segunda-feira, 14 de março de 2022

André Roncaglia foi perfeito, mas só a curto prazo

O fio que o Prof. e Economista André Roncaglia divulgou no twitter foi perfeito. Mas ele não pode ser tomado como a solução definitiva da situação dos derivados de petróleo no país, porque não é. O próprio Roncaglia diz que "trata-se de uma solução emergencial", como diz que  a Petrobras precisa definir sua posição como empresa pública ou privada, e não pode continuar sendo pública nos "prejuízos" e privada nos "lucros".

Sim, porque ainda que tenhamos alguns poucos importadores de derivados, e já termos uma refinaria importantíssima doada (vendida por preço muito abaixo do mercado) pelo governo para a iniciativa privada, o mercado do petróleo atua como um monopólio (oligopólio se pensarmos em mais de uma empresa). E isso é como tende a operar o capitalismo em qualquer área, porque a ideia de gestores empresariais jamais é aplicar teorias liberais e capitalistas puras, de forma transformar em prática as aspirações de seus teóricos, mas maximizar os lucros de suas empresas, e isso é conseguido com combinação de preços, ações antissindicais conjuntas, lobbies junto ao governo para conseguir facilidades, etc.

Então há necessidade de intervenção estatal sim, não para impedir ninguém de investir ou de ganhar dinheiro, mas para impedir o abuso e o prejuízo da grande maioria da população em prol de alguns pouquíssimos afortunados.

Essa intervenção passa necessariamente pela redução drástica da participação de cotistas privados na Petrobras, mudança na política de composição de preços da empresa, retomada de ativos importantes doados criminosamente, e uma política mais geral, que é criação do imposto sobre lucros e dividendos.

Sim, porque apesar de as ações tomadas de forma emergencial serem corretas, mais uma vez elas estarão sendo pagas pelo pobres, porque o dinheiro sairá dos impostos que são pagos por eles, enquanto o lucro, que vai para os mais abastados via lucros e dividendos, segue isento de impostos.

Aqui também podem acessar outro fio de André Roncaglia, onde ele mostra porque esses aumentos atingem muito mais forte e diretamente os mais pobres.

Claro, e sempre lembrando que toda essa confusão econômica mundial não se dá porque a Rússia está em guerra com a Ucrânia, mas porque o mundo Ocidental resolveu aplicar sansões econômicas sem pensar nas consequências das ações que tomavam, e o reflexo veio para cima dos próprios ocidentais. A Rússia não é Cuba.


Subsídio aos combustíveis é regressivo pq beneficia os mais ricos. Vejamos. Um critério importante de formulação e de calibragem da política pública é quanto ela aprimora o bem-estar de um grupo menos abastado sem piorar o dos outros. No caso dos combustíveis, um preço menor...

... beneficiará os mais ricos, que gastarão algumas centenas de reais a menos com gasolina. Não me parece que ricos consumirão mais combustível pq está mais barato. Neste nível de renda, literalmente NÃO HÁ RESTRIÇÃO ORÇAMENTÁRIA efetiva. Rico gasta o quanto quiser em gasolina.

A coisa muda de figura conforme descemos os degraus da distribuição de renda. No andar de baixo, o peso direto e indireto dos combustíveis sobre o orçamento familiar é enorme. Há restrição orçamentária efetiva. A elevação do preço força famílias a escolhas difíceis...

Seja pelo custo direto do combustível sobre transporte individual e coletivo, seja pelo encarecimento indireto de bens pelo maior custo de frete. Num país com predominância de malha rodoviária, já dá pra imaginar que este custo não é desprezível.

Em níveis de renda muito baixos, o subsídio implica a escolha pelo botijão de gás em vez da perigosa improvisação de lenha com álcool em gel; significa a viabilidade da atividade do motorista e do entregador de aplicativo e menor elevação da tarifa de transporte coletivo.

É claro que as formas de "financiar" esta política são relevantes e precisam ser discutidas, para que os pobres não paguem pela política que deveria favorecê-los. Por isso, a ideia de absorver parte dos lucros da Petrobras ou mesmo dos dividendos distribuídos ao gov federal...

parece fazer sentido. Os dividendos já distribuídos serão, salvo engano, direcionados a reduzir a dívida pública, que é majoritariamente detida pelos... RICOS. Não seria este um uso regressivo dos lucros EXTRAORDINÁRIOS da Petrobras?

É preciso que se decida se a Petrobras é uma empresa estatal ou não. Não dá pra ser SÓ empresa privada quando o tema é distribuição de dividendos aos acionistas minoritários e SÓ estatal quando o assunto é usar os recursos PÚBLICOS da empresa para fazer política pública emergencial.

Há varias outras questões e inúmeros detalhes neste problema que dizem respeito ao processo de fragmentação produtiva da Petrobras no processo de desestatização que a empresa vem sofrendo. A falha no raciocínio de liberais é a presunção de que o preço elevado da gasolina...

conduzirá o mercado a efetuar a transição energética de forma espontânea, a golpes de investimento na categoria ESG. Duvido que isso ocorra a partir das oscilações no preço internacional do petróleo motivadas por geopolítica e pela especulação financeira com commodities

Esta transição dependerá de muito subsídio estatal a inovações e ao uso de fonte de energia alternativa (será que pobres usarão carros híbridos pra se beneficiar dos subsídios?🤔). Mas o problema atual não tem a ver com transição energética, mas sim com o curtíssimo prazo.

Trata-se de uma correção emergencial de um preço fundamental da economia que está se comportando de forma socialmente disfuncional, jogando parcelas enormes da população na penúria material enquanto uma pequena parcela mais rica (nacional e estrangeira) acumula lucros anormais.

A solução "ótima" aqui é aquela que no curtíssimo prazo alivia a restrição orçamentária de quem é imediata e irrecorrivelmente esmagado pela elevação dos preços dos combustíveis, qual sejam os mais pobres. Se houver, que a transferência de renda ocorra entre os ricos. FIM


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