Nada.
O texto de Leandro Barreto, veiculado na revista Portos e Navios, e que eu transcrevi abaixo, não é claro, mas dá informações suficientes para tirarmos conclusões sobre os reflexos do acordo para o Mercosul em geral, e para o Brasil em particular.
Antes de tudo é interessante notar que a Cabotagem brasileira não é brasileira. Os armadores que exploram o serviço são estrangeiros, tanto no "filet mignon" da carga conteinerizada, quanto no transporte de granéis, onde armadores europeus também são os exploradores do filão. Ainda há uma pequena resistência no transporte de petróleo e seus derivados, mas a sanha entreguista de Guedes e do governo golpista se encarregarão de resolver esse atraso em pouco tempo.
Assim começamos com o quadro de que não há armadores brasileiros.
No Longo Curso é todavia pior, já que nem navios com a bandeira brasileira temos. Se a Cabotagem é responsável por manter uma frota mínima em bandeira brasileira, o Longo Curso nem isso.
Aí vamos ao cerne de tudo isso, ou seja, o esperado crescimento na Cabotagem, que é esperada por Barreto. Se as coisas seguirem pelo diapasão desse governo, esse crescimento simplesmente não ocorrerá, porque para haver crescimento no transporte de mercadorias, é necessário haver crescimento econômico.
No Longo Curso Sul-Norte. Para haver crescimento de cargas nesse sentido, é necessário que não haja nenhum empecilho no comércio de produtos agrícolas, algo que a UE deverá colocar tão logo as reclamações de alguns de seus membros comecem a incomodar o pacto europeu. Vocês lembram que existem cláusulas de quebra do acordo com possibilidade unilateral, e apenas parcial? Pois é.
No sentido Norte-Sul, isso poderá ser real num primeiro momento, mas nada indica que irá se manter. As economias do Mercosul (exceção Uruguai) vêm implementando políticas que propiciam suas desindustrializações, e também a saída de suas empresas no setor de serviços - vide o caso brasileiro com a destruição de suas grandes empreiteiras.
Tudo em prol de um setor agro-exportador, que gera bastante riqueza, mas que de forma alguma a distribui. Isso porque é feito no sistema de plantation, com imensas propriedades, e hoje com emprego de muita tecnologia. Isso tudo pode aumentar a produtividade enormemente, mas emprega muito pouca gente, e achata significativamente os poucos salários pagos no setor.
O outro viés é que a grande indústria instalada na América Latina é praticamente toda estrangeira, e parte muito significativa dos insumos que utiliza já é importada. A tendência é que, com o aumento da escala, e da produtividade na Europa, essas industrias tendam a querer exportar os produtos já acabados para o Mercosul, o que irá implicar em mais desindustrialização, em mais desemprego, em baixos salários, etc.
Então, os europeus vão exportar para quem consumir?
Óbvio que sempre haverá alguém para consumir, mas nada indica que esse acordo será benéfico ao Mercosul, embora possa melhorar as condições dos europeus. Nem mesmo que ele tenha potencial de aumentar substancialmente o comércio e/ou as economias envolvidas, com ênfase nessa pouca efetividade aos países do Mercosul.
Quanto a navegação específica, nem mesmo a criação de um Hub Port no Brasil será capaz de garantir um aumento significativo no setor de Cabotagem de 2 dígitos a longo prazo, ou mesmo significativo, porque isso poderia ter seu efeito drasticamente reduzido pela queda no consumo.
No Longo Curso, se houver um beneficiado, este não será do Mercosul, porque não há navios do bloco sulamericano operando nessas rotas.
- Leandro Barreto
Por Leandro Barreto
Entre comemorações, e também críticas, muito tem se falado sobre os impactos e a dimensão do acordo finalmente alcançado entre Mercosul e União Europeia após 20 anos de negociação, entretanto, o que pouco se comenta é que a abertura da Cabotagem acabou se tornando um dos maiores entraves na reta final da negociação do acordo.
Em entrevista ao Valor o Secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, chegou a classificar a solução encontrada para a Cabotagem, juntamente com a isenção das cobranças das taxas de farol para embarcações Europeias, como um Deal Breaker para a conclusão do acordo.
Ironicamente dentro da própria União Europeia haviam dois dos maiores interessados em manter a Cabotagem fechada: os Dinamarqueses da Maersk, controladores da Aliança e os Franceses da CMA-CGM, que recém adquiriram a Mercosul Line, e dois grandes interessados na abertura da Cabotagem: os Suíço/Italianos da MSC e os Alemães da Hapag Lloyd que não possuem um armador de Cabotagem no Mercosul e acabam gastando importantes quantias na contratação de serviços feeder e bandeiras de cobertura.
Na prática a solução encontrada pode ser classificada como um “meio termo” tendo em vista que apenas a Cabotagem entre os países do Mercosul será aberta, para o transporte de contêineres vazios logo após a concretização do acordo e para contêineres cheios 10 anos após a formalização do acordo. Ou seja, a cabotagem entre portos brasileiros (cobiçado pelos negociadores Europeus) ficou “estrategicamente” de fora do acordo, segundo o Secretário Nacional de Portos do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni.
Ainda que tudo que se saiba do acordo até o momento seja por intermédio de pessoas que participaram das negociações, já que o texto final ainda não foi divulgado, tem sido bastante interessante notar o aparente nível de conhecimento e as linhas de raciocínio bastante ponderadas dos negociadores brasileiros no que se refere à Cabotagem.
Já quanto a suposta reciprocidade na isenção da “taxa de farol” para os navios brasileiros em escalas na Europa, trata-se nitidamente de apenas “mera formalidade” dado que na prática há poucos (ou quase nenhum) navios da frota mercante brasileira operando em portos europeus.
Além das medidas negociadas no acordo, o Governo pretende lançar ainda em Julho um novo marco legal para Cabotagem, visando eliminar gargalos, corrigir distorções, estimular a concorrência e, no limite, aumentar a participação dos navios na matriz de transportes brasileira.
Embora parte dessas iniciativas tenham as digitais do novo Governo, o TCU determinou que antes do final de 2019 o governo acabe com preços diferentes de combustível de navegação, outra medida bastante aguardada pelo setor. Em seu voto o Ministro relator do processo no TCU, Bruno Dantas, disse: “O cenário atual da cabotagem demonstra a ausência de uma política pública institucionalizada e ações sem sinergia, pontualmente adotadas por entidades e órgãos, o que acaba por prejudicar a participação deste modal na logística brasileira”.
Diante de todo esse cenário o certo é que finalmente as autoridades “descobriram” a importância da Cabotagem e que o futuro desse setor será ainda mais dinâmico nos próximos anos, e com taxas de crescimento ainda superiores aos dois dígitos já registrados ao longo das últimas duas décadas.
E para a Navegação de Longo Curso, o que muda?
Para os armadores que operam nas rotas entre Europa e Costa Leste da América do Sul as perspectivas são as melhores possíveis uma vez que há previsão de importante crescimento de volumes nos dois sentidos, muito embora as reduções de tarifas aos produtos oriundos do Mercosul entrarão em vigor antes e, portanto, espera-se que os volumes Northbound cresçam mais rápido que os volumes de importação (em geral as desonerações para os produtos Europeus só ocorrerão 10 anos após a assinatura do acordo) o que deve aumentar o imbalance de contêineres nessa rota e, com isso, potencializar os custos de reposicionamento de vazios (notadamente os reefers).
De qualquer maneira, para o Brasil a imediata aprovação das reformas, investimentos na qualificação da mão de obra e em modernização de processos/produção serão agora ainda mais vitais para que daqui a 10 anos a indústria brasileira possa estar preparada para competir em condições de igualdade com a indústria europeia, caso contrário esse acordo pode catalisar o processo de desindustrialização no Brasil.
Leandro Barreto - Shipping Intelligence Specialist na Solve Shipping
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