) por pouco mais de R$ 300 milhões. Para os ricos devedores já fizeram. Seguiremos, neste convite ao debate, explicando o colapso do investimento privado e o colapso do investimento público (os dois outros fatores emergenciais) e o desequilíbrio estrutural nas contas externas como fator de médio prazo a ser resolvido.

Publicado originalmente na CartaCapital


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