8. Abertura: as várias razões e o Brasil que queremos.
Uma das tragédias brasileiras é a incapacidade de lidarmos com o sentimento trágico de que as razões que eu possuo são tão legítimas quanto as do outro que me contesta. Não compreender esses motivos profundos – inclusive dos bolsonaristas – é um bom caminho para uma convivência social patológica.
Com esse texto, não pretendo argumentar que não existem razões para votar em Lula ou de que todos os argumentos são intransigentes, mas que a campanha orquestrada nas redes sociais e pelo próprio candidato se faz acompanhar de um motivo propositivo e outro intransigente – quando não somente esse último.
Seguindo a isso, existe uma pluralidade de motivações que estão no mundo e escapam da retórica lulista. Existem aqueles com a lembrança da vida melhor, os que sinceramente militam pelo Partido dos Trabalhadores, os que estão exaustos do pesadelo bolsonarista e só querem que acabe logo (uma ilusão, pois o bolsonarismo não morrerá), os que são cativados pela personalidade carismática de Lula, os ultra-pragmáticos (a centro-direita) que desejam um ambiente institucional sem turbulências para que os negócios caminhem com estabilidade e, claro, os corporativistas, aqueles a quem a posição existencial está tão atrelada ao lulismo – como referência, amizades, propósito e emprego – que o custo de abandoná-lo é tão alto quanto negar a si mesmo. Todas essas razões transbordam da intransigência, ainda que por muitas vezes se utilizem das formas argumentativas que a reforcem.
Um realista poderia argumentar que a luta política é assim, que a conquista do poder exige toda uma série de meios para obtê-lo e eu responderia que é só uma meia verdade. O problema final das três formas argumentativas tratadas é que elas progressivamente transmitem a sensação de “meios sem fim” – a pura conquista do poder.
Se é verdade que obter o poder exige uma ampla gama de meios, o inteligente a se fazer é verificar a efetividade da relação meio-fim. Nesse sentido, não compreendo o poder como um fim, mas como um meio intermediário entre a luta democrática e a execução de um projeto de transformação. O uso recorrente da fórmula reacionária não contribuiu para um país melhor; não estamos mais democráticos, tolerantes e desenvolvidos – dois mandatos de Lula e um de Dilma deveriam ter consolidado algo. Ao invés, estamos cada vez mais hostis uns com os outros e, ainda que isso não tenha causa exclusiva na postura lulopetista da política, como força política mais poderosa do país, deveria refletir sobre as próprias práticas e mudar.
Talvez seja um apelo em vão, ainda assim acredito como os gregos que uma sociedade sem philia (amor-amizade) está fadada ao fracasso. A retórica da intransigência é o oposto desse projeto cidadão, por isso, esse texto também é um alerta para que todas as forças que se opõem democraticamente ao lulismo não capitulem diante da tentação da eficácia da intransigência, se mantendo assertivamente disputando corações e mentes com ideias para o Brasil.
Por José de Magalhães Campos Ambrósio
Professor de Teoriak do Estado e Democracia da Universidade Federal de Uberlândia
Doutor em Filosofia do Direito pela UFMG
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