Semana passada tivemos mais um encontro anual dos BRICS. Como esperado o bloco cresceu (não tanto quanto se esperava), como esperado o bloco tomou decisões internas, que afetam (ou não) diretamente seus membros, mas como não esperado o bloco não se pronunciou diretamente sobre alguns dos problemas geopolíticos que afligem a humanidade, enquanto se pronunciou de forma espinhosa para o Ocidente sobre outras, e ainda o fez de forma genérica sobre a situação geopolítica atual.
Vamos começar dizendo que no início do mês, em reunião ocorrida entre Ministros dos 5 membros originais foi decidido maior apoio a pequenas e médias empresas; regras mais flexíveis, ainda que responsáveis, para as questões de emissão de carbono, baseadas em regras da OMC e condições reais dos envolvidos; e por último a discussão com membros fora do bloco sobre temas como economia digital, e cooperação com países menos desenvolvidos com busca desse desenvolvimento.
Já na cimeira, além dos 5 países originais, outros 62 países participaram, uma grande parte deles tendo enviado seus líderes mais importantes, sendo indubitavelmente um evento importantíssimo para o planeta. E não, Macron não esteve presente.
Como era esperado o bloco cresceu. Não como previam, mas cresceu. Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã, Etiópia, Egito e Argentina, o bloco passou a ser formado por 11 países. Ou melhor, passará a ser formado por 11 países, já que a adesão dos 6 novos membros só será oficializada em 1 de janeiro de 2024. Eles assumem como membros plenos, e participam das decisões do grupo com poder de voto, e é importante lembrar que o bloco age em uníssono e em consenso.
Esse foi o maior dos avanços, que trouxe mais equilíbrio ao bloco, que agora começa a expressar mais a tão falada multipolaridade defendida por eles. Além disso outros países já expressaram suas intenções de aderir ao bloco, que já analisa os pleitos, e tende a crescer ainda mais em sua próxima reunião anual.
Outro avanço do grupo foi a confirmação de que os membros estudam mecanismos de trocas comerciais baseados nas próprias moedas, o que diminui a dependência do dólar, e ainda mina o gigante do Norte.
BRASIL NISSO
O Brasil conquistou duas grandes vitórias próprias. Uma foi em conjunto com a Índia, já que teve seu pleito conjunto de assumir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU parcialmente atendido pela declaração final no evento, quando o bloco se comprometeu a lutar para que o CSONU seja revisto, e também a África do Sul assuma uma cadeira no órgão.
A outra grande vitória do Brasil foi a inclusão da Argentina. Talvez seja uma solução um pouco precipitada, já que tudo indica que a situação interna do país irmão está ainda mais complicada que a brasileira, e isso se expressa na vitória de Javier Milei, candidato de extrema-direita, nas prévias argentinas.
Sim, o ingresso nos Brics pode melhorar a posição da composição neoliberal que ocupa a Casa Rosada, mas dependerá muito mais de algumas mudanças de rumo do próprio governo argentino, e talvez o ingresso no bloco chegue tarde. De qualquer forma a China já cancelou alguns muitos milhares de toneladas de alimentos que importaria dos EUA, e provavelmente o fará agora dos argentinos e brasileiros. Isso deve melhorar um pouco a situação dos hermanos, mas talvez não seja suficiente, e pior, talvez chegue tarde. Ao mesmo tempo essa ação chinesa pode já refletir a futura nova formação do bloco.
Só para lembrar, é importante para o Brasil uma Argentina estável e forte, e vice-versa. Mas os ataques a essa estabilidade, e ainda mais, a essa fortaleza, virão cada vez mais fortes do bloco Ocidental e das forças ligadas a ele.
Já para o bloco a importância é que agora eles representam diretamente algo em torno de 65% de território e população da América do Sul, e já existem ao menos outros dois países que pleiteiam aderir ao Bloco, Venezuela e Bolívia. Um bom trabalho com esses países, e a adesão no subcontinente pode aumentar sensivelmente, apesar de todas as manobras atlanticistas na região.
DÚVIDAS
Apesar de as coisas parecerem muito favoráveis aos Brics após a cimeira de Joanesburgo, as coisas não são assim tão simples. A começar pela forma como o bloco se organiza e delibera sobre suas ações, que até o momento exige unanimidade sobre os temas. Sim, a adesão de 6 novos membros, com características tão díspares entre eles, pode começar a gerar problemas nessa engrenagem, que terá muito mais dificuldades em deliberar sobre as coisas.
E exemplifico, porque enquanto o Brasil fica repetindo o patético bordão ocidental sobre democracia e "liberdades", russos, chineses, e indianos são muito mais pragmáticos, e tendem a respeitar muito mais os princípios da ONU sobre autodeterminação dos povos e não interferência em assuntos domésticos.
Ao mesmo tempo será um desafio enorme, já que o grupo será integrado por duas superpotências globais, três potências regionais, alguns representantes importantes de seus continentes, e candidatos a tornarem-se importantes no jogo geopolítico a médio prazo. Tudo isso temperado por ideologias, culturas e modos de vida e visões de mundo bastante díspares. Se
Os 11 países também representarão 46% da população mundial e 35% de seu PIB. Além disso serão controladores de quase metade da produção de mundial petróleo, além de ampliar bastante sua importância pela adesão de mais um enorme produtor de alimentos. Se posteriormente viermos a somar as áreas que a Rússia está reanexando da Ucrânia, não é demais afirmar que o bloco dominará os setores em nível global.
Mas a dúvida permanece: como países tão díspares conseguirão unanimidades em suas decisões para fazerem com que todo seu poder bélico, econômico e populacional se reflita num mundo mais justo, respeitoso e plural, algo que está no cerne da constituição do bloco?
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