Interessantíssimo artigo de Paulo Rabello de Castro. Só para lembrar, Paulo Rabello foi presidente do Banco Centro no governo de ... Michel Temer. Isso por si só não desabona o economista a criticar nada, apesar de algumas posições que podemos considerar absolutamente equivocadas.
E aqui vai uma prova de que isso pode ocorrer. Paulo Rabello diz que seu xará Paulo Guedes está sendo abandonado por parte significativa de sua equipe econômica porque sua política é equivocada, chama essa equipe que abandona o barco de últimos a terem agendas republicanas, e que eles abandonam o barco porque Guedes se curva aos interesses do fisiologismo mais arcaico da república. O que Rabello não enxerga é que Guedes, seu chefe, e os próprios liberais qualificados de "últimos a terem agendas republicanas" (o que inclui o próprio Rabello) são umbilicalmente ligados a esse fisiologismo.
Não acredita? Então vamos lá. Por caminhos absolutamente tortuosos Guedes vem conseguindo doar todo o patrimônio público relevante aos grandes grupos financeiros nacionais e estrangeiros, pauta defendida por Rabello e seus "últimos republicanos". O teto de gastos que Rabello reclama estar sendo quebrado não é solução para nada. A sanidade fiscal do Estado é objetivo importante, mas não pode estar amarrada de forma a impedir a administração do Estado. Verdade que Guedes quebra essa amarra de forma também tortuosa, mas o problema não é apenas a falta de dinheiro do Estado, mas a qualidade, a forma que toma a estrutura de gastos desse Estado. Se somarmos isenções fiscais, boa parte delas muito absurdas, teremos algo em torno de R$ 457 bi (última atualização que vi), o que é muito mais do que qualquer bolsa-família, ou o orçamento da saúde de 2020, que em plena pandemia foi de R$ 187 bi, mas o executado (que foi efetivamente gasto) ficou em R$ 150 bi. Para a Educação o orçamento foi de R$ 110 bi, mas o executado ficou em apenas R$ 88 bi - os dados foram tirados do portal da transparência.
Bom, esses números são ainda mais absurdos, se pensarmos que criminosos governos que passam pelo Brasil dizem que se gasta demais em Saúde e Educação, quando sabemos e vemos que eles são absolutamente insuficientes para fazer frente às demandas das pastas, e que das isenções fiscais, cerca de R$ 315 bi são considerados privilégios fiscais. Para coroar isso, não conheço nenhuma contrapartida obrigatória dos setores ou empresas beneficiados por essas isenções fiscais.
Mas a vida não é preto e branco, nem tampouco 50 ou mais tons de cinza, mas uma infinidade de cores e tons que nos trazem surpresas de onde menos esperamos. Por isso Rabello pode vir e criticar aquilo que ele perseguia. Por isso ele fala do "dever da esperança" de Ciro.
Mas esperança não pode ficar apenas no abstrato, ela tem que se tornar realidade, para que possamos passar a ter novas esperanças. E isso só se dá com um Estado suficientemente forte e capaz de gerenciar « o que é muito diferente de ser parte - a economia. Um Estado que possa dizer aonde e como os recursos serão aplicados, que não esteja amarrado a investimentos estéreis e não produtivos, que apenas drenam os cada vez mais parcos excedentes produzidos pelo setor produtivo da sociedade, um Estado que tenha condições de intervir impedindo ou minorando os surtos anticíclicos próprios da economia capitalista, e com isso melhorando a vida de todos.