sexta-feira, 3 de junho de 2022

Nem cheque nem tela

Discordo de alguns pontos do texto de Madeleine Lacsko, e concordo em apenas um ponto. Mas é um texto, embora curto, com muita informação, e com muito motivo para refletirmos e discutirmos. E aqui dou minha pequena contribuição nessa discussão.

Primeiro ela coloca que ambos são e fazem "campanhas absolutamente personalistas e não prometem nada concreto." Depois fala das semelhanças de campanha, mas afirma que os dois candidatos são profundamente diferentes, pra depois afirmar também semelhanças na militância. Por fim fala de uma diferença inexistente (assim eu vejo) entre ambos os governos, em que um seria "liberal-corporativista", enquanto outro promoveria "avanços democráticos".

Mas eu não vou ficar aqui repetindo o texto de Lacsko, até porque ele está abaixo, e como sempre o link no título. E a única coisa que concordo é que não são iguais, até porque as pessoas são diferentes umas das outras, tanto física quanto ideológica ou cognitivamente. Mas não serem iguais não significa que as diferenças sejam profundas a ponto de separarmos os dois como profundamente diferentes, até porque até as diferenças em seus governos não se sustentam.

Lula sempre teve ligação nefasta com a elite brasileira, sua defesa dos trabalhadores jamais se sobrepôs a essa ligação e sua passagem pelo governo não apenas comprovou isso, como foi aprofundou essa relação. Tal qual Bolsonaro atendeu interesses corporativistas de determinadas categorias de funcionários públicos e reforçou as ligações espúrias com segmentos fisiológicos e retrógrados da política brasileira. A diferença foram os setores e os políticos atendidos com suas políticas de governo.

Quanto a ser uma tela em branco, e pedir um cheque em branco, isso também não é verdade. Como ambos dizem, as pessoas já os conhecem. Votar em Bolsonaro e cobrar dele coerência e defesa de valores democrático não é uma incoerência dele, mas de quem vota nele. Votar em Lula e cobrar a verdadeira defesa dos pobres, uma atuação em defesa real do país, de seu povo e de desenvolver suas potencialidades é igualmente uma incoerência de quem vota nele, não dele.

No fundo os dois são corporativistas, são entreguistas, são personalistas, são despolitizantes, têm militâncias agressivas e absolutamente incoerentes com o que dizem defender e com o que realmente defendem, são subservientes às elites financeiras e agrárias do país. No que realmente interessa ambos são iguais.

Mas têm algumas diferenças menores, e essas são referentes ao teatro que fazem para chegar ao poder, ou seja, como cada um se apresenta para o eleitorado. Um se apresenta como o "paz e amor", embora todos os seus correligionários mais próximos (e mais distantes também) façam o trabalho sujo de atacar opositores, inclusive com mentiras e distorções absurdas sobre eles.

O outro também tem correligionários próximos e distantes que fazem esse trabalho sujo, mas ele mesmo não se furta em atacar, mentir e distorcer para atacar adversários.

E nenhum dos dois pede cheque em branco porque, como mostrei acima, ambos já mostraram do que são capazes e para quem governam. Nenhum dos dois é uma tela em branco, porque ambos são cabeças vazias, e ambos abertos a absorver os interesses de quem realmente apoia suas presenças no Planalto. E são os mesmos que estão no poder desde a redemocratização, com o rapidíssimo hiato de Itamar, um estranho nesse ninho de mafagatos, que está sempre pronto a travar qualquer um que tente removê-los do poder.

E se os candidatos não são iguais, as diferenças entre eles não são suficientes para justificar o voto em um ou em outro, porque elas são absolutamente baseadas em estereótipos que não definem nada, apenas casca. 

Quem quer um cheque em branco precisa ser uma tela em branco.

Os dois candidatos preferidos do eleitorado brasileiro até o momento não têm plano de governo, fazem campanhas absolutamente personalistas e não prometem nada concreto. As promessas todas giram em torno de ser melhor ou menos pior do que o outro. Antes que a bancada da falsa simetria fique atiçada, vale explicar que Lula e Bolsonaro não são iguais nem semelhantes, são profundamente diferentes.

A estratégia de campanha, no entanto, é semelhante. As duas equipes de campanha sinalizam não ter intenção de ir a debates. Talvez Jair Bolsonaro esteja copiando o que fizeram seus antecessores, como o próprio Lula. Nem FHC foi a debates de primeiro turno na reeleição. Mas é fato que Jair Bolsonaro já ventilava que poderia declinar convites para debates na eleição passada, quando não era presidente. É precisamente a posição de Lula agora.

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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko é jornalista desde 1996. Participa dos think tanks Instituto Montese pela defesa da democracia e Sociedades Digitais e Relações de Poder, da GoNew.Co. Atuou como Consultora Internacional do Unicef Angola na campanha que erradicou a pólio no país, diretora de comunicação da Change.org para a América Latina, assessora no Supremo Tribunal Federal e do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp. Trabalhou na Jovem Pan, Antagonista, CCR e Gazeta do Povo.

Colunista do UOL

03/06/2022 04h00


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