sexta-feira, 1 de outubro de 2021

A pedalada das pedaladas

Já há algumas semanas o (des)Governo Bolsonaro vem tentando emplacar uma PEC para evitar o pagamento total dos chamados precatórios. Para quem não sabe, os precatórios são dívidas que o Governo não pagou e foram contestadas na Justiça, já estão transitadas em Julgado e portanto não cabe mais nenhum tipo de recurso que não seja pagá-las. 

Ora, a tentativa de alteração da regra do jogo nesse momento é uma rasteira para aqueles que têm dívidas a receber do governo, que confiaram nas regras do jogo, que confiaram na Justiça. Mas isso até seria compreensível - aceitável não - se o motivo real fosse a falta de recursos públicos, mas não, o motivo é que o (des)Governo quer fazer campanha eleitoral com o dinheiro daqueles que têm suas dívidas a serem cobradas.

E o motivo seria nobre não fosse tão tosca a sua execução: o aumento dos programas sociais do (des)Governo. Claro, também se isso não fosse um engodo, já que existem muitas outras fontes que o (des)Governo tem para conseguir os recursos que quer, e que não aumentariam a dívida do próprio Governo - aqui sem o "(des)" porque a dívida ficaria para os próximos governos pagarem. Sim, porque ao se adiar o pagamento desses precatórios, o único que se faz é aumentar a dívida pública, ainda que possam até manter o chamado "teto de gastos" no ano. Mas mesmo esse, como mostra o artigo abaixo, estará ameaçado, já que o problema não é o teto, mas o descontrole das contas públicas, o péssimo gerenciamento dos recursos, e a patética tentativa do Governo em fazer uma campanha eleitoral com dinheiro público.

E eu disse que há outras fontes para se conseguir esses recursos, o que é verdade. Uma reforma tributária séria seria a melhor das fontes desses recursos. A redução de subsídios empresariais, muitos deles injustificáveis, o aumento do imposto de renda para faixas mais altas de salários, para os rendimentos empresariais, os lucros empresariais, e dividendos, entre outros, mas não seriam as únicas fontes possíveis.

O interesse por trás dessa contorção orçamentária é a tentativa de não mexer nos ganhos de quem tem realmente muito dinheiro e de, mais uma vez, fazer com que essa conta estoure em cima dos menos capazes de se defender.

Além de tudo, ainda cabe uma bela ação de inconstitucionalidade, já que os precatórios são decisões transitadas em julgado, e portanto, não podem ser mudadas através de uma Lei, nem mesmo pela própria mudança da Constituição, já que são direitos adquiridos. Talvez haja espaço para discutir ações que ainda correm, cujos méritos ainda não estão transitados em julgado, mas não para as já decididas, mesmo que ainda não tenham sido pagas.

Para culminar os erros do (des)Governo, o aumento que querem dar aos projetos sociais viria de dois erros orçamentários. O primeiro seria o desvio de recurso, já que estaria sendo retirado recurso dos precatórios para os programas sociais.

O segundo é a própria ausência de fonte, ou seja, os precatórios não são uma fonte de receita, mas de despesa. É como você tentar fazer um crediário e quando o comerciante vai analisar a tua ficha vê lá que você já deve mais do que o seu salário permitiria suportar os pagamentos, e você justificaria a formalização dessa nova dívida dizendo que não pagará as antigas. Isso não existe, nem mesmo para um (des)Governo como esse.


O bode dos precatórios

Os que acreditam na vinda súbita do meteoro certamente creem no compromisso pela preservação do teto de gastos, esse donzelo por cuja pureza se concertam candidatos à reeleição que constituíram poderosas empresas familiares dentro do Estado; inclusive e sobretudo Jair Bolsonaro, antigo defensor da responsabilidade fiscal. Não é o meu caso. Vejo incompetência, desde 2020 o Ministério da Economia prevenido — e inerte a advocacia estatal — sobre a projeção da fatura para 2022. E vejo oportunismo, acionado o botão que abre o dispositivo solar, por onde serão dependurados os fundos — todos, claro, exceções. Dirá o cínico que é exceção o ano eleitoral; e que o importante é dissimular: tirar o bode da sala e então vender que poderia ser pior.

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