Como eu sempre digo, dificilmente se vê uma decisão técnica que não tenha passado antes por uma decisão política. Vejam bem, existem várias maneiras de se resolver um problema, ou de lidar com ele. A escolha da forma usada é uma decisão política, seja ela feita na gestão pública, seja ela feita numa empresa.
É isso que Luis Felipe Miguel tenta mostrar no artigo abaixo.
E eu já mencionei isso aqui no Blog dos Mercantes antes.
A difícil demarcação do técnico e do político, por Luis Felipe Miguel
QUI, 28/06/2018 - 16:49
A difícil demarcação do técnico e do político
por Luis Felipe Miguel
A justa revolta com a decisão da comissão da Câmara, ampliando a autorização para o uso indiscriminado de venenos na agricultura, ilustra alguns problemas da gestão de sociedades complexas, como as contemporâneas, que não permitem respostas fáceis.
Numa democracia, a vontade popular deve ser soberana, certo? Então por que estamos reclamando quando os representantes do povo avocam a si a decisão e afirmamos que ela devia ser deixada nas mãos de agências técnicas de vigilância sanitária e proteção ao consumidor?
Porque a questão é “técnica”? Mas quem define a fronteira do “técnico” e do “político”? Por exemplo: liberais austríacos julgam (ou fingem) que a gestão da moeda é uma questão técnica e por isso bradam por um Banco Central independente, imune a qualquer interferência da vontade política. Pedro Parente afirmava que sua política de preços na Petrobrás era “técnica” e a mídia saudava o “fim da ingerência política” na empresa. E assim por diante.
No caso do Brasil, esta questão se coloca com urgência. O Executivo, surfando no discurso neoliberal, exime-se da responsabilidade política por sua gestão macroeconômica, apresentada como “técnica”. E o Legislativo, instrumentalizado por lobbies diversos, tem atropelado as atribuições de competências que ele mesmo fixara na lei e avançado sistematicamente sobre decisões que antes eram deixadas na mão de especialistas, da liberação de medicamentos à escolha de livros didáticos para as escolas. No caso dos agrotóxicos, fizeram às escondidas, mas em outros fazem às claras, batendo no peito para invocar a “vontade do povo”.
A situação é complicada não apenas porque a fixação da fronteira entre “técnico” e “político” é, ela própria, uma decisão política, mas também porque a resposta técnica, além de muitas vezes envolta em controvérsias científicas, nunca é isenta de política. Os órgãos que liberam agrotóxicos fazem um balanço entre os riscos à saúde dos consumidores e o impacto econômico na produção de alimentos que nenhuma fórmula da química resolve. No processo, sofrem, eles próprios, pressões de diferentes tipos. São, portanto, também órgãos políticos. Não deve ser à toa que, mesmo sem intervenção da Câmara dos Deputados, a política brasileira de agrotóxicos é muito mais permissiva do que a da União Europeia.
Remeter todas as decisões para plebiscitos populares, como querem algumas propostas ingênuas à esquerda, depende de uma fé pouco sustentável na iluminação coletiva do povo. Desprezar a expertise estabelecida em questões sensíveis é desperdiçar o investimento social na produção de conhecimento, mas negar o componente político de todo processo decisório é render-se à tecnocracia. Nenhuma resposta simplista nos ajuda a equacionar esta questão.
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