quarta-feira, 26 de julho de 2023

O Brasil precisa mudar sua estrutura política não eleitoral

Entendo a visão de Tiago Medeiros, que é muito parecida com a de Ciro Gomes, mas divirjo bastante dela e nas próximas linhas tentarei explicar porque, incluindo essa estúpida comparação que muitos insistem em fazer com o sistema americano. 

E vamos começar justamente pela questão do impasse no Congresso, que é visto aqui como cópia do que acontece lá. Nos EUA há um impasse somente quando o orçamento não é cumprido, e o dinheiro acaba. O governo se diverte mandando dinheiro para estratosféricos gastos militares, Ucrânias, Afeganistões, Iraques, etc, e uma hora o que deveria também cobrir salários e custeio do país acaba. Aí cria-se o impasse. Porque o congresso é um fiscalizador dos gastos e do governo, não um elaborador de políticas. Sim, algumas saem de lá, mas elas precisam do aval do governo. 

No Brasil essa lógica é invertida, e o governo não consegue implementar nenhuma política sem o aval do congresso, e o congresso implementa qualquer política independente do governo da vez. Não é só uma questão de impasse, a Constituição brasileira colocou o Presidente quase como um mero administrador das vontades do Congresso, e as raposas do Congresso já entenderam isso. Claro que isso é minimizado com a popularidade do governante da vez, mas cada vez menos isso é levado em conta. 

Isso se dá porque a lógica da Constituição brasileira nem parlamentar é, ainda que os constituintes tenham pensado nisso ao elaborá-la. Mas mesmo nos regimes parlamentares, o Congresso tem sua atuação limitada pelo próprio Executivo, e também pelo poder Moderador (o Presidente ou Rei). além da Justiça. Ao mesmo tempo ele modera os outros 2 Poderes, já que ao Moderador só cabe intervir em crises. Tal não ocorre no Brasil, em que a Constituição foi elaborada apenas de forma a retirar poderes do Executivo, sem dar-lhe salvaguardas. Já expliquei isso em outros textos.

Então não é projeto, não é tempo para exposição dele numa TV, porque um projeto é de interesse e responsabilidade do Executivo, e não do Congresso, que se elege com pautas dissociadas de qualquer projeto. O impasse poderia até ser minimizado a princípio, mas rapidamente seria percebido pelo Congresso que ele persiste.

Por essa questão o BACEN não pode ser autônomo, e precisa haver mecanismos em que a população tenha mais poder de intervenção no andamento do processo do país. Esses mecanismos (referendos e plebiscitos) já estão lá, mas são de uso do Congresso, que obviamente não quer ter seu poder restringido por interferência direta da população. Verdade que apenas 1/3 do Congresso é necessário para convocá-los, mas porque isso não é feito, já que muitas das pautas aprovadas (se não todas) são de interesse da população como um todo, e esta não é consultada, tendo que arcar com todo o peso das sequelas que vêm de alterações legais e constitucionais? 

Porque não interessa ao Congresso convocar a participação popular, já que um dos ganhos que há é de ser a casa onde os interesses da oligarquia são tratados, sem que os do povo sejam levados realmente em conta. Destruição da CLT, da Previdência, autonomia do BACEN, Reforma Fiscal, todos são temas que deveriam ter aval popular após uma campanha séria de explicação do que se está votando, ou referendos apresentando-se duas ou três opções de voto. Mas isso nem é cogitado. Como disse o grande "filósofo" Rodrigo Maia, eles não estão ali para carimbar a vontade popular (nem do governo).

Então a solução para o país não é uma alteração eleitoral, mas uma reforma política profunda, em que o povo seja realmente empoderado, em que as "instituições" passem a exercer realmente a função que elas devem ter numa democracia, com o Executivo levando o orçamento a cabo, mas também elaborando políticas para isso, com o Legislativo sendo o grande fiscalizador desse processo e ajudando a aprimorar as ferramentas do Executivo, e o Judiciário coibindo os desvios quando provocado.

No Brasil tudo isso está fora de suas órbitas, e precisam voltar a elas.

Caracteriza o presidencialismo brasileiro, por influência do modelo americano, o impasse. Para que o governante não tenha meios de sucumbir a tentações imperiais ou autocratas, formulam-se dispositivos de contração e inibição de sua performance, os conhecidos freios e contrapesos. No jogo dos poderes do presidencialismo brasileiro, o mais contundente desses dispositivos é o instituto da presidência da Câmara. A ela é facultada a pauta dos temas da agenda governamental em matérias que precisam passar pelo congresso – matérias que costumam ser as mais importantes.

Desde a redemocratização, poucos foram os momentos em que o alinhamento entre o presidente da República e o da Câmara dos deputados foi instantâneo e destensionado. Em nosso criptossemipresidencialismo, o usual é amortizar ou lubrificar os impasses por meio das negociações constantes entre governo e congresso. Tudo em nome do controle do ímpeto autoritário a que todo governante estaria, em tese, vulnerável. Esse princípio institucional e seus dispositivos, contudo, nos tem gerado mais problemas do que garantido a consagração da democracia, quase inteiramente restrita a um sufrágio universal protocolar.



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