segunda-feira, 15 de março de 2021

O pronunciamento de Lula

Lula fez um pronunciamento esta semana, logo após a anulação de todas as suas condenações na Justiça. Inacreditável que tenham dado tanta importância a este pronunciamento, se levarmos em conta todas condições com que toda essa história se desenrolou. 

Não discordo que o pronunciamento foi politicamente bom, um dos melhores de Lula, mas também foi absolutamente demagógico, e pior, destoa bastante de algumas entrevistas e ações que o próprio Lula tomou nos últimos anos, e ainda vem crivado com algumas mentiras e inconsistências. E quando falo últimos anos, incluo os últimos anos de seu governo também. Mas nem tudo deve ser visto como negativo ou populista e vou começar com os três pontos que considerei assim. 

Ele foi cirúrgico quando falou da pandemia, das formas de prevenção, e da importância da vacinação, inclusive quando disse que não se deveria ouvir o atual Presidente, e que se deveria cobrá-lo pela vacina. Muito mais

Também falou da imprensa. Ora, a imprensa está absolutamente alinhada com o pensamento da classe economicamente dominante do Brasil, e normalmente isso é assim em qualquer lugar do mundo.  A constatação de que a imprensa foi parcial e formou quase que um bloco uníssono contra ele e seu partido é verdadeira, Mas Lula e o PT ficaram 14 anos com o governo nas mãos, e nunca tomaram nenhuma atitude concreta para quebrar com esse monopólio. Ao contrário, tentaram se aproveitar disso, pensaram que seriam parte beneficiária do sistema. Bom sabemos o resultado.

Outro ponto em que foi bem, por sinal tão bem quanto o primeiro, foi quando disse que a população brasileira precisa de emprego e renda, e que isso é um problema seríssimo para as pessoas. Mas parou por aí.

Porque nesse mesmo momento veio que o que ele passou não foi pior do que aquilo que o povo brasileiro passa. Se assim fosse, ele teria aberto mão da candidatura na última eleição, e feito uma chapa de coalizão nacional, já que todas as pesquisas indicavam que o PT não levaria a eleição. Na mesma toada, nos últimos anos, sua paixão quando falava de sua condenação e prisão tinham um tom muito mais alto do que quando falava dos problemas da população. O primeiro passava a ideia de indignação, ressentimento, enquanto o segundo passava a ideia de uma simples constatação. Isso é humano, absolutamente compreensível, mas destoa da ideia de grande estadista, de alguém que põe os interesses coletivos sobre os próprios. 

Ainda quando se referiu à condenação, cometeu dois deslizes que eu não aceito. O primeiro é que ele disse que foi inocentado. Isso não é apenas uma distorção, mas uma mentira. Como já falei semana passada, a anulação das condenações não significa anulação dos processos, e estes podem ser recuperados em sua totalidade pelo próximo Juiz do caso, faltando apenas nova sentença. Isso na anulação monocrática dada por Fachin, e que deve ser revista no pleno do STF. Quanto a suspeição de Moro, esta sim anula os processos, no caso de Moro ser considerado suspeito, mas também não dá resultado final às causas, porque novas investigações e processos podem ser iniciados, e nova acusação pode ser ajuizada. Nenhuma das duas decisões em discussão no Supremo é relativa a uma possível absolvição do ex-Presidente, nem à condenação, já que elas não são relativas a provas condenatórias, mas a ritos processuais.

Quando tratou da questão do petrolão acertou ao apontar a questão econômica mais ampla, mas errou ao mais uma vez ao se referir à CUT como a representante do movimento sindical. Ela não é. A CUT é o braço sindical do PT, e defende os interesses do partido, muitas vezes em detrimento dos interesses dos trabalhadores a quem dizem defender. Outras centrais sindicais têm ligações com outros partidos, inclusive de direita.

Errou também quando tratou a questão do Exército e das Polícias. Quando tentou comprar essas instituições, e seus integrantes, quando afirma que eles precisam de armas. Isso pareceu mais com a oferta de uns brinquedinhos para eles se divertirem. Foi superficial, foi errado, foi infeliz, porque essas instituições precisam ser tratadas com a importância e a responsabilidade necessárias. Elas têm sido um dos maiores focos de instabilidade na política brasileira desde a Proclamação da República, e isso precisa ser mudado. Não é dando brinquedinhos que isso se resolverá, e ele passou ao largo da importância que essa discussão precisa ter.

Nesse mesmo ponto ele tratou a questão da violência com a mesma superficialidade que seu governo deu a ela, ou seja, como se o combate à violência fosse apenas uma questão de força policial e de uma polícia bem equipada e repressiva. Claro que tem a ver com isso mas, se após todos esses anos, ainda não ficou claro que isso é absolutamente ineficiente, então ele não aprendeu nada.

Como também tratou a questão do golpe parlamentar de 2016 de forma rasa, como se fosse algo importado, e que não tenha havido interesses internos que suportaram a retirada da Presidenta, ou que não havido uma série de erros políticos dele, e da ex-Presidenta Dilma, que propiciaram e levaram à queda do lulopetismo.

Na parte econômica, mais uma vez um discurso que atenta apenas a um lado da equação econômica. Verdade que não há economia capitalista sem consumo (ainda que alguns acreditem nisso), mas somente consumo não é suficiente. Há necessidade de um Estado, não interventor, mas direcionador, com um projeto de país, com metas claras, e com indicações claras de como as prioridades serão atendidas e desenvolvidas. Isso não significa que outros setores serão abandonados, mas que alguns são mais básicos e fáceis de atingirem as metas, porque estão dentro das chamadas "vantagens comparativas".

O problema é que Lula até entende que é preciso industrializar o país, só que, da mesma forma que o PSDB, o PT também acha que essa industrialização virá de investimentos estrangeiros. Acontece que isso não faz um país avançar, porque como a própria palavra diz, é estrangeiro, e se vai de acordo com os ventos e interesses, como se foram a Ford, e algumas outras multinacionais estrangeiras.

No fim, a forma como o Presidente fala o coloca na disputa presidencial de 2022 com força, mas acirra os ânimos com muitos que estariam dispostos a não votar em Bolsonaro, e ainda pode significar um retorno a um passado que acabou mal. Sim porque acabou com um golpe, com o empobrecimento do povo, e com a ascensão da extrema-direita no Brasil.

Isso tudo não significa que Lula seja carta fora do baralho ou que esteja realmente no jogo em 2022. Mas se ele realmente resolver seus problemas na Justiça, então ele tem grandes chances de estar no segundo turno. Diria eu que sobra uma vaga. O problema é que o antipetismo segue sendo uma força avassaladora no país. Lula tem menos rejeição que seu partido em si, mas não será tão difícil ligar o ex-Presidente a todos os erros petistas, e essa rejeição pode aumentar.

Por fim temos que levar em conta que o discurso foi muito comemorado por seus correligionários, mas também por alguns defensores conhecidos e "representantes" do mercado financeiro. Isso me faz lembrar de uma certa "carta aos brasileiros", e de um governo de distribuição de esmolas aos pobres, e de régias picanhas aos ricos, para ficar numa alusão que o próprio ex-presidente fez em seu discurso.

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