segunda-feira, 29 de abril de 2019

Lula e a ambiguidade de quem não consegue se reinventar

A entrevista de Lula foi o ponto mais alto da semana passada. Após quase um ano "calado", Lula finalmente foi autorizado a dar entrevista, começa a ter seus direitos de preso garantidos, e que incluem receber as visitas que julgar convenientes e necessárias, inclusive dando entrevistas. Claro que tudo isso é limitado pela estrutura física e humana que lhe compõem o cárcere, mas dentro dessas limitações seus direitos devem ser garantidos e exercidos.

Antes de tudo há que se fazer a ressalva de que, mais do que aquilo que se fala, precisamos prestar atenção sobre como se fala e quais os pontos enfatizados.

Tudo começou como esperado, e apesar do clima de aparente descontração, a entrevista mostrou um homem amargurado, ferido, e rancoroso. Por óbvio que há opiniões divergentes, mas mostrarei o porque Lula me passou isso.

Outro ponto que a entrevista mostrou foi um homem muito longe de um "grande estadista", mas apenas um político preocupado mais consigo mesmo e com o poder, seu e de seu partido, já que ambos se confundem, do que com o país em si e seu povo.

Com perguntas sobre a rotina, sobre o que Lula sentia, como foi o dia da prisão, a primeira parte da entrevista foi previsível, e as respostas com o ex-presidente tentando entrar na questão política, tentando mostrar aquilo que quem tem um mínimo de bom-senso sabe, que é o absurdo de todo o processo que levou a sua prisão. Peguntas pessoais como a que envolveu as mortes de seu irmão e de seu neto foram transformadas em críticas ao governo. Tudo esperado, até porque a prisão não teve desculpa política, mas teve motivação política, o que desconfigura o processo judicial, e confunde o processo político.

Nesse sentido mostrou duas situações distintas. A primeira é sem dúvida a imagem de um homem sofrido e que tem sentimentos. A segunda é que não aprendeu nada de tudo o que viveu, que insiste em tudo, que se recusa a análise do período de seu partido no poder, e com isso reforça acertos e erros, como se os segundos não tivessem ocorrido.

A entrevista também mostrou a ambiguidade de um homem que diz que sairá mais amoroso, mais contemporizador, mas ao mesmo tempo diz que está pronto para brigar. E mais, mostrou que Lula se baseia em premissas erradas, equivocadas, e muitas delas criadas por ele mesmo, como a inelegibilidade de condenados em segunda instância, e quando ele diz que os advogados garantiam que ele seria candidato. As generalizações que fez de particularidades são pilares nesses equívocos, tanto políticos, quanto conceituais.

Entre esses equívocos podemos indicar a descontrução da política por parte do próprio ex-presidente, enquanto reclamava que os outros é que o faziam. E isso se mostra claro quando diz que o único partido que existe no país é o PT. Todos os outros são siglas eleitoreiras. Quando diz que a esquerda precisa se unir, desde que seja em torno do PT, quando diz que o PT "talvez" tenha errado, que "talvez" tenha havido corrupção. Se ele é o único que presta, porque se unir com os que não prestam?
E eu comecei essa análise dizendo que Lula era um homem amargurado, ferido e rancoroso, apesar de tentar dizer e tentar mostrar o contrário. Não duvido que Lula tenha preocupação com o povo e com a sorte dos mais pobres, mas sempre que foi provocado a se posicionar sobre isso, com perguntas como "qual sua preocupação?", "qual sua intensão quando sair?", ou outras desse tipo, suas respostas foram desmentir Dallagnol e Moro, incomodar Moro, que Dallagnol e Moro são mentirosos, que desafia alguém a provar algo contra ele.

Talvez exista algo a ser provado, mas do que foi acusado até o momento nada foi provado contra o ex-presidente. O problema é que a questão não é essa. A questão aqui é que ele errou no governo, errou na economia, errou ao desarticular movimentos sociais importantes, e errou ao não se afastar da política quando deixou a Presidência. Não há espaço para alguém que pensa ser maior do que é, ou para alguém que não consegue entender seu tamanho.

As posições de Lula são ambíguas e muitas vezes equivocadas, mas são totalmente explicáveis e aceitáveis. Isso porque comandou um governo exitoso, ainda que ele tenha noção apenas parcial dos motivos que o tornou exitoso. Também porque conseguiu uma popularidade e aceitação que poucos conseguiram na história. Mas acima de tudo porque se fechou numa bolha que o impede de ter uma visão mais ampla da situação, e de gente que trabalha para que exatamente isso aconteça.

Tudo compreensível, mas o Brasil e seu povo precisam ultrapassar Lula. O motivo de o sucesso ser  normalmente etéreo é devido aos dois significados da palavra. Ele é próximo ao divino, mas ele também costuma ser passageiro. Ele torna uma pessoa idolatrada, mas ele também costuma ser limitado, justamente porque o mundo evolui, e o sucesso costuma estagnar as pessoas. Muitas vezes a insistência em gente que já fez sucesso, é justamente uma vã esperança de que ela poderá se reinventar, mas ancorada na "divindade" que o sucesso concede, justamente se reinventar é que se torna impossível. Lula caiu nessa armadilha.

Lula não deveria estar preso, mas Lula caiu na mesma armadilha que já pegou muitos. A alternância de poder é necessária para a evolução, mas alternância de poder não significa necessariamente alternância de viés ideológico. A insistência de Lula e do PT em se manterem no poder, em serem maiores que seu campo político, possibilitou a vitória do campo político antagonista, e a destruição de todo o avanço que haviam conquistado, e abriu espaço para retrocessos, em pontos que se pensavam concretizados.

Claro que a fala de Lula não foi toda desastrada, ele também mostrou algum conhecimento da situação atual, mostrou claramente o antagonismo às políticas que estão sendo implantadas no momento, e aos erros econômicos que estão desconstruindo ainda mais a economia brasileira, e deu algumas dicas de como se articular para resistir. Querendo ou não, para o bem e para o mal, ainda é capaz de mobilizar multidões, sua presença é importante, até porque ele mesmo a impôs, ao se recusar a deixar a política.

Mas devemos ter em mente que não existe líder eterno, não existe situação eternamente estagnada. A História avança e muda as estruturas da vida, e nenhum líder jamais será mais importante que o próprio povo.

EXCLUSIVO: Íntegra de entrevista de Lula à Folha

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