segunda-feira, 9 de maio de 2016

Brasil tem que ser agressivo, não subserviente

O Deus Mercado é algo muito interessante. A defesa de que os mercados devem se auto regular, de que não deve haver interferências governamentais nas ações de empresas ou na economia é um mantra difundido a plenos pulmões por seus adeptos.

Mas americanos regulam sua cabotagem e garantem sua reserva de mercado, subsidiam grandes petroleiros que garantem seu abastecimento de óleo, em muitos casos colocam suas forças armadas para fazerem tarefas que poderiam ser realizadas por empresas, interferem em governos de outros países. Europeus não ficam atrás.

A China, boa aluna, proibiu a entrada dos Valemax em seus portos. forçando a Vale do Rio Doce a se desfazer de sua frota, e pasmem, a própria China comprou, e agora pode regular a vontade o valor dos fretes do minério de ferro para abastecer suas siderúrgicas. Isso entre outras coisas.

No Brasil Temer (ainda nem assumiu), já fala em congelar salários e o salário mínimo.

Estou esperando a não intervenção dos governos nas economias de seus países - e até nas dos outros. Depois a gente conversa sobre liberalismo econômico.

Enquanto isso fecho com Severino Almeida. Nosso país tem muito que aprender, nessa história do faça o que digo, não faça o que faço.


O exemplo chinês que nos serve de lição

A recém-divulgada operação de compra de 30 navios Valemax, avaliados em mais de U$ 2,5 bilhões, por companhias de navegação chinesas – destinados a transportar, sobretudo, minério de ferro brasileiro – é dessas notícias que nos enchem de frustração e, por que não dizer, raiva. Porém, se bem deglutido, o episódio pode, ao menos, evitar que cometamos novas, digamos, burradas em setores tão fundamentais para o desenvolvimento do país como são a logística e o transporte marítimo.

No momento em que o governo e a Petrobras estudam ou já programam a queima de ativos lucrativos do grupo estatal, seguindo uma “lógica” estritamente financeira, que se limita, por decorrência, a uma perspectiva de curtíssimo prazo, em prejuízo de um planejamento estratégico de longo termo, fazer a correta lição, com base no exame desta operação, passa a ser um imperativo para todos aqueles que tem algum grau de ingerência e responsabilidade na questão.

Sim, porque, neste caso, mais uma vez os chineses estão nos dando um extraordinário e fabuloso exemplo de como o Estado deve se posicionar em prol do desenvolvimento, adotando medidas e estabelecendo diretrizes que permitam novas oportunidades para as suas empresas e, consequentemente, para os seus trabalhadores.

Lamentavelmente, no Brasil, em sentido inverso, vemos o Estado – compelido por uma ideologia que, embora não declaradamente, visa exclusivamente ao interesse do capital, não ao da Nação – desmantelando organizações e, a rigor, sem nenhum exagero ou força de expressão, eliminando não apenas postos de trabalho, mas a real perspectiva de um país mais próspero e promissor para os brasileiros. Eis o que está em jogo.

Conforme noticiado timidamente pela imprensa, em meados de março passado, as gigantes chinesas do transporte marítimo Cosco Group e China Merchants Group, com o apoio do ICBC Financial Leasing Corporation, fizeram encomendas por 30 navios Valemax, capazes de transportar 360 mil toneladas (mais do que o dobro das embarcações categoria Capesize hoje em operação). Um negócio que envolverá quatro grandes estaleiros globais. O objetivo da operação não é segredo: ampliar o controle sobre as exportações de minério de ferro provenientes do Brasil pelas próximas décadas, determinando o frete marítimo neste segmento, com pressão direta sobre os armadores ocidentais.

Em outras palavras, o intuito é controlar o valor dos fretes no comércio marítimo de minério de ferro. A Vale, ciente da importância estratégica deste segmento e do peso da China na importação de commodities minerais, até que tentou ter o domínio deste jogo. A empresa pretendia construir 60 navios do tipo Valemax para atuar neste segmento. Como sabemos, 18 chegaram a ser entregues, a partir de 2010. Porém, quando se iniciava a sua operação, a China proibiu este tipo de embarcação em seus portos alegando forte “impacto ambiental”, uma medida que forçou a empresa brasileira a se desfazer dos navios.

Mas, quem poderia comprá-los? Claro, os armadores chineses, com decisivo apoio governamental. Com empresas nacionais assumindo os navios, o governo chinês não tardou a levantar o embargo à operação dessas embarcações em seus portos, o que ocorreu em junho do ano passado. Nada mais previsível. Dentro do novo contexto, não restou à Vale alternativa a não ser fechar contratos milionários com os armadores chineses para o transporte de seu minério para a China. A propósito, a Vale e a Cosco acabam de firmar um acordo, com duração de 27 anos, pelo qual a armadora chinesa transportará 16 milhões de toneladas de minério produzidos pela companhia brasileira. Detalhe: para tanto, utilizará navios Valemax que haviam sido encomendados pela Vale. Dramática ironia.

Empresa com participação do governo federal, seja diretamente, seja indiretamente por meio de fundos de pensão, a Vale não contou, neste embate, com o apoio do governo brasileiro, e, por isso, o cabo-de-força com os chineses ficou insustentável. A omissão é reveladora da falta de visão estratégica que acomete nosso país. O resultado é que valores monumentais em divisas, na forma de pagamento de fretes marítimos, será transferido à China, ao invés de ficar no Brasil contribuindo para a melhoria da renda nacional.

Infelizmente, o episódio não é um caso isolado. Temos um extenso histórico de medidas – ou ausência delas – que denotam o descompromisso do Brasil com questões estratégicas. Neste exato momento, assistimos inertes aos entendimentos para a queima de ativos do Sistema Petrobras. E, entre esses, figura justamente uma empresa lucrativa, de importância fundamental para o país. A Transpetro fechou o ano de 2014 com faturamento de R$ 7,7 bilhões (os dados referentes a 2015 ainda não estão fechados) e lucro líquido de R$ 905 milhões.

Ora, se o Sistema Petrobras precisa gerar caixa (para fazer frente à queda vertiginosa do barril de petróleo e a um cenário econômico externo adverso), por que deve se desfazer de uma subsidiária lucrativa e estratégica como a Transpetro? Não há lógica que justifique tal medida – a não ser que ela esteja sendo determinada não por critério técnico, mas sim por interesses não declarados, escamoteados por uma crise política artificialmente alimentada. Vale dizer que o faturamento da Transpetro avançou 14% entre 2011 e 2014.

Não custa lembrar que a Petrobras já paga R$ 12 milhões por ano com afretamentos de navios, exatamente porque – devido a razões que até hoje jamais foram devidamente esclarecidas – não tem dado prioridade ao fortalecimento de sua própria frota. Esse valor seria suficiente para a construção das 49 embarcações previstas, há dez anos, no Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) – lembrando que apenas 13 navios do programa foram efetivamente entregues.

Hoje, a frota da Transpetro conta com 54 embarcações, número insuficiente, que leva a Petrobras a ter contratos de afretamentos com 300 navios mundo afora. É dinheiro que sai do Brasil para gerar renda e empregos alhures. Faz algum sentindo se desfazer da Transpetro, em vez de fortalecê-la, para que as nossas divisas não sejam destinadas ao pagamento de fretes no exterior?

A resposta é óbvia!

* Presidente do Sindmar – Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante

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