segunda-feira, 5 de abril de 2021

Lula no O É da Coisa

Na última quinta-feira Reinaldo Azevedo fez uma boa entrevista com o ex-Presidente Lula. A entrevista repercutiu muito, mas muito mais pelo alcance mítico do entrevistado, e das posições ambíguas entre o que diz defender e o que efetivamente faz, do que pela genialidade do entrevistado em si. 

Explico: o alcance mítico é dado pelo que muitas pessoas acreditam ser Lula, e esquecem de ver quem realmente é Lula. Ele não é o defensor dos trabalhadores, ele sempre agiu, e continua agindo, como um defensor da Casa Grande, e em troca pede alguns pequenos agrados para o outro lado.

A ambiguidade entre o que diz e o que efetivamente faz se escancara em sua entrevista mesma. Ao mesmo tempo em que fala difusamente em defender o direito dos trabalhadores (vai fazer o que por nós?), ele fala objetivamente em como atender aos interesses do "mercado".

E mentiu.

A entrevista em si

O início foi aquele blah, blah, blah, que já passou da conta para quem acompanha. Ele dizendo como é honesto, que foi preso para provar isso e aquilo. Tudo balela, porque quem quer provar algo, esse alguém trata de ficar solto e ter voz para isso, ter como agir, e jamais se entrega a seus algozes. Mas vamos aceitar que ele pense assim. Também tivemos as loas entre entrevistado e entrevistador, que voltaram a ocorrer em outros pontos da conversa, ainda que tenham sido mais enfáticas no início. Mas metade do programa foi perdido nesse lengalenga.

Quando as perguntas se tornaram mais práticas, mais objetivas ele ou não respondeu, ou tergiversou. Ao falar da Petrobras e dos roubos e desvios ocorridos durante seu governo, desviou do assunto e minimizou o ocorrido. Atenção petroleiros, ele colocou a culpa em vocês, porque ele disse que só funcionários de carreira roubaram, quando se sabe que não foi assim. Além disso priorizou um "projeto político" na questão do petrolão, e passou ao largo dos roubos ocorridos.

Na sequência o jornalista falou das estatais, quando Lula se curvou tanto ao "mercado", que os fundilhos apareceram, e foram fundilhos sujos. Ao falar de tornar algumas empresas estatais em empresas de economia mista, ao falar de ser contra um governo empresarial, ele não só se curva a isso tudo, como abre espaço para o mesmo uso que se faz hoje da Petrobras, ou seja, mais um mecanismo para uma gigantesca transferência do resultado do trabalho do brasileiro para uma minoria já mais do que abastada.

Ainda sobre economia política, se vangloriou muito do "pleno emprego" alcançado no Governo Dilma, que claro é um grande feito, mas se esqueceu de dizer que esse pleno emprego era baseado em serviços de baixíssima qualificação técnica, em cargos mal remunerados, e não resistiu aos primeiros sinais de retrocesso nos preços internacionais das commodities, e no farto e caríssimo crédito que foi ofertado durante todo o governo petista. Se o PT levou 12 anos para chegar ao "pleno emprego", levou apenas 2 para fazer com que toda essa conquista desmoronasse.

É o Bolsonaro do outro lado: da mesma forma que o atual Presidente, usou uma relação pessoal entre sexos para tentar explicar uma decisão de economia política. Não só não explicou, como se complicou, porque Estado não precisa ter credibilidade para investimentos (salvo os financeiros), mas tem que ter uma política de compras e incentivos, que sirva para impulsionar a produção nacional, e que tenha contrapartidas além da pura entrega de mercadorias. É um programa, um projeto, não é uma relação de afeição, mas uma relação econômica com papéis bem delimitados e que precisam ser cobrados e fiscalizados.

Perguntado sobre os problemas econômicos causados pelo PT e Dilma, fugiu. Disse que teve pequenos erros nos preços da gasolina e da eletricidade, mas todo o resto foi só boicote do Congresso, foi má vontade para com ela, foi boicote e medo de o PT se manter décadas no poder.

Mentiras

A rusga com o PSDB: ele diz que o PSDB tem ciúmes porque o PT cresceu muito rápido e tirou os intelectuais do PSDB. A história diz que o PT foi fundado em 10/02/80, e o PSDB em 25/06/88. Interessante é que os tucanos chegaram à Presidência muito antes dos estrelados. Quem cresceu mais rápido? Claro, fizeram um governo tão ruim quanto o do PT depois que a enxurrada de dólares vindos do boom das commodities passou, mas a verdade é que os dois partidos são neoliberais, e disputam a mesma ideologia, ainda que com discursos e nuances distintos.

A história da terra seca sem peixe. Lula tinha sido Dep. Fed., em apenas um mandato, e só. Mesmo assim foi eleito Presidente. Da turma que assinou a tal carta pela democracia apenas Huck e Amoedo não têm nenhuma experiência administrativa, os outros, ou são, ou já foram Ministros, Governadores, Prefeitos. Ninguém ali é novato aventureiro, mas Lula era quando foi eleito. Para ele valia, mas para os outros, mesmo que com muito mais experiência, não vale.

Nesse momento também disse que Ciro Gomes foi para Paris e não votou. Bem, Ciro saiu do país durante o segundo turno, mas retornou e votou. Segundo o próprio Ciro, ele votou no Haddad, mas seria oposição qualquer que fosse o vencedor, e que nunca mais faria campanha com o PT.

Positivo

De positivo (e muito positivo) teve a postura em favor da ciência no combate à pandemia, assim como alguns ataques ao (des)governo de Bolsonaro. Ainda por cima disse para o Presidente calar a boca. Mas eu queria ver era ele pedir o impeachment, já que se não havia motivos jurídicos para o de Dilma, o que acabou por caracterizar um golpe branco, para o de Bolsonaro os temos de sobra. Mas falta a vontade política, inclusive a do próprio Lula, que espera mais uma vez polarizar com o Tenente, quando terá sua maior chance de vitória.


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